Pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias,
em Belo Horizonte, desenvolvem tecnologia para identificar tipos de
carne presentes em alimentos processados, usando anticorpos dos animais
Humberto Siqueira
Estado e Minas: 15/04/2013
Diante da maior consciência alimentar nos
dias atuais, a ideia de que somos reflexo do que comemos é cada vez mais
difundida. Parece muito óbvio que as escolhas que fazemos à mesa
influenciarão na nossa saúde. Mas se o consumidor compra gato por lebre,
torna-se vítima de uma fraude. Recentemente a mídia europeia denunciou
que produtos que deveriam ter sido produzidos com carne bovina tiveram
acréscimo de carne de cavalo. A carne de equinos pode ser consumida sem
problemas. Em termos sanitários, ela é considerada até mais segura que a
de boi. Mas os animais precisam ser criados para esse fim.
Foi
pensando em melhorar a identificação das diferentes proteínas de carne
dos animais que pesquisadores mineiros desenvolveram uma metodologia que
permite identificar os tipos de carne presentes em alimentos
processados. De acordo com o biólogo e pesquisador da Diretoria de
Pesquisa da Fundação Ezequiel Dias (Funed), em Belo Horizonte, Luiz
Guilherme Dias Heneine, ao analisar e verificar se há carne de cavalo,
boi, cachorro e porco nos produtos, o teste pode contribuir, por
exemplo, para o controle da vigilância sanitária no país e evitar
misturas impróprias, como ocorreu na Europa.
O estudo teve início
em 2010 e o resultado não poderia ser melhor: a metodologia é capaz de
identificar as proteínas de diferentes espécies. Segundo Heneine, o
exame é baseado numa reação imunológica. “O teste conta com anticorpos
específicos para cada espécie. Só reconhece a carne para a qual foi
feito. Para fazer o anticorpo, inoculam a proteína de um animal em
outro, de espécie diferente. O sistema imunológico reagirá e produzirá o
anticorpo. Daí colhem o sangue e separam os anticorpos”, sintetiza.
O
teste foi aplicado na análise de 30 amostras de carne processada.
Heneine conta que depois de analisar o produto e certificar o que nele
continha, por exemplo, apenas carne bovina, a equipe adicionou a essa
amostra outro tipo de carne animal e refez os testes. “Os resultados
confirmaram a sensibilidade da metodologia que detectou a presença de
mais de um tipo de proteína em 100% das amostras testadas.” O resultado
positivo do teste pode ser conferido a olho nu, com alteração da cor da
carne testada.
Silvana de Vasconcelos Cançado, veterinária e
pesquisadora da Funed e professora do Departamento de Tecnologia e
Inspeção de Produtos de Origem Animal da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), diz que o teste pode ser usado por órgãos reguladores e
empresários no controle de qualidade de produtos industrializados. “A
adulteração de produtos cárneos não apenas constitui fraude econômica,
mas também está relacionada a problemas como tabus religiosos, aversões
de cunho moral ou alergias a espécies particulares de carne. Dessa
maneira, a identificação e a diferenciação de carnes das diferentes
espécies visa, sobretudo, a coibir a possibilidade de fraude e
falsificação, quando a carne da espécie animal anunciada é substituída
por outra”, ressalta.
Segundo Luiz Guilherme, na indústria a
mistura não costuma ser acidental. Mas o empresário que quiser exportar
seus produtos pode usar o exame como uma ferramenta de rastreabilidade
e, desta forma, comprovar que o que ele está entregando é exatamente o
prometido. Ou mesmo para testar lotes de carnes que importou para a
fabricação. Os órgãos reguladores podem usar o teste também para
fiscalizar se os ingredientes citados no rótulo estão de acordo com o
alimento. “Existem misturas autorizadas em certas proporções. O teste
permitirá verificar isso também”, frisa. A pesquisa conta ainda com a
participação do doutorando Guilherme de Araújo Marcondes.
Do ambiente
da cria ao abate
Muitos países consomem carne de cavalo, coelho e até cachorro
regularmente. “O que precisamos saber é se a criação e o abate
obedeceram aos padrões exigidos para que aquela carne possa ser
consumida pelo homem”, afirma a professora Silvana Cançado. Na engorda, é
preciso alguns cuidados com o ambiente e vacinação. Mas eles são ainda
maiores no abate. Segundo Antônio Arantes, médico-veterinário do
Ministério da Agricultura, os cuidados gerais são os mesmos no abate de
qualquer espécie. “A indústria precisa de boa infraestrutura e
maquinários. Os animais chegam, passam por período de descanso e
hidratação. Nessa fase, não são alimentados para não gerar resíduos no
intestino. Os funcionários precisam estar uniformizados, com botas,
calças, jalecos, gorro e luvas. Facas e ganchos precisam ser
higienizados em água a 85 graus. O animal passa pela sangria, em seguida
é retirado o couro ou as penas e, depois, as víceras. Em alguns
animais, a carcaça é separada em duas partes, que vão para a
refrigeração, até chegar à temperatura de 1 grau. Só depois o material é
desossado e feitos os cortes tal como encontramos nos supermercados e
açougues”, detalha Arantes.
Ele explica que, durante esse
processo, o cuidado maior quando se trata de equinos, aves e suínos é
evitar a contaminação da carne com a salmonela e coliformes fecais dos
próprios animais. Com relação aos bovinos, há ainda um cuidado com
micróbios e parasitas. Em especial com a cisticercose, causada pela
ingestão de ovos da Taenia solium, popularmente conhecida como
solitária.
Uma vez no trato digestivo, os ovos desse parasita se
encaminham até a corrente sanguínea, podendo se alojar em músculos,
coluna, olhos e cérebro. Se alojado nesste último, pode causar dor de
cabeça, convulsões, confusão mental e até levar à morte. Se fixar-se na
coluna e região muscular, causa dor e dificuldades de locomoção. Nos
olhos, provoca distúrbios visuais e cegueira.
Consumo impróprio leva a doenças
O
consumo de carne imprópria pode ocasionar ainda doenças diarreicas com
infecções no trato gastrointestinal provocada por bactérias, segundo o
vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, o médico Carlos
Starling. “A toxoplasmose também é uma preocupação. O consumo de carne
mal passada, principalmente de porco e carneiro, pode levar à doença,
que também pode causar lesões oculares, problemas no pulmão, fígado,
coração e cérebro, podendo levar ao óbito”, revela.
Corina
Toscano, diretora da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia
(ASBAI), alerta ainda para as alergias. Segundo ela explica, qualquer
proteína de carne pode causar alergia, embora seja mais comum com
crustáceos. “A alergia à carne de vaca pode coexistir em pessoas com
intolerância ao leite de vaca, por reação cruzada com proteínas do leite
e da carne, mas é rara. A alergia à carne de outros animais, como
frango, porco e outros mamíferos, é incomum, embora grande parte das
pessoas associem manifestações alérgicas com a ingestão de carne de
porco. Isso é um grande mito, pois é raro encontrar alguém com alergia,
de fato, à carne de porco. O mais provável nessas situações é uma grande
liberação de aminas vasoativas (histamina) em pessoas predispostas,
quando ingerem carne de porco, causando aparecimento de manchas e
coceira na pele alguns minutos ou horas depois da ingestão. Mas
chocolate, álcool e alguns corantes também são histaminérgicos”,
esclarece.
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