CARLA BIANCHA ANGELUCCI
TENDÊNCIAS/DEBATES
Psicólogos devem poder dar tratamento a pacientes gays que querem reverter sua orientação sexual?
NÃO
O sofrimento se deve à homofobia
Há mais de uma década, organismos nacionais, estrangeiros e supranacionais, como Associação Americana de Psiquiatria e Organização Mundial de Saúde, reconhecem o direito à expressão das sexualidades, direito esse reconhecido também pelo Ministério da Saúde.
Assim, desde os anos de 1990, é consenso na comunidade científica que a homossexualidade não constitui doença e, assim, não se deve organizar ações de saúde visando à sua alteração.
É dever dos profissionais da psicologia garantir, nos serviços prestados à população, ética e qualidade teórica e técnica.
Isso significa que pessoas que estejam sofrendo em função de aspectos de sua sexualidade podem encontrar, nos atendimentos psicológicos, subsídios para compreender melhor suas experiências, aspectos psicossociais nelas presentes, bem como explicitação de elementos envolvidos na produção do sofrimento, a fim de enfrentá-lo.
A atenção em saúde mental deve considerar que nossa sociedade carrega preconceitos e moralidades que rebaixam a dignidade de inúmeros segmentos sociais. Entre eles, das pessoas homossexuais.
Desse modo, situações de sofrimento são produzidas devido à intensa e cotidiana discriminação vivida, gerando frequentemente nesses sujeitos sentimentos de culpa, de estar em desconformidade com as regras. Isso, por sua vez, redunda em busca por tratamentos que visem à correção daquilo que é vivido subjetivamente como "erro".
Assistimos a uma cooptação do discurso da saúde mental e do direito à autonomia por coletivos que se organizam a partir de uma específica moralidade, afirmando que pessoas homossexuais sofrem por estarem em desconformidade com a "natureza humana", e que psicólogos estão se negando a atendê-las.
É fato que homossexuais podem viver sofrimentos intensos, mas isto se deve à homofobia, não a um suposto desvio da natureza humana heterossexual.
Psicólogos, em seu percurso de formação, estudam profundamente aspectos do desenvolvimento das subjetividades em sua relação com os aspectos da vida societária.
As subjetividades são expressão de processos complexos, relacionando aspectos orgânicos e sistemas de crenças, valores e expressões culturais. Nós, psicólogos, estamos aptos a atender pessoas que apresentem sofrimentos, conflitos e dúvidas a respeito de suas experiências com a sexualidade, mas não trabalharemos a partir da diretriz de uma conformação da experiência sexual, normatizando-a, sob a justificativa de tornar a vida dos sujeitos mais feliz e ou saudável.
Nosso trabalho em saúde mental se organiza a partir do reconhecimento da diversidade, inclusive a de experiências relativas ao campo da sexualidade e pela possibilidade de cada pessoa ter condições de entender seus sentimentos, suas relações e, com isso, fazer escolhas sobre como conduzir sua vida.
Nosso trabalho em saúde mental visa produzir efeitos na vida coletiva, de forma a valorizar a singularidade, acolher a diversidade e romper com posicionamentos totalitários que se apoiam em fundamentalismos morais.
Pessoas homossexuais merecem nosso respeito pessoal e profissional. Garantir atendimento psicológico eticamente compromissado, com fundamentos teóricos e técnicos, é considerar o sofrimento relativo à experiência sexual sob a égide da discriminação, da condenação moral. Não devemos aderir à proposição retrógrada e injustificada cientificamente de redução das sexualidades à heterossexualidade.
ROBERTO DE LUCENA
TENDÊNCIAS/DEBATES
Psicólogos devem poder dar tratamento a pacientes gays que querem reverter sua orientação sexual?
SIM
Pela liberdade de atendimento
Discussões sobre orientação sexual sempre geram controvérsias. Temas como homo ou bissexualidade são quase tabus e, muitas vezes, são tratados com restrições e sob ópticas radicais. Ou se é a favor, ou se é tido como inimigo. E tudo torna-se belicoso quando se mistura conotação religiosa à polêmica.É o caso da discussão que ora estou envolvido, como relator na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, que trata do projeto de decreto legislativo 234/2011.
Esse projeto trata sobre a liberdade -ou sobre a proibição- de um psicólogo ou terapeutas habilitados para atender pessoas com transtornos resultantes de desequilíbrios e de conflitos interiores em decorrência de dúvidas ou mesmo de rejeição de sua homossexualidade. O projeto ganhou a alcunha de "cura gay" -foi pejorativa e erroneamente denominado, na minha visão.
Sou ligado a movimentos de direitos humanos e de defesa de minorias -quaisquer que sejam elas- há mais de 15 anos. Embora seja orgulhosamente pastor evangélico, na análise do projeto não fiz qualquer avaliação sob o ponto de vista da religião. A avaliação foi técnica.
O que o ele pretende, e por isso concordei, é que seja retomado o direito de profissionais ligados ao Conselho Federal de Psicologia de atender pacientes com problemas relacionados a essas questões.
Não é promover sessões de curandeirismo ou de se determinar a adoção de práticas quaisquer para "remover a homossexualidade" de ninguém. É simplesmente permitir que se dê assistência psicológica àqueles que a desejarem e a buscarem -espontaneamente- nesses casos.
Veja: um médico de 38 anos, morador de Brasília, procurou-me recentemente e, com a voz embargada, pediu que eu desse parecer favorável a esse projeto. Ele considerou ser homossexual durante quase duas décadas, mas agora optou por outra orientação sexual.
Assim como qualquer pessoa que busca ajuda nos consultórios de terapia para superar fobias, traumas e problemas ligados à psique, ele tentou ser atendido por esses profissionais. Todos recusaram o caso, temendo represálias corporativas.
O que se defende, nesse projeto, é que a orientação sexual egodistônica (aquela atração sexual fora de sintonia com o seu "eu") possa ser tratada por profissionais. Ao contrário do que se propaga, muitas vezes de forma distorcida, esse tratamento é previsto pela Organização Mundial da Saúde por meio da CID-10: "Pessoas com essas dificuldades podem procurar ajuda para alterá-la". Mas o Conselho Federal de Psicologia proíbe o procedimento desde 1999.
O que esse projeto pretende, em suma, é apenas possibilitar que uma decisão tomada há quase 14 anos, dentro de um determinado contexto, possa ser revista. Que a norma seja reescrita, pela liberdade dos profissionais de psicologia e de muitos de seus possíveis ou prováveis pacientes que hoje sofrem. Que possam mesmo debater e esclarecer a questão em público sem receio de terem registros profissionais cassados.
Como cristão, não acredito que a defesa dos direitos das minorias -e aqui incluo aqueles que desejam buscar auxílio para resolverem seus problemas de orientação sexual- seja uma exclusividade de uma militância ruidosa de movimentos por vezes exclusivamente sectários.
Respeito os movimentos de defesa dos homossexuais, que têm seu papel na busca de muitos direitos. Mas tenho a expectativa de que eles, vítimas também de preconceito e discriminação, respeitem e compreendam o que está sendo discutido no projeto e, assim, também possam acolher essa minoria dentro de uma outra minoria, dando-lhes a chance de buscar maneiras de ter uma vida mais digna e de estar em paz.
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