Revista Veja - 15/04/2013
Quando se fala em educação, logo se pensa em professores e alunos. Cada
vez há mais indícios, porém, de que esse foco na sala de aula é o ípico
caso em que não conseguimos ver a floresta por estarmos tão preocupados
com as árvores. Salas de aula não flutuam por aí, afinal: o locus do
ensino é a escola, uma organização bastante complexa. que precisa reter
bons profissionais, interessar e estimular alunos e agradar a pais e
líderes políticos. Quem rege essa orquestra toda é o diretor escolar.
Sabemos relativamente pouco sobre ele. Alguns estudos mostram que a
maneira como um diretor chega ao cargo é importante: escolas que têm
diretor escolhido por processos que envolvem provas seguidas de
eleições, ou pelo menos via eleição, têm alunos que aprendem mais do que
aquelas em que o diretor é fruto de indicação política. Como costuma
acontecer no Brasil, privilegiamos o caminho errado: os últimos dados
mostram que 46% dos diretores de nossas escolas chegaram ao posto por
indicação de alguém.
Outro erro que cometemos é imaginar que o
diretor é um mero burocrata responsável por administrar as instalações
físicas da escola e passar um corretivo nos baderneiros. O bom diretor,
porém, faz bem mais do que isso. No livro Organizing Schools for
Improvemem. os autores definem bem as quatro áreas que o gestor escolar
deve dominar: capacitação dos professores, criação de um clima propício
ao aprendizado, envolvimento com a família e ensino ambicioso, visando
ao ingresso na universidade.
Alguns desses quesitos são difíceis
de medir e quantificar. O trabalho de um bom diretor é indireto: assim
como se nota o trabalho de um bom técnico pelo desempenho de seus
jogadores, a virtuosidade de um diretor se manifesta pelo trabalho de
seus professores. Um bom diretor consegue criar um clima ordeiro e
organizado, em que alunos e professores podem dar o seu melhor com o
mínimo de interrupções. Pesquisas demonstram que alunos aprendem mais
naquelas escolas em que há um clima positivo e onde os professores
reconhecem a liderança do seu diretor. Pesquisas intema-cionais (todas
disponíveis em twitter.com/gioschpe) comprovam que, quando o diretor tem
poder para contratar e demitir professores, os alunos têm desempenho
melhor. Outra pesquisa mostra que os diretores têm boa capacidade para
prever, antes da contratação, quais serão os professores excelentes e
quais os ruins. Faria sentido, portanto, mudar o processo de seleção de
professores, que hoje se resume a um concurso público que avalia quase
tudo — menos a capacidade do sujeito de ensinar um determinado conteúdo
—, para um processo que envolva uma entrevista com os bons diretores
escolares.
O bom diretor escolar é um líder pedagógico, além de
ser um bom gestor. Nas escolas de primeiras séries, há evidências de que
o conhecimento do diretor sobre as matérias ensinadas e sua intervenção
nas práticas dos professores — especialmente aqueles com dificuldades —
melhoram o desempenho dos alunos. Nos anos mais avançados, é impossível
para um diretor dominar todas as áreas, de forma que seu impacto
precisa ser indireto, mas não por isso ele é menos importante. Pesquisas
sugerem, por exemplo, que em aulas de linguagem uma estratégia em que
os alunos se engajam através de questionamentos e uma postura interativa
facilita o aprendizado, enquanto em aulas de matemática ocorre o
oposto: estratégias em que o professor passa mais tempo explicando
conceitos, formalizando o conhecimento, têm melhores resultados. O mau
diretor acha que cada professor deve fazer o que bem entender. O bom
diretor julga que todos precisam de orientação e que a escola deve ter
um padrão. Por isso é que normalmente não se veem escolas com resultados
muito díspares entre séries ou disciplinas. Ainda faltam pesquisas para
esmiuçar esse fenômeno, mas em minhas andanças por escolas Brasil afora
ficam claros dois fatores. Primeiro, os semelhantes se atraem:
professor descompromissado procura escola de diretor idem, e bons
diretores fazem o possível para afastar os maus professores e atrair os
bons. Uma diretora arretada de escola pública de Fortaleza me contou que
uma de suas professoras tirava ücença médica atrás de licença médica.
Ela também trabalhava em uma escola particular, só que a essa comparecia
sempre. Quando a professora estava de licença, a diretora ligava para a
escola particular e descobria se ela estava trabalhando. Depois de
alguns meses em que teve seu comportamento desmascarado, a professora
malandra pediu para sair. O segundo mecanismo é através do exemplo.
Quando um professor sabe que seu diretor está batalhando e que vai
cobrá-lo, isso é motivador. E vice-versa: visitei uma escola em Goiânia
em que a diretora resolveu afrouxar as cobranças sobre alunos e
professores porque queria se candidatar a vereadora e não convinha
antagonizar ninguém. Os professores ficaram tão desmotivados, e trataram
seus alunos com tanta indiferença, que logo a escola saiu do controle:
os alunos, enraivecidos, começaram até a riscar o carro de professores.
Outra marca do bom gestor escolar é a relação com a comunidade. Em
linhas gerais, os bons diretores atraem os pais, trazendo-os para peno
da escola. Só assim um pai ou mãe poderá monitorar, cobrar e ajudar os
filhos. Os maus gestores só se lembram de que os pais existem quando
precisam culpar alguém pelo insucesso da escola. Eles costumam tratar os
pais com menosprezo e distância: para um pai marcar uma reunião com um
diretor desses, é missão impossível. Bem diferente de uma marca
freqüente do bom diretor: ele espera pais e alunos no portão da escola,
todos os dias, na entrada e na saída. É uma oportunidade de estreitar o
contato com os pais. comentar os problemas do dia a dia antes que
cresçam e simplesmente se colocar à disposição de todos.
Ainda
estamos longe de desvendar todos os mistérios da boa gestão escolar, mas
a pesquisa traz três achados encorajadores. O primeiro é que, no
Brasil, onde a bagunça administrativa é generalizada, iniciativas muito
simples para pôr a casa em ordem têm efeito significativo. Um programa
de intervenção na gestão das escolas estaduais de São Paulo que se
encontravam entre as 5% piores trouxe melhoras no aprendizado dos alunos
de até incríveis 40%. Resultados que vêm com medidas simples como
oferecer mais aulas de reforço, coibir faltas de professores e passar
mais tempo visitando e acompanhando as salas de aula. O segundo é que o
salário do diretor está diretamente relacionado com o aprendizado dos
alunos, ao contrário do salário dos professores. É bem mais barato e
eficaz mexer no salário de diretores (menos de 200.000 pessoas) do que
no de professores e funcionários (mais de 5 milhões). Terceiro, o
impacto da gestão escolar é enorme: pesquisas americanas sugerem que um
quarto da disparidade de desempenho entre escolas é diretamente
atribuível a diferenças de gestão. Depois das ações dos professores em
sala de aula (que respondem por um terço), esse é o quesito mais
importante na determinação do sucesso acadêmico dos alunos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário