segunda-feira, 15 de abril de 2013
Eduardo Almeida Reis - Viracento
Estado de Minas - 15/04/2013
Redação do Enem virou piada. É receita de Miojo, é hino do Palmeiras, os meninos são aprovados e há professores que “enchergam” virtudes no conjunto da obra, considerando que os alunos se ