Levantamento inédito feito pelo Estado de
Minas mapeia as cidades onde os índices de violência escolar são mais
elevados e põem em risco a segurança de alunos e professores
Mateus Parreiras
Estado de Minas: 15/04/2013
Lições de matemática e português eram
ensinadas quando a voz dos professores foi abafada por estampidos de
tiros na porta da escola. “Os meninos começaram a berrar e a correr
assustados para todos os lados”, lembra Ana Rosa, secretária de uma
instituição de ensino estadual de Patos de Minas, no Alto Paranaíba. A
mulher teve de ser corajosa. Correu pelos corredores, entre meninos e
meninas de mochilas nas costas, até poder fechar a porta do colégio.
“Quando estoura um tiroteio desses na rua, a gente tranca as portas,
segura os alunos e torce para ninguém se machucar”, desabafa a
secretária, que por motivo de segurança pediu para usar um nome
fictício. O clima de tensão e violência não é realidade apenas desse
colégio, uma vez que Patos de Minas é o município com mais ocorrências
de crimes em que a referência é a escola, por alunos, entre as 29
cidades com mais de 100 mil habitantes do estado. Cruzando as
ocorrências da Polícia Militar registradas dentro e nos arredores de
instituições das redes particular, municipal, estadual e federal em
2011, com o número de estudantes de cada cidade, segundo dados oficiais
do Censo Escolar elaborado pelo Ministério da Educação, o Estado de
Minas fez um mapeamento inédito dos municípios onde há mais violência no
meio escolar. A PM não informou o número de ocorrências em escolas no
último ano.
As escolas de Patos de Minas apresentaram a pior
taxa, de 267,2 ocorrências para cada grupo de 100 mil estudantes. Índice
48% maior que o segundo lugar no ranking, Juiz de Fora, na Zona da
Mata, com 180,4 ocorrências por grupo de 100 mil alunos. Nesse contexto,
a escola de Ana Rosa é emblemática. Como num cartão de apresentação, os
muros da instituição exibem pichações com assinaturas de gangues. Em
março, duas alunas de 15 anos foram repreendidas por fumar maconha em
sala. Em vez de temer ações disciplinares, as adolescentes ameaçaram
professores e diretores, indo parar na delegacia. “Quando é assim, a
gente chama a polícia. Mas precisávamos que uma patrulha ficasse aqui na
porta 24 horas por dia. Estamos numa área de risco, com muito tráfico e
rixas de gangues”, disse a secretária. “Isso tudo afeta a escola. O
ideal era a família estar por perto, mas quando a gente chama os pais,
eles dizem que não virão, que não querem saber, ou então espancam os
meninos, gerando ainda mais revolta neles”.
Em 2011 foram 1.363
ocorrências nas escolas desses 29 municípios, um número 3,9% menor que
no ano anterior, quando houve 1.417, mas 53,3% superior aos registros de
2009, que somaram 889 queixas. A PM computou ainda 280 crimes violentos
contra estudantes, professores e funcionários, chegando a 20,5% do
total. Foram 127 registros de agressões, 72 de lesões corporais, 15 de
roubos, três estupros e atentados violentos ao pudor, um assédio sexual,
um homicídio e 61 que constaram como “outras infrações contra a
pessoa”. Os furtos foram as ocorrências que mais apareceram nas
instituições de ensino mineiras, com 393 registros, correspondendo a 29%
do volume total de 2011. Em muitos locais os alunos desafiam a
autoridade policial por meio de pichações. Como na Escola Estadual Júlia
Lopes de Almeida, no Bairro Saudade, Região Leste de BH, onde frases
pichadas com spray preto insultam a PM. As telhas que cobrem o muro
estão todas quebradas, segundo moradores e estudantes, por causa de
gente que pula por aquele local para entrar ou fugir.
PORTAS FECHADAS
Em Patos de Minas, das 86 ocorrências registradas, 15 foram furtos
(17%), que naquela cidade praticamente se igualam aos 14 (16%) registros
de lesão corporal. De acordo com o tenente Diomásio Júnior Caetano,
assessor de comunicação do 15º Batalhão da PM de Patos de Minas, a
corporação percebeu esses índices e tomou atitudes. “No caso dos furtos,
orientamos as escolas a manter fechadas as portas da secretaria e da
diretoria, e a fazer também bicicletários para os alunos”, disse. Com
relação às agressões que resultaram em ocorrências por lesão corporal, a
tática é prevenir. “Fazemos programas de interação com as comunidades
em áreas de risco, buscando mostrar aos meninos e meninas que não é com
violência que se resolvem os problemas banais. Temos também um programa
de práticas esportivas para esse público, que concentra os agressores
mais comuns e as maiores vítimas”, disse.
Já em Juiz de Fora, que
detém a segunda maior taxa de ocorrências por estudantes, os furtos se
destacam com 72 (33%) registros entre os 216 anotados em 2011. Completam
a relação de atos de violência 35 ameaças (16%), 15 danos às
instituições (7%), 13 atritos verbais (6%) e 13 lesões corporais (6%).
Na cidade, no fim do ano passado, uma briga entre alunos chamou a
atenção quando a diretoria de uma escola municipal precisou chamar a
polícia para conter um estudante de 11 anos. De acordo com a
instituição, o garoto agrediu colegas e funcionários e por isso foi
necessário pedir a presença da PM. A mãe do menino, uma faxineira de 43
anos, se disse revoltada com a atitude da escola. “Tem cabimento uma
diretora chamar a polícia para uma criança de 11 anos de idade?”,
indagou. A diretora rebateu as acusações. “A escola não é depósito de
crianças e as famílias têm se omitido de suas responsabilidades com elas
(os alunos)”, afirmou.
