Casa de ferreiro...
Biblioteca Nacional concentra poder e verba, mas é criticada por descuidar de acervo
Ele continuava lá no dia seguinte, quando funcionários fizeram, na frente do centenário prédio carioca, o segundo protesto do ano pelas más condições do lugar -que atingiu alto nível de degradação neste ano, com infiltrações e problemas elétricos.
Desde que assumiu a Fundação Biblioteca Nacional, em 2011, o paulista Galeno Amorim, 50, tem dividido seus dias entre atribuições na sede da instituição e uma série de viagens a trabalho, inclusive a outros países.
A rotina, que difere da que seus antecessores tiveram no cargo, decorre da transferência - iniciada em 2011 e concretizada em abril deste ano- de todas as políticas públicas de livro, leitura e literatura do país para a instituição.
A instituição acumulou funções como modernizar bibliotecas, internacionalizar a literatura brasileira e formar agentes de leitura, além do já enorme trabalho de preservar a memória do país.
Com isso, a gestão de Galeno passou a ser criticada por descuidar do básico: a biblioteca e seu acervo.
Ao mesmo tempo, projetos anunciados com alarde, como o Programa do Livro Popular, nem saíram do papel.
O apoio à cadeia produtora do livro e a internacionalização da literatura brasileira, outras marcas da atual administração, são elogiados pelo mercado e por autores, mas servem de munição adicional aos críticos do que seria descaso com a biblioteca.
ACÚMULO
Em novembro, dois meses após assumir o Ministério da Cultura, Marta Suplicy contestou, em entrevista à Folha, a ampliação das atribuições da FBN, tema que divide especialistas em políticas públicas.
Questionada se a FBN é a instância mais adequada para cuidar das políticas de livro e leitura, disse: "Não é. Não acho [que seja]. Estou estudando por que foi feito desse jeito e como seria se a política do livro voltasse para Brasília. Não decidi ainda, mas estou reavaliando".
Galeno Amorim diz ter "posições rigorosamente parecidas" com a de Marta. "A junção dessas áreas na FBN fortaleceu as políticas de livro e leitura. Mas acredito que seja importante uma instituição para cada uma das coisas."
Segundo ele, ainda estão sendo formadas condições para a criação do Instituto do Livro, que seria voltado especificamente a essas políticas. "A meta é mostrar resultados. Cabe à ministra avaliar se o momento é oportuno."
Aumento de ações dificulta avaliação, diz FBN
Neste ano, Fundação Biblioteca Nacional passou a ser responsável por R$ 373 mi para programas de livro e leitura
"Foi a primeira vez que fizemos sistematização de projetos", afirma o presidente do órgão, Galeno Amorim
Fotos Daniel Marenco - 16.out.2012/Folhapress |
Armazém de periódicos e obras gerais da Biblioteca Nacional, no centro do Rio de Janeiro |
Embora o orçamento da FBN tenha sido de pouco mais de R$ 100 milhões em 2012, houve no ano uma imensa concentração de recursos indiretamente sob responsabilidade da instituição.
Em abril, o Ministério da Cultura anunciou R$ 373 milhões para o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), uma espécie de PAC das políticas nessa área, envolvendo vários entes públicos sob o guarda-chuva da FBN.
Mas não há mecanismo que permita acompanhar resultados -o site do PNLL praticamente não é atualizado desde o ano passado.
"O PNLL nunca foi executor, e sim coordenador de ações do governo e do terceiro setor. Hoje, continua não executando, pelo que vejo, embora lhe seja atribuído orçamento megalômano", diz José Castilho, ex-secretário executivo do PNLL, um dos maiores críticos das atuais políticas para esse setor.
Galeno Amorim admite ser um montante de atividades difícil de acompanhar justamente por se tratar de uma medida pioneira.
"Foi a primeira vez que fizemos uma sistematização de projetos e programas do MinC nas áreas do livro e da leitura", argumenta. Diz que até o início de fevereiro deve poder apresentar números mais precisos sobre resultados.
Ainda assim, garante que todas as 44 ações previstas para execução durante 2012 foram ao menos iniciadas.
O fato é que a implementação de várias dessas ações esbarrou em gargalos nas esferas pública e privada. É o caso do programa de aquisição de obras a preços baixos para bibliotecas do país.
Anunciado no começo de 2011 como a grande bandeira da gestão de Amorim, o Programa do Livro Popular ainda está em fase de testes.
O projeto de estimular a cadeia produtiva a vender livros a até R$ 10 sempre foi visto como modo de privilegiar editoras com a compra pelo governo de encalhes de livros.
A ideia era que o piloto do programa fosse concluído no começo deste ano, mas o ambicioso projeto enfrentou sucessivos atrasos.
Bibliotecas encomendaram 1,9 milhão de livros. Em agosto passado, já com atrasos, a FBN anunciou que a entrega estaria concluída até outubro. Agora, Galeno estima que, até janeiro, 60% dos livros tenham sido entregues.
Galeno ressalta o aspecto inovador do programa de fazer bibliotecários decidirem que livros querem para os acervos de seus locais de trabalho -antes, a escolha era feita pela FBN.
O presidente da FBN afirma que o acúmulo de responsabilidades no âmbito da Fundação Biblioteca Nacional não atrapalhou a gestão das instalações do prédio sede porque houve um aumento proporcional de pessoal.
Segundo ele, em dois anos, a equipe responsável pelas políticas de livro e leitura passou de dez para 90 pessoas.
RIBEIRÃO PRETO
Galeno Amorim sempre atuou entre a política e o mercado do livro. Nascido em Ribeirão Preto, foi jornalista em veículos como "O Estado de S.Paulo" e a Globo antes de ser eleito vereador de Sertãozinho (SP), nos anos 1980.
Em 1995, fundou a editora Palavra Mágica. Em 2001, foi convidado pelo então prefeito de Ribeirão Preto, Antonio Palocci, a assumir a pasta de Cultura. Levado em 2004 a Brasília por Palocci, então ministro da Fazenda, ajudou a criar o PNLL antes de deixar o governo, em 2006, com a queda do cacique petista.
Por dentro da biblioteca nacional
Sediada em um edifício de 102 anos no centro do Rio de Janeiro, a instituição chegou em 2012 ao limite de sua degradação física, colocando em risco usuários e funcionários, que foram às ruas para protestar
Em setembro, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, anunciou verbas de R$ 70 milhões para o prédio. Apesar de os reparos emergenciais estarem em andamento, o prazo para conclusão é 2015.
Criada em 1810, a Biblioteca Nacional começou com acervo de cerca de 60 mil peças trazidas de Portugal pela família imperial. Seu prédio atual foi inaugurado no dia do centenário da instituição.
Projetado para abrigar 400 mil volumes, há muito superou sua capacidade: tem cerca de 9 milhões de itens, entre livros, periódicos, fotos, gravuras, mapas e objetos. Anualmente, recebe cerca de 100 mil obras.
Um novo prédio, que vai abrigar a coleção de periódicos, está sendo reformado, sem data de inauguração. A biblioteca recebeu mais de 31 milhões de visitantes neste ano, até outubro -salto em relação a 2011, quando foi visitada por 22,5 milhões.
Ela é controlada pela Fundação Biblioteca Nacional, que tem em seus quadros cerca de 700 funcionários.
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