Rubens Goyatá Campante
Estaodo de Minas: 15/12/2012
“Aos amigos tudo, aos inimigos a lei.” Não por acaso este é um dos ditados mais famosos do folclore político brasileiro. Sua autoria é discutida, fala-se em Getúlio Vargas, menciona-se Pinheiro Machado, todo-poderoso caudilho da República Velha, e mesmo o ex-governador mineiro Benedito Valadares. Todos políticos que se notabilizaram pela astúcia. A frase é sinônima da esperteza política no uso seletivo da lei – do lado punitivo desta e do aparato judicial para atingir os inimigos. Assim, uma versão mais completa do ditado é: “Aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei”.
Foi como inimigo que sofre os rigores da aplicação política e seletiva da lei que o Partido dos Trabalhadores (PT) viu algumas de suas figuras mais influentes sofrerem pesadas condenações judiciais por conta de acusações de corrupção, formação de quadrilha, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, entre outras.
Tem-se discutido, na seara jurídica, a justeza das condenações, estribadas em clara mudança jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF), com a maioria de seus ministros abandonando a rigidez formalista que predominava naquela corte nos procedimentos de prova e convencimento. Dizem os especialistas que a inovação jurisprudencial do Supremo deu-se no uso da teoria do domínio do fato para condenar os acusados, um entendimento que permite ao Judiciário condenar um réu que não tenha deixado provas concretas da participação direta em um crime, mas que, pelo alto cargo que ocupa e pela influência que possua em uma instituição, tenha contribuído decisivamente para sua realização.
Criada, segundo o jurista alemão Claus Roxin, um de seus idealizadores, a partir da inquietação com os julgamentos dos crimes nazistas, a teoria do domínio do fato visava fazer com que os indivíduos em posição de comando, que comprovadamente davam ordens e planejavam estrategicamente a execução de delitos, fossem julgados como autores efetivos deles, juntamente com os executores diretos, e não como meros participantes, como o fazia a jurisprudência. Foi com base em tal teoria que os ex-presidentes Jorge Rafael Videla e Alberto Fujimori, da Argentina e do Peru, respectivamente, foram condenados – não “sujaram as mãos” executando pessoalmente os crimes tenebrosos de seus governos, mas comprovou-se que deram as ordens.
Não basta, entretanto, para se aplicar tal entendimento, que o acusado esteja ou tenha estado em uma posição de comando e influência, de um lado, e que tenham ocorrido delitos em sua administração ou área de influência, por outro. É preciso provar o nexo entre os dois fatos, ou seja, que o acusado emitiu a ordem para o crime. Não bastam os indícios ou a suposição de que essa ordem existiu apenas pela posição hierárquica superior do acusado – “isso seria um mau uso da teoria”, afirmou Roxin, “a posição hierárquica, em si, não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ‘ter que saber’ não basta”. O paradigma do domínio do fato, portanto, redimensiona e abranda o formalismo processual do direito, mas de forma alguma o exclui, pois ele representa uma garantia de cidadania contra o voluntarismo sem peias na aplicação da lei.
Os críticos às condenações do STF na Ação Penal 470 afirmam justamente que os réus foram condenados pela mera posição hierárquica, que não restaram provados o nexo entre os delitos e as ordens efetivas e mesmo alguns delitos em si. Os defensores das condenações afirmam que os delitos e as ordens foram confirmados e ainda que o próprio uso – correto – da teoria do domínio do fato não é novidade na Corte Suprema.
Ainda que as condenações sejam justificadas em termos estritamente técnico-jurídicos (até onde o direito possa ser estritamente técnico), vale dizer que, do ponto de vista social e político, essa justificativa é dúbia. Não por uma suposta inocência do PT mas pelo fato de que somente ele foi, até agora, condenado por práticas que são recorrentes e disseminadas no sistema político brasileiro – isso não o torna menos culpado, em termos sociais e políticos, mas faz com que a condenação pesando somente sobre suas costas tenha a indisfarçável marca da aplicação seletiva da lei, ditada por conveniências políticas.