A PM de Juiz de For a, por meio de sua
assessoria de imprensa, discordou dos números apresentados, argumentando
que nem todas as ocorrências constantes do levantamento obtido pelo EM
ocorreram no ambiente escolar. A instituição informou que dentro dos
estabelecimentos houve 195 ocorrências (21 a menos) em 2011, e que o
número teria caído para 138 no ano passado.
Vidas em risco na capital
BH não lidera lista de cidades mineiras
com maior índice de ocorrências policiais no ambiente escolar, mas é a
campeã quando se calcula o número de crimes violentos
Mateus Parreiras
Belo
Horizonte concentra 32% do total de ocorrências em ambiente escolar
entre os 29 municípios mineiros com mais de 100 mil habitantes, segundo o
levantamento sobre a violência feito pelo Estado de Minas. Dos 1.363
registros nessas cidades em 2011, 438 têm como referência escolas da
capital. No entanto, quando se divide o número de ocorrências pelo
número de estudantes, BH apresenta apenas a décima pior taxa de
registros policiais, com 77,75 ocorrências para cada grupo de 100 mil
alunos. Entretanto, os números de crimes de maior potencial ofensivo nas
escolas de BH são preocupantes. Em 2011, foram computados pela polícia
96 crimes violentos contra professores, estudantes e funcionários, o que
corresponde a 22% do total – um percentual superior à média das demais
cidades incluídas no ranking, 20,5%. Foram 32 registros de agressão, 15
de lesão corporal, 9 de roubo, um estupro e 39 incluídos na categoria
“outras infrações contra a pessoa”. Houve também três registros de
porte ilegal de armas de fogo, sete de tráfico de drogas, 10 pichações e
11 de pessoas usando drogas.
Na Escola Estadual Coração
Eucarístico, no Bairro Vera Cruz, na Região Leste de BH), as pichações
não são apenas na área externa. Tomam também quase todo o pequeno
corredor de entrada. Para fazer prova, na sexta-feira, os alunos tinham
de bater num portão de ferro desse cubículo, se identificar por uma
pequena abertura quadrada, onde o porteiro reconhecia quem podia entrar.
“Isso é para não entrar bandidos”, disse um dos estudantes, que não
quis se identificar.
Outro dado interessante com relação às
ocorrências no ambiente escolar em Belo Horizonte é o alto índice de
registros envolvendo estabelecimentos particulares de ensino. Enquanto
nas cidades do interior essa taxa é quase irrisória, na capital
ocorrências em escolas privadas chegam a representar 29% do total das
estatísticas da Polícia Militar, com 126 casos, contra 158 (36%) nas
instituições estaduais, 139 (32%) nas municipais e 15 (3%) nas federais.
O pior é que esses números podem ser maiores, pois há o risco de serem
subnotificados.
“A violência está presente nas escolas
particulares, mas muitas instituições não desejam a divulgação, o
envolvimento da polícia, e por isso tudo acaba resolvido internamente”,
afirma a doutora em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) Jussara Bueno de Queiroz Pascolaino. A especialista é autora de
uma dissertação sobre o impacto da violência nos professores. “Agressões
e falta de respeito na sala de aula quebram o ciclo necessário para o
aprendizado. Os professores sofrem mental e fisicamente, os alunos
perdem o interesse pelos estudos”, avalia Pascoalino.
Para o
presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais, deputado Duarte Bechir (PSD), cerca de 60%
das ocorrências poderiam ser resolvidas com ações nas famílias. “O que
se pôde perceber nos municípios do interior é que os alunos já chegam
às escolas numa situação de abandono ou de fragilidade familiar. Por
isso há não apenas a violência, mas a falta de interesse e de vocação de
aprender”, disse. A situação é delicada, mas não é desesperadora, de
acordo com o parlamentar, que sugere a implantação de departamentos de
psicologia nas unidades de ensino. “Tivemos experiências em cidades como
Campo Belo, onde a escola, por meio do psicólogo, pôde detectar as
fragilidades da família e tentar uma solução para integrar o aluno ao
ensino”, afirma.
AÇÕES PREVENTIVAS O
tenente-coronel Alberto Luiz Alves, chefe da Assessoria de Comunicação
Organizacional da PM, diz que o grande número de ocorrências mostra a
presença da corporação no ambiente escolar. “Os registros não significam
necessariamente violência, mas que a polícia esteve no local e
registrou o fato ou agiu preventivamente”, afirma. Segundo o militar, há
planos de ampliar as ações de integradas com a Secretaria Estadual de
Educação. No último ano, os projetos de combate à violência no ambiente
escolar atenderam 3.378 instituições de ensino e 255.519 estudantes.
“Queremos ampliar essas ações de conscientização e preventivas,
principalmente o programa Jovens Construindo a Cidadania (JCC), que
atende também alunos dos turnos noturnos. Além disso, temos 400
policiais só para a prevenção escolar”, informou o policial.
A
secretária adjunta de Estado da Educação, Sueli Pires, prefere não
caracterizar as escolas como seguras ou inseguras. “Temos fatores
inesperados que ocorrem, não dá para dizer que estamos 100% preparados,
mas o que nos é pedido, como câmeras para prevenção, isso conseguimos
sempre para as escolas”, informou. De acordo com ela, o planejamento
escolar funciona em rede, integrado à Defensoria Pública, Assembleia
Legislativa, Ministério Público, conselhos tutelares, secretarias e
forças de segurança pública. “Temos aperfeiçoado gestores e educadores
em escolas de alta vulnerabilidade. Só na semana passada foram
capacitados mais 600. Na maioria dos casos a violência ocorre fora das
escolas, mas afeta a vida dos alunos e os processos pedagógicos. Por
isso temos de estar preparados”.
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