folha de são paulo
QUESTÕES DE ORDEM
MARCELO COELHO - coelhofsp@uol.com.br
Bom-senso
Diz o preceito popular que direito é bom-senso; para Marco Aurélio, ao menos desta vez, os dois coincidiram
FOI POR pouco. Na verdade, falta ainda o voto de Celso de Mello para que os parlamentares condenados no mensalão percam seu mandato. Pelo que ele já disse na sessão de ontem do Supremo, entretanto, não há maiores dúvidas quanto ao placar final.Por 5 a 4, João Paulo Cunha, Valdemar da Costa Neto e Pedro Henry perdem seus lugares na Câmara dos Deputados. O voto decisivo nesse sentido veio de Marco Aurélio Mello, que fez bastante suspense.
Diz o preceito popular, começou ele, que direito é bom-senso. Mas o papel do juiz não é ser guardião do bom-senso, acrescentou Marco Aurélio, suscitando em quem o assistia a expectativa de que algum grave absurdo viria a seguir.
Ao contrário, o longo voto de Marco Aurélio foi esclarecedor. Certamente, seria preciso levar em conta o princípio da independência dos Poderes; não cabe ao Judiciário interferir sobre decisões do Congresso.
No artigo 55 da Carta, existe a exigência de votação secreta na Câmara para cassar um deputado. Existe também a hipótese de decisão simples da Mesa diretora, quando por exemplo o parlamentar falta a um número determinado de sessões.
Cassa-se sem intervenção do plenário o deputado faltoso, e não se cassa o mandato de quem foi condenado por corrupção ou peculato?
Seria necessário preservar a "inteligência interpretativa" na análise da Constituição.
Nem mesmo o cargo de presidente da República, disse Marco Aurélio, desfruta dos privilégios de que se cogitava conceder a João Paulo Cunha e aos demais. Um presidente pode ser condenado pelo STF, e preso, sem que o Congresso tenha o direito de "rever politicamente" a sentença.
A votação da perda de mandato deve ser entendida, e nisso vários ministros concordaram, como uma circunstância especial. Quando o parlamentar é condenado por algum crime de menor relevo, como os de trânsito, mesmo sem perder o cargo ele pode ter o seu caso examinado em plenário, advindo daí uma cassação.
No exame da cassação, aliás, está previsto o "direito de ampla defesa". Como assim? Os fatos já não foram julgados? O Supremo estaria, no raciocínio de Marco Aurélio, como que convidando a Câmara a reabrir o julgamento...
Como imaginar, disse Gilmar Mendes num momento de ênfase, que um parlamentar possa manter seu cargo atrás das grades? A liberdade de movimentos é inerente ao posto.
Ricardo Lewandowski argumentou no sentido inverso. A perda de direitos políticos ocorre enquanto durar a sentença. Imagine-se um senador, eleito para oito anos de mandato, e condenado a quatro. Pode, em tese, licenciar-se do cargo, e voltar depois de cumprida a pena...
Pois no mandato, disse Rosa Weber num voto substancioso e respeitável, o que existe não é apenas o direito individual do parlamentar. É preciso considerar também o direito de quem o elegeu. Não se trata de proteger o deputado, mas a vontade do eleitor.
Não que Rosa Weber ou Lewandowski achassem desejável que os condenados continuem com seus cargos. Queriam apenas que o Judiciário não ultrapassasse suas funções constitucionais.
Mas o direito, pelo menos desta vez, coincide com o bom-senso, disse Marco Aurélio ao terminar o voto; se a condenação no Supremo serve para destituir um presidente, serve para destituir um parlamentar.
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