A defesa jurídica do PT alegava que o único delito perpetrado pelo partido e seus integrantes foi o do financiamento de campanhas políticas. Ocorrera “somente”, segundo seus advogados e o discurso do partido, o famigerado caixa dois eleitoral. Alegação compreensível, em termos de estratégia jurídica, já que se trata de conduta punida de forma mais branda e limitada. Mas o caixa dois eleitoral nunca é algo brando e limitado, mas a ponta do iceberg de toda uma dinâmica de circulação ilegal e imoral de dinheiro no sistema político – é a face visível e uma das portas principais de entrada desse esquema absolutamente nefasto em termos de qualidade democrática.
A democracia de massas e a expansão quantitativa e qualitativa do conhecimento técnico, do sistema financeiro mundial e dos meios de comunicação têm feito da política uma atividade cada vez mais cara. Por uma questão de sobrevivência os partidos e políticos necessitam de dinheiro, especialmente para campanhas políticas (nas quais a propaganda e o marketing funcionam, tanto mais quanto menor for o grau de cultura geral e de cultura política de uma sociedade), mas também para assessorias, consultorias, estudos, pesquisas, etc. Quem oferece a maior parte desses recursos é o grande capital, especialmente o financeiro – não de graça, é claro. Esse é um sério problema estrutural, e não só da política brasileira. Basta ver os escândalos que, na Europa, atingiram partidos tanto de esquerda como de direita, e políticos da importância de Felipe González, Willy Claes, Bettino Craxi, Alain Juppé, Edith Cresson, Jacques Chirac, Helmut Kohl, entre outros, tendo como pano de fundo as relações entre a política e o dinheiro, geralmente envolvendo o financiamento de campanhas eleitorais.
Se o Judiciário brasileiro passar a usar, nos casos presentes e futuros de corrupção, a mesma régua, os mesmos parâmetros que usou para condenar os acusados na Ação Penal 470, o país terá de construir mais prisões para albergar os milhares de políticos, administradores e empresários sentenciados. Como afirmou Boaventura Santos, a impunidade e a falta de limites para o crime organizado e o crime político ameaçam a estrutura política de uma nação, mas “o mesmo pode ocorrer se a punição dessa criminalidade, pela sua sistematicidade e dureza, cortar as ligações do sistema político com tal tipo de criminalidade no caso de tais ligações serem vitais para a reprodução do sistema político”. Ilícitos políticos como as doações eleitorais “por fora” e a circulação ilegal de dinheiro no sistema político têm sido vitais para a reprodução deste, aqui e alhures. A grande e urgente questão estrutural é cortar ou ao menos diminuir tais ligações.
Controle público No Brasil, com o incremento dos sistemas e instituições de controle público como a Receita Federal, a Polícia Federal, o Ministério Público, os Tribunais de Contas, a Controladoria da União, as CPIs etc., vários escândalos de corrupção têm sido denunciados e apurados, mas poucos resultaram em condenações judiciais. As operações Satiagraha e Castelo de Areia, da Polícia Federal, foram boicotadas e impedidas política e judicialmente, CPIs que envolviam corrupção de forças políticas diversas, como a do Banestado, foram arquivadas, e o processo que investiga o envolvimento de políticos do PSDB mineiro em esquema de corrupção semelhante ao que condenou políticos do PT, inclusive com o mesmo “operador”, Marcos Valério, caminha a passos lentos no Supremo, embora a denúncia seja anterior.
Para esses casos tem prevalecido o excesso de formalismo legal e a parca e fragmentada cobertura da mídia. Mídia que mal informa a população sobre o projeto de lei que visa fazer com que as empresas denunciadas por corrupção sejam julgadas com base na responsabilidade objetiva e não mais subjetiva – graças a esta última, as empresas denunciadas sempre alegam que seus empregados agem por conta própria, sem conhecimento da direção. Caso vingue a responsabilidade objetiva poderão ser condenadas, assim como seus dirigentes, se provado que a empresa se beneficiou do ilícito. Mas a opinião pública, em geral, pensa que a corrupção é um problema somente do Estado ou dos “políticos ladrões”. Sim, há muitos deles, mas a questão é mais complexa.
