Os regimes sul-americanos mais identificados com as aspirações das massas têm piores índices econômicos
"O Brasil vai bem, mas o povo vai mal", a frase com que o general Médici definiu o milagre econômico brasileiro, foi pronunciada quando o PIB chegava a crescer 14% ao ano em meio a aumento da desigualdade. Hoje, fica-se tentado a dizer que o povo vai melhor, enquanto vão mal o Brasil, a Argentina, a Venezuela.
Sucede que esses países são justamente os que se definem pela prioridade de redistribuir e transferir renda. Haveria relação de causa e efeito entre redistribuição e queda do crescimento? Seria incompatível manter pleno emprego e inflação baixa, melhoras salariais e avanços em competitividade?
Há uma coincidência perturbadora: os três regimes sul-americanos que melhor se identificaram às aspirações de melhoria de vida e dignidade das massas das periferias ostentam os piores indicadores econômicos da região. Em todos, o panorama se caracteriza por inflação em alta, crescimento em baixa, deterioração da posição fiscal e das contas externas, competitividade precária. Em compensação, seus índices sociais são tão favoráveis que até agora lhes vêm garantindo elevado apoio eleitoral, apesar da mediocridade da economia.
Trata-se de mera coincidência ou uma coisa seria consequência da outra? Trágico seria se assim fosse. Não se justifica, porém, atribuir as falhas dessas economias às conquistas sociais. Não só porque Bolívia e Equador, de semelhante orientação social, conseguem números econômicos razoáveis. Ademais, Chile e Peru, menos ideológicos, também dependentes de commodities, combinam os resultados econômicos mais brilhantes do continente com avanços sociais comparáveis aos distributivistas.
O desempenho insatisfatório dos maiores parece derivar, portanto, não de um compromisso maior com as causas populares, mas de defeitos no desenho e na execução de políticas públicas que se estendem além das estritamente econômicas.
No Brasil, é o que se vê no vasto cemitério de desgoverno que vai da proliferação de ministérios ao atraso de obras bilionárias, da crise do programa do etanol ao retrocesso na matriz energética, da politização e corrupção das agências reguladoras à inexplicável obsessão do trem-bala. Como o dinheiro do trem aliviaria muito mais o sofrimento dos trabalhadores se aplicado em metrô e trens urbanos, o exemplo revela que a preocupação social está longe de ser decisiva.
Esses governos erram pelos motivos usuais: incompetência, idiossincrasias e caprichos de dirigentes, excessiva indulgência com fisiologismo político, corrupção. Desculpá-los com nobres motivações sociais e ideológicas equivale a afirmar que o preço do combate à desigualdade e à pobreza passa pelo desgoverno e pelo desperdício. E constitui, no fundo, um desserviço a esses mesmos regimes.
Com efeito, eles só se salvarão se corrigirem suas políticas e voltarem a crescer, a fim de assegurar a sustentabilidade dos avanços sociais.
Do contrário, a combinação dos maus resultados econômicos com a saída de cena de Nestor Kirchner, Hugo Chávez e Lula cedo ou tarde encerrará mais um ciclo desapontador na história das frustrações sul-americanas.
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