Zero Hora: 15/12/2012
Eu gosto de gostar de Caetano – mas nem sempre gosto do que ele faz.
Caetano Veloso, pra mim, é como aquele amigo de infância que você
ama sinceramente, mas com o qual tem cada vez menos contato. Não importa
o quanto suas vidas se distanciem, você sempre vai achar tempo para
ouvi-lo. Mas essa velha amizade, às vezes, parece se alimentar mais do
eco distante de um big bang de afinidade do passado do que de uma
genuína comunhão de interesses do presente. Até que algo que ele diz ou
faz reacende alguma coisa em você, despertando a lembrança de todos os
motivos pelos quais, afinal, esse amor discreto, mas intenso, tornou-se
um dos laços mais consistentes e permanentes da sua vida.
Achava que passar um fim de semana inteiro ouvindo um disco de
Caetano Veloso era daqueles prazeres da juventude que eu nunca mais
repetiria – como acampar, virar a noite conversando com as amigas ou
pedir carona na estrada (ainda bem que meus pais não estão lendo
isso...). Ledo e ivo engano.
Eis que esse senhor de 70 anos recém-completados acaba de
surpreender novos e antigos fãs com canções que pedem para ser ouvidas
não uma, mas várias vezes em sequência – primeiro porque a sonoridade
nos pega pelo cangote e depois porque cada letra esconde um verso ou um
jogo de palavras que vai se iluminando um pouco mais a cada nova
audição.
Ao contrário de Chico Buarque, que no ano passado gravou um disco
solar acompanhado por músicos veteranos, Caetano compôs um álbum
melancólico, noturno, porém apoiado na energia renovada de jovens
instrumentistas. O contraste entre a música que vai para um lado e a
letra que parece ir para o outro cria um estranhamento interessante em
canções como O Império da Lei, uma música alegre e dançante que lembra
mortes estúpidas e impunes no interior do Brasil: “O império da lei há
de chegar no coração do Pará/ Quem matou meu amor tem que pagar/ E ainda
mais quem mandou matar”.
O conteúdo político aparece também em Um Comunista, composição do
não comunista Caetano em homenagem ao guerrilheiro Carlos Marighela:
“Vida sem utopia/ Não entendo que exista/ Assim fala um comunista/ Porém
a raça humana/ Segue trágica sempre/ Indecodificável/ Tédio, horror,
maravilha/ Ó mulato baiano/ O samba o reverencia”.
A canção que abre o disco é uma espécie de charada com título e
refrão provocativos (“A bossa nova é foda”), em que Caetano se diverte
lançando pistas para serem decifradas pelo ouvinte. O “bruxo de
Juazeiro”, claro, é João Gilberto, mas para encontrar Carlos Lyra no
“magno instrumento grego antigo” e Bob Dylan no “bardo judeu romântico
de Minnesota” é preciso um pouco mais de empenho.
A doce e melancólica Estou Triste é tão linda, que vale a pena
transcrever inteira: “Estou triste tão triste/ Estou muito triste/ Por
que será que existe o que quer que seja?/ O meu lábio não diz, o meu
gesto não faz/ Sinto o peito vazio/ E ainda assim farto/ Estou triste
tão triste/ E o lugar mais frio do Rio/ É o meu quarto”.
Como é bom voltar a gostar de quem a gente nunca deixou de amar.
Eu também gosto de gostar de Luis Fernando Verissimo – mas desse eu
gosto sempre. O cronista mais lido e querido do Brasil voltou para casa
ontem e em breve volta para esta página também. Isto sim é presente de
Natal: o resto é lembrancinha.
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