Complexidade que a cultura geral e política da sociedade não está preparada para perceber e que a mídia, salvo exceções, não apresenta. É mais fácil apresentar e perceber o problema da corrupção pela ótica subjetiva e simplificadora da má índole dos políticos. É o discurso da mídia brasileira, que extrapolou sua tradicional e crucial função de formadora da opinião pública para se alçar à condição de “justiceira”, no vácuo da ineficiência da Justiça e da segurança pública no Brasil.
A mídia, porém, não tem os meios e a legitimidade institucional para isso. Primeiro porque falta a referência legal suficiente para, ao mesmo tempo, garantir e limitar o direito de expressão e informação, como acontece com todo direito constante de um ordenamento legal democrático, que não comporta direitos absolutos, mas sempre relativos e limitados uns pelos outros. Afirmar que o direito de expressão é absoluto, e que o Estado não deve regulá-lo – incluindo nessa regulação o estímulo à desconcentração dos grupos midiáticos em prol da pluralidade da opinião pública – é de um liberalismo tão extremo que chega a ser antidemocrático. Segundo, porque não tem a neutralidade política necessária para essa tarefa, apresentando, muitas vezes, os escândalos políticos que lhe convêm e na medida que lhe interessam. E finalmente porque, ao simplificar e subjetivar as causas da corrupção, escamoteia o principal problema subjacente a ela: o fato de que ela expressa uma perversão maior que é a privatização do Estado brasileiro pelo grande capital. Privatização que se manifesta em nossa injustiça tributária, que taxa o consumo e a renda dos pobres e da classe média e alivia a grande propriedade e o grande capital; na hegemonia financeira que abocanha quase metade do orçamento público; na degeneração da representação política pela força do dinheiro.
Combater a corrupção é necessário, porém mais importante é combater a privatização do Estado. Para isso, a agenda é extensa e difícil: redimensionar o formalismo jurídico para que a Justiça seja mais eficiente mas sem deixar os cidadãos à mercê do voluntarismo judicial; reformar o papel da imprensa, retirando-lhe o papel de “justiceira” guiada por interesses próprios e recolocando-a em sua função de formadora de uma opinião pública necessariamente plural; e, finalmente, desprivatizar o Estado brasileiro. Enquanto tais providências não sejam encaminhadas continuará a vigorar no Brasil a conveniência do “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”.
Rubens Goyatá Campante é doutor em ciência política pela UFMG e pesquisador da Escola Judicial do TRT- MG.
Foi como inimigo que sofre os rigores da aplicação política e seletiva da lei que o Partido dos Trabalhadores (PT) viu algumas de suas figuras mais influentes sofrerem pesadas condenações judiciais por conta de acusações de corrupção, formação de quadrilha, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, entre outras.
Tem-se discutido, na seara jurídica, a justeza das condenações, estribadas em clara mudança jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF), com a maioria de seus ministros abandonando a rigidez formalista que predominava naquela corte nos procedimentos de prova e convencimento. Dizem os especialistas que a inovação jurisprudencial do Supremo deu-se no uso da teoria do domínio do fato para condenar os acusados, um entendimento que permite ao Judiciário condenar um réu que não tenha deixado provas concretas da participação direta em um crime, mas que, pelo alto cargo que ocupa e pela influência que possua em uma instituição, tenha contribuído decisivamente para sua realização.
Criada, segundo o jurista alemão Claus Roxin, um de seus idealizadores, a partir da inquietação com os julgamentos dos crimes nazistas, a teoria do domínio do fato visava fazer com que os indivíduos em posição de comando, que comprovadamente davam ordens e planejavam estrategicamente a execução de delitos, fossem julgados como autores efetivos deles, juntamente com os executores diretos, e não como meros participantes, como o fazia a jurisprudência. Foi com base em tal teoria que os ex-presidentes Jorge Rafael Videla e Alberto Fujimori, da Argentina e do Peru, respectivamente, foram condenados – não “sujaram as mãos” executando pessoalmente os crimes tenebrosos de seus governos, mas comprovou-se que deram as ordens.
