sábado, 15 de dezembro de 2012

Potências racham sobre internet e há temor de 'guerra fria digital'


Países decidem, em evento da ONU, fazer apenas referência genérica à governança da web
Brasil foi um dos 89 que assinaram tratado, ao lado de Rússia e China; Estados Unidos e mais 54 países rejeitaram
NELSON DE SÁFOLHA DE SÃO PAULOA Conferência Mundial sobre Telecomunicações Internacionais, realizada nas últimas duas semanas pela ONU, nos Emirados Árabes Unidos, terminou ontem como havia começado: com forte divisão entre os países-membros.
Os acordos finais foram aprovados por 89 países, entre eles, Brasil, China, Arábia Saudita e África do Sul, contra 55 que se negaram a assinar, entre eles Alemanha, Japão, Qatar e Colômbia.
O primeiro grupo foi identificado com a Rússia, o segundo com os EUA, o que levou observadores a questionarem se o mundo corre risco de "guerra fria digital".
O maior fator de divisão, ao longo da conferência, foi uma eventual menção à internet -o que era defendido desde o princípio pela Rússia, com apoio da China e de países árabes, e questionado por EUA e países europeus.
No final, depois de ameaças de abandono pela delegação americana e dias inteiros de negociação, houve referência genérica à governança da internet num texto paralelo, não obrigatório.
SPAM
Mas os EUA questionaram outros pontos, presentes nas resoluções de adoção obrigatória pelos signatários, sobretudo a defesa de regulação de spam -o que exigiria reconhecer conteúdo de internet, na visão americana, arriscando a liberdade de expressão.
Também foi destacada pelos EUA a descrição das entidades do setor, num dos textos finais, a pedido da Rússia, como "agências operadoras", o que abrange empresas de internet, e não "agências operadoras reconhecidas", o que limitaria o escopo às teles.
Apesar do racha, o chefe da comitiva dos EUA, Terry Kramer, afirmou ontem que "não é o fim do diálogo sobre o papel de governos e das partes interessadas no crescimento dos setores de telecomunicações e internet".
Em tom amistoso, disse que "a conversação global vai continuar". Acrescentou depois que muitos dos signatários acabarão tendo "remorso de comprador", quando acordarem para as vantagens econômicas da internet sem interferência estatal.
Também o ministro Paulo Bernardo (Comunicações), que chefiou a comitiva brasileira, sublinhou que o diálogo segue até nova reunião plenária da União Internacional de Telecomunicações (UIT), marcada para 2014 na Coreia do Sul. "Vai continuar, vai ter um avanço."
Ele espera novas adesões ao tratado nos próximos meses, porque "muitos países que se alinharam com os EUA declaram que vão consultar as suas capitais para saber se assinam ou não".
ADOÇÃO
A adoção plena do novo tratado só deve acontecer em 2015, após a ratificação pelos países no novo encontro da UIT. E não há definição ainda quanto à maneira de obrigar seu cumprimento pelos signatários. Quanto aos que recusarem o novo tratado, como os EUA agora, deverão seguir com as normas de telecomunicações estabelecidas em 1988 pela mesma UIT.
"A despeito da marcação de posição negativa de países importantíssimos [como os EUA], achamos que houve avanços expressivos", diz Bernardo, lembrando a aprovação de normas para "roaming" e pontos regionais de tráfego, questões mais ligadas às telecomunicações.
Para ele, o apoio de países democráticos ao tratado, como México, Indonésia, Brasil e outros, "dissipa qualquer possibilidade de alguém falar que foi união de países com visão autoritária".

    FRASE
    "Mesmo com a marcação de posição mais dura dos americanos, nós avançamos com eles na questão dos pontos regionais de tráfego e do "roaming". E as negociações vão continuar. Para nós, foi bom"
    PAULO BERNARDO
    ministro das Comunicações

    Para cidades, Lei da Antena é 'devaneio'
    Projeto fixa em 60 dias o prazo para resposta aos pedidos de instalação de estações de banda larga e telefonia móvel
    Municípios alegam que o prazo é muito curto e que faltam técnicos para emitir pareceres em tão pouco tempo
    HELTON SIMÕES GOMESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAAprovada anteontem em votação que reuniu quatro comissões do Senado, a Lei Geral das Antenas corre o risco de não ser aplicada de fato, segundo Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios.
    "[A lei] é um devaneio", disse à Folha. O projeto prevê que os municípios respondam em 60 dias aos pedidos de instalação das estações de rádio bases, responsáveis pelo serviço de telefonia celular e de banda larga móvel. Caso contrário, as teles ficarão autorizadas a atuar.
    Segundo o texto, as licenças terão prazo de dez anos (prorrogáveis por igual período) e as teles deverão compartilhar sua infraestrutura -as que não o fizerem deverão se justificar.
    Para Ziulkoski, "o prazo de 60 dias não tem cabimento". "É um vezo do Congresso fixar prazo para os municípios em questões cuja realidade eles desconhecem."
    Segundo ele, as administrações municipais não têm corpo técnico capaz de emitir pareceres em tão pouco tempo, o que fará com que as antenas sejam instaladas automaticamente.
    O projeto da Lei das Antenas deve seguir para a Câmara na quarta-feira que vem. A expectativa dos parlamentares é de que a lei entre em vigor no início de 2013.
    "A gente vai ter que chegar a um meio-termo entre 60 dias e seis meses, porque hoje os processos mais rápidos duram seis meses, o que já é demorado", afirma Artur Coimbra, diretor de Banda Larga do Ministério das Comunicações.
    Na análise do governo, a Lei das Antenas e um decreto em análise na Casa Civil são os dois mecanismos para agilizar a implantação de infraestrutura de telecomunicações.
    "O governo tem metas agressivas para 2014 e 2015 que, mais do que dinheiro para investimento, dependem de um processo mais célere", afirma Coimbra. A Folhaantecipou que as teles terão um incentivo fiscal de R$ 7 bilhões para investir até 2016.
    O decreto prevê que toda obra pública de infraestrutura (ferrovia, rodovia, gasoduto ou saneamento básico) deverá reservar espaço para a instalação de cabos de telecomunicação.
    Se a obra for privada, as empresas executoras deverão tornar pública a possibilidade aos interessados.
    Além disso, apresentará regras mais claras para o compartilhamento de postes por empresas de telecomunicações e de energia e isentará as teles de pagar a taxa pelo direito de passagem.
    Para definir como as exigências serão cumpridas em cada obra, o Ministério das Comunicações negocia com as pastas de Cidades, Planejamento, Transportes e Minas e Energia.
    A expectativa era que o decreto fosse publicado ainda neste ano, mas, devido às negociações, deve ficar para o primeiro trimestre de 2013.

      FRASES
      "É um vezo do Congresso fixar prazo para os municípios em questões cuja realidade eles desconhecem"
      PAULO ZIULKOSKI
      presidente da Confederação Nacional dos Municípios
      "A gente vai ter que chegar a um meio termo entre 60 dias e seis meses"
      ARTUR COIMBRA
      diretor de Banda Larga do Ministério das Comunicações

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