Estado de Minas: 22/12/2012
É mais fácil se encontrar a temática natalina nas páginas dos jornais, almanaques e revistas do que propriamente nos livros de literatura. E, dentre esses últimos, nota-se a preferência dos escritores mais para os gêneros conto e crônica do que para poesia ou romance.
Na literatura europeia, de mais tradição que a nossa, respingam aqui e ali obras de renome que tratam dos temas de Natal: as de Maupassant, Gorki e Dostoiévski e alguns outros. Não são muitas.
No Brasil, menos ainda: as de Machado – é claro –, Mário de Andrade, Drummond, João Cabral e poucos mais, entre as dignas de nota.
Nestas considerações, vamos destacar apenas um estrangeiro e um brasileiro: de um lado, o inglês Charles Dickens (1812-1870) e, de outro, o nosso João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Assim, a balança fica de certo modo equilibrada.
Dickens, para os leitores britânicos, praticamente inventou o Natal com o conto “O Natal do sr. Scrooge” (“A Christmas Carol”), publicado em 1843, pois imediatamente conquistou todo o público de seu país e depois o mundo. A magistral história de Dickens narra a véspera e o dia de Natal do infeliz sr. Scrooge, um avarento que atormentava a vida de seus empregados e de todos os que o rodeavam.
Na noite do dia 24 de dezembro, quando se preparava para dormir, lhe aparece o terrível fantasma de um antigo sócio, o sr. Marley. Passado o susto inicial, o velho Scrooge ouve a aparição lhe dizer que seria perseguido por três espíritos e estes iriam lhe mostrar o Natal passado, o Natal presente e o Natal futuro. Scrooge viu, então, passar diante dos olhos acontecimentos pavorosos de sua vida, durante toda a noite.
Quando acordou no dia seguinte, sentiu-se aliviado e transformado em outro homem, e com a possibilidade de se penitenciar do mal que fizera durante a vida. Logo começou a distribuir alegremente presentes e felicidade aos parentes, empregados e a famílias de conhecidos. A história de Dickens é um clássico da redenção de um homem pelo arrependimento, no estilo romântico de seu tempo, o século 19.
Em versos
Outra história bem diversa nos conta em versos o poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto, com “Morte e vida severina”, um auto de Natal pernambucano publicado no século 20 (1956) e que obteve o maior sucesso quando o compositor Chico Buarque de Holanda o transformou numa peça musical.
Nele, Cabral realça o lado social em detrimento do religioso, mas a obra ganha em dimensão humana. A descrição da vida nordestina coincide com as agruras do brasileiro pobre e marginalizado para, no final, retomar o motivo religioso e natalino com a alegria do nascimento de um menino-símbolo.
São histórias bastante diferentes, a de Dickens e a de Cabral. Na primeira, o protagonista se redime para penetrar e ser aceito no romantismo do oitocentos; no outro, o personagem principal, integrado à paisagem e à miséria do século 20, se supera pela esperança no nascimento de um filho. Estariam ambos, cada um a seu modo, dentro do espírito natalino de seus tempos?
Agora quem sabe possamos responder à insistente pergunta de Machado de Assis no final de seu conhecido “Soneto de Natal”: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”.
Joaquim Branco é escritor, doutor em literatura pela UERJ e professor de literatura brasileira nas Faculdades Integradas de Cataguases.joaquimbranco.blogspot.com
Para reler
O conto de Charles Dickens, “A Christmas Carol”, ganha mais uma edição em português, com o título Um hino de Natal, com tradução e adaptação de Cecília Meireles, com ilustrações de Lelis. A edição é da Global (64 páginas, R$ 65), que reedita a versão da poeta brasileira feita em 1947 e que ainda não havia recebido uma edição comercial.
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