Não basta, entretanto, para se aplicar tal entendimento, que o acusado esteja ou tenha estado em uma posição de comando e influência, de um lado, e que tenham ocorrido delitos em sua administração ou área de influência, por outro. É preciso provar o nexo entre os dois fatos, ou seja, que o acusado emitiu a ordem para o crime. Não bastam os indícios ou a suposição de que essa ordem existiu apenas pela posição hierárquica superior do acusado – “isso seria um mau uso da teoria”, afirmou Roxin, “a posição hierárquica, em si, não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ‘ter que saber’ não basta”. O paradigma do domínio do fato, portanto, redimensiona e abranda o formalismo processual do direito, mas de forma alguma o exclui, pois ele representa uma garantia de cidadania contra o voluntarismo sem peias na aplicação da lei.
Os críticos às condenações do STF na Ação Penal 470 afirmam justamente que os réus foram condenados pela mera posição hierárquica, que não restaram provados o nexo entre os delitos e as ordens efetivas e mesmo alguns delitos em si. Os defensores das condenações afirmam que os delitos e as ordens foram confirmados e ainda que o próprio uso – correto – da teoria do domínio do fato não é novidade na Corte Suprema.
Ainda que as condenações sejam justificadas em termos estritamente técnico-jurídicos (até onde o direito possa ser estritamente técnico), vale dizer que, do ponto de vista social e político, essa justificativa é dúbia. Não por uma suposta inocência do PT mas pelo fato de que somente ele foi, até agora, condenado por práticas que são recorrentes e disseminadas no sistema político brasileiro – isso não o torna menos culpado, em termos sociais e políticos, mas faz com que a condenação pesando somente sobre suas costas tenha a indisfarçável marca da aplicação seletiva da lei, ditada por conveniências políticas.
A defesa jurídica do PT alegava que o único delito perpetrado pelo partido e seus integrantes foi o do financiamento de campanhas políticas. Ocorrera “somente”, segundo seus advogados e o discurso do partido, o famigerado caixa dois eleitoral. Alegação compreensível, em termos de estratégia jurídica, já que se trata de conduta punida de forma mais branda e limitada. Mas o caixa dois eleitoral nunca é algo brando e limitado, mas a ponta do iceberg de toda uma dinâmica de circulação ilegal e imoral de dinheiro no sistema político – é a face visível e uma das portas principais de entrada desse esquema absolutamente nefasto em termos de qualidade democrática.
A democracia de massas e a expansão quantitativa e qualitativa do conhecimento técnico, do sistema financeiro mundial e dos meios de comunicação têm feito da política uma atividade cada vez mais cara. Por uma questão de sobrevivência os partidos e políticos necessitam de dinheiro, especialmente para campanhas políticas (nas quais a propaganda e o marketing funcionam, tanto mais quanto menor for o grau de cultura geral e de cultura política de uma sociedade), mas também para assessorias, consultorias, estudos, pesquisas, etc. Quem oferece a maior parte desses recursos é o grande capital, especialmente o financeiro – não de graça, é claro. Esse é um sério problema estrutural, e não só da política brasileira. Basta ver os escândalos que, na Europa, atingiram partidos tanto de esquerda como de direita, e políticos da importância de Felipe González, Willy Claes, Bettino Craxi, Alain Juppé, Edith Cresson, Jacques Chirac, Helmut Kohl, entre outros, tendo como pano de fundo as relações entre a política e o dinheiro, geralmente envolvendo o financiamento de campanhas eleitorais.
Se o Judiciário brasileiro passar a usar, nos casos presentes e futuros de corrupção, a mesma régua, os mesmos parâmetros que usou para condenar os acusados na Ação Penal 470, o país terá de construir mais prisões para albergar os milhares de políticos, administradores e empresários sentenciados. Como afirmou Boaventura Santos, a impunidade e a falta de limites para o crime organizado e o crime político ameaçam a estrutura política de uma nação, mas “o mesmo pode ocorrer se a punição dessa criminalidade, pela sua sistematicidade e dureza, cortar as ligações do sistema político com tal tipo de criminalidade no caso de tais ligações serem vitais para a reprodução do sistema político”. Ilícitos políticos como as doações eleitorais “por fora” e a circulação ilegal de dinheiro no sistema político têm sido vitais para a reprodução deste, aqui e alhures. A grande e urgente questão estrutural é cortar ou ao menos diminuir tais ligações.
