sábado, 15 de dezembro de 2012

Antropólogo investiga 'fraude do século'


Britânico especialista em evolução humana anuncia esforço para entender origem do chamado homem de Piltdown
Anunciado há cem anos como elo perdido, fóssil era falsificação; grupo agora quer identificar fraudador, ainda ignoto
REINALDO JOSÉ LOPESFOLHA DE SÃO PAULO EDITOR DE “CIÊNCIAS+SAÚDE”Cem anos depois que o público britânico foi engambelado pela apresentação do mais famoso fóssil falso de todos os tempos, um grupo de cientistas quer descobrir, de uma vez por todas, os responsáveis pela fraude.
O fóssil em questão é o "homem de Piltdown", saudado em 1912 como o elo perdido por excelência -embora não passasse, na verdade, de uma mistura mal-ajambrada de ossos de humanos modernos e orangotangos.
Demorou 40 anos para que a fraude de Piltdown ficasse clara, e há uma lista dos principais suspeitos de terem perpetrado a farsa, mas ainda não dá para apontar um culpado com razoável grau de certeza. E é aí que entram Chris Stringer e seus colegas.
Stringer, pesquisador do Museu de História Natural de Londres e um dos principais especialistas em evolução humana do mundo, apresentou seu plano de investigação em artigo na última edição da revista científica "Nature".
Junto com outros 15 colegas do museu e de várias universidades britânicas, ele está usando uma série de técnicas modernas -análises químicas e de DNA, testes de carbono-14 etc.- para determinar com precisão a idade verdadeira e a origem geográfica dos fósseis forjados.
Mais importante ainda, Stringer e companhia querem saber quais métodos foram usados para envelhecer artificialmente os ossos, o que permitiu que muitos cientistas sérios da época engolissem a fraude de Piltdown.
LISTA DE SUSPEITOS
Segundo Stringer, justamente a metodologia de falsificação é que pode ajudar a equipe de "detetives" a distinguir entre os principais suspeitos da fraude.
O que ocorre é que três escavações, em dois sítios diferentes, foram responsáveis por trazer à tona os restos do homem de Piltdown.
Na primeira, a equipe liderada pelo caçador de fósseis amador Charles Dawson e pelo paleontólogo Arthur Smith Woodward achou uma mandíbula e fragmentos de um crânio, junto com ferramentas de pedra.
Na segunda escavação, vieram à tona um canino e, o que hoje parece mais ridículo, um pedaço de osso de elefante com um formato que lembrava um taco de críquete.
Finalmente, Dawson alegou ter achado mais fósseis num segundo sítio, a alguns quilômetros do primeiro.
Para Stringer, se o método de falsificação for igual para os dois sítios, isso provavelmente significa que Dawson era o mentor da fraude, porque só ele chegou a trabalhar em ambas as localidades.
Por outro lado, se o canino da segunda escavação apresentar origem diferente ou "tratamento" distinto dos outros fósseis, isso incriminaria o responsável por encontrar esse dente, alguém que se tornaria famoso: o jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin, que depois tentou uma junção entre a doutrina cristã e a teoria da evolução.
Também pode ser que o mais absurdo dos "achados" -o tal taco de críquete- tenha sido plantado por alguém que estava tentando deixar claro para o público que era tudo mentira.
Para Stringer, desvendar a autoria da fraude ajudará a entender as motivações do farsante e da má conduta científica de maneira geral.
Tudo indica que, se Dawson foi o responsável, ele estava simplesmente atrás de reconhecimento e prestígio.
Por outro lado, o falsário pode ter sido motivado pelo desejo de mostrar que o Reino Unido era o berço da humanidade. Ironicamente, a fraude atrasou o reconhecimento de um fóssil genuinamente espetacular, o Australopithecus africanus, achado na África do Sul e, por isso, "discriminado".

    FRASE
    "Seja lá quem tenha sido o responsável, a fraude de Piltdown é um lembrete claro de que, na ciência, se algo parece bom demais para ser verdade, é bom desconfiar. A fama do fóssil atrasou os estudos sobre evolução humana"
    CHRIS STRINGER
    especialista em origens humanas do Museu de História Natural de Londres

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