CRÍTICA RELIGIÃO
Textos mostram que a liberdade de culto no país não resultou em tolerância
O Brasil já foi país de uma religião só. Aos poucos, antes mesmo do fim do monopólio oficial católico decretado pela República, diferentes religiões foram trazidas, na memória dos escravos, no enxoval da princesa Leopoldina, no coração dos imigrantes.
Depois chegaram com missionários e pelos livros. A diversidade religiosa já se formara no século 19 e desde então só cresceu.
O Brasil continua a receber novidades, e inventa outras. Reunindo 20 especialistas, entre acadêmicos e teólogos, "Religiosidade no Brasil", livro de João Baptista Borges Pereira, mostra como a diversidade se consolidou numa oferta de religiões para todos os gostos, as necessidades e os interesses.
A pluralidade de religiões, igrejas, denominações, movimentos e grupos de culto resulta também de transformações que as religiões oferecem diante de novas demandas que a sociedade ou a própria religião criam.
Recentemente, parte do pentecostalismo deixou de orientar os trabalhadores para uma vida modesta centrada no trabalho e optou pela orientação ao consumismo, adotando a teologia da prosperidade, mais coerente com a ideia econômica de inclusão social dos mais pobres por meio do consumo, e deu à luz o neopentecostalismo.
O catolicismo, que se multiplica em muitas versões, oferece outro exemplo bem atual de mudança profunda.
No tempo em que a religião servia como resistência à ditadura militar, a boa religiosidade devia ser baseada na solidariedade e na ação coletiva em prol de um mundo mais justo.
Com a redemocratização, deixou de ser "a voz dos que não têm voz". Abandonou completamente preocupações políticas e se voltou ao cuidado do indivíduo e de seus problemas pessoais: a teologia da libertação foi substituída pela renovação carismática.
MUDANÇAS
Isso mostra que a religião de hoje, para prosperar, ou sobreviver, tem que mudar. Cada uma tem que lutar por mais adeptos, mais recursos, mais visibilidade e legitimidade.
E mais poder de influir. Mas há espaço também para aquelas ocupadas em garantir identidade a grupos sociais e étnicos minoritários.
Católicos de todos os matizes, evangélicos cada vez mais diversificados, espíritas, afro-brasileiros de diferentes origens e organizações, tradições indígenas antigas e novas, judaísmo, budismo, islamismo, ortodoxos, as novas religiões orientais, tudo isso ajuda a traçar o rico e diverso panorama de "Religiosidade no Brasil".
Mas não se trata de mera descrição: cada autor oferece sua interpretação da religião de que trata e do Brasil que essa pressupõe.
O pluralismo que o livro revela não é, contudo, pacífico. A competição entre as religiões é muitas vezes acompanhada de preconceito, intolerância, conflito e até agressão.
"Religiosidade no Brasil" mostra que a diversidade derivada da liberdade de culto ainda não resultou numa cultura da tolerância e respeito ao diferente.
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