Controle público No Brasil, com o incremento dos sistemas e instituições de controle público como a Receita Federal, a Polícia Federal, o Ministério Público, os Tribunais de Contas, a Controladoria da União, as CPIs etc., vários escândalos de corrupção têm sido denunciados e apurados, mas poucos resultaram em condenações judiciais. As operações Satiagraha e Castelo de Areia, da Polícia Federal, foram boicotadas e impedidas política e judicialmente, CPIs que envolviam corrupção de forças políticas diversas, como a do Banestado, foram arquivadas, e o processo que investiga o envolvimento de políticos do PSDB mineiro em esquema de corrupção semelhante ao que condenou políticos do PT, inclusive com o mesmo “operador”, Marcos Valério, caminha a passos lentos no Supremo, embora a denúncia seja anterior.
Para esses casos tem prevalecido o excesso de formalismo legal e a parca e fragmentada cobertura da mídia. Mídia que mal informa a população sobre o projeto de lei que visa fazer com que as empresas denunciadas por corrupção sejam julgadas com base na responsabilidade objetiva e não mais subjetiva – graças a esta última, as empresas denunciadas sempre alegam que seus empregados agem por conta própria, sem conhecimento da direção. Caso vingue a responsabilidade objetiva poderão ser condenadas, assim como seus dirigentes, se provado que a empresa se beneficiou do ilícito. Mas a opinião pública, em geral, pensa que a corrupção é um problema somente do Estado ou dos “políticos ladrões”. Sim, há muitos deles, mas a questão é mais complexa.
Complexidade que a cultura geral e política da sociedade não está preparada para perceber e que a mídia, salvo exceções, não apresenta. É mais fácil apresentar e perceber o problema da corrupção pela ótica subjetiva e simplificadora da má índole dos políticos. É o discurso da mídia brasileira, que extrapolou sua tradicional e crucial função de formadora da opinião pública para se alçar à condição de “justiceira”, no vácuo da ineficiência da Justiça e da segurança pública no Brasil.
A mídia, porém, não tem os meios e a legitimidade institucional para isso. Primeiro porque falta a referência legal suficiente para, ao mesmo tempo, garantir e limitar o direito de expressão e informação, como acontece com todo direito constante de um ordenamento legal democrático, que não comporta direitos absolutos, mas sempre relativos e limitados uns pelos outros. Afirmar que o direito de expressão é absoluto, e que o Estado não deve regulá-lo – incluindo nessa regulação o estímulo à desconcentração dos grupos midiáticos em prol da pluralidade da opinião pública – é de um liberalismo tão extremo que chega a ser antidemocrático. Segundo, porque não tem a neutralidade política necessária para essa tarefa, apresentando, muitas vezes, os escândalos políticos que lhe convêm e na medida que lhe interessam. E finalmente porque, ao simplificar e subjetivar as causas da corrupção, escamoteia o principal problema subjacente a ela: o fato de que ela expressa uma perversão maior que é a privatização do Estado brasileiro pelo grande capital. Privatização que se manifesta em nossa injustiça tributária, que taxa o consumo e a renda dos pobres e da classe média e alivia a grande propriedade e o grande capital; na hegemonia financeira que abocanha quase metade do orçamento público; na degeneração da representação política pela força do dinheiro.
Combater a corrupção é necessário, porém mais importante é combater a privatização do Estado. Para isso, a agenda é extensa e difícil: redimensionar o formalismo jurídico para que a Justiça seja mais eficiente mas sem deixar os cidadãos à mercê do voluntarismo judicial; reformar o papel da imprensa, retirando-lhe o papel de “justiceira” guiada por interesses próprios e recolocando-a em sua função de formadora de uma opinião pública necessariamente plural; e, finalmente, desprivatizar o Estado brasileiro. Enquanto tais providências não sejam encaminhadas continuará a vigorar no Brasil a conveniência do “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”.
Rubens Goyatá Campante é doutor em ciência política pela UFMG e pesquisador da Escola Judicial do TRT- MG.
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