terça-feira, 11 de dezembro de 2012
Duas poetas - Maria Esther Maciel
Duas poetas
Maria Esther Maciel memaciel.em@gmail.com
Publicação: 11/12/2012 04:00
Zulmira é paulista e já completou 82 anos. Ana é mineira, de Belo Horizonte, e só tem 35. Ambas lançaram livros de poesia pela Companhia das Letras no ano passado, e com eles foram finalistas de prêmios importantes em 2012. À primeira vista, a diferença entre Vesuvio, de Zulmira Ribeiro Tavares, e Da arte das armadilhas, de Ana Martins Marques, é a cor das capas: uma é vermelha, a outra é amarela. Quanto ao projeto gráfico, os livros se assemelham, assim como na extensão: eles têm quase o mesmo número de páginas. Os estilos de escrita das duas autoras, entretanto, são bem diferentes: cada uma imprime em sua obra uma beleza particular, inconfundível. E digo que seus livros foram as melhores surpresas no campo da poesia que tive recentemente.
Embora tenha escrito poemas no início de sua trajetória, Zulmira sempre foi mais conhecida e reconhecida como romancista. Uma romancista formidável, diga-se de passagem. Seu romance Joias de família, de 1990, é uma das preciosidades da ficção brasileira do final do século 20. Ela publicou também outros ótimos romances, como O nome do bispo e Café pequeno, além do livro de contos Cortejo em abril. Agora retorna à ativa com a poesia de Vesuvio, obra em que explora o lado estranho da vida, valendo-se de variados formatos de texto, alguns próximos da prosa. A ironia sutil atravessa todo o livro, à qual se alia um lirismo que a própria autora chama de “canhoto” e que poderíamos chamar de insólito. Na poesia de Zulmira, o mundo aparece como grande teatro, uma grande instalação, em que as noções de verdadeiro e falso se confundem. Como diz no poema “Aberto à visitação”: “O globo terrestre se oferece em espetáculo / Quando acabar o espetáculo, acaba o mundo.” Nesse mundo, a vida não tem agenda própria. E, por isso mesmo, segundo a poeta, é intrigante.
Ana Marques Martins, por sua vez, publicou seu primeiro livro – o belo A vida submarina – em 2009, pela editora Scriptum. Desde então, tornou-se uma das vozes mais originais e promissoras da poesia brasileira atual. Tanto, que foi convidada pela própria Companhia das Letras a integrar o selecionado rol de poetas da editora. A partir daí, teve poemas publicados em revistas e jornais brasileiros de prestígio, revelando-se uma poeta cada vez mais instigante, que sabe aliar simplicidade, frescor, apuro formal e inventividade para capturar aquilo que se esconde (e se revela) nas dobras do cotidiano mais banal. Ana consegue, pela força da linguagem, dar vida às coisas – sejam estas um espelho, um capacho, uma cortina, uma cômoda ou um açucareiro. Fala de amor e de poemas de amor, de forma imprevisível. Cria imagens vivas, explora sensorialmente a realidade. Cada poema seu é uma surpresa para o leitor. Mesmo quando ela se vale de um jogo simples de palavras, consegue ser ímpar, como em “Caçada”: “E o que é o amor / senão a pressa / da presa / em prender-se? / A pressa / da presa / em / perder-se.”
Ana Martins Marques e Zulmira Ribeiro Tavares são, sem dúvida, exemplos do que há de melhor em duas gerações distintas da poesia brasileira contemporânea. Cada uma relê, à sua maneira, o espetáculo do mundo e da vida, fazendo da poesia uma via de acesso ao lado incomum das coisas comuns.
Estado de Minas, 11/12/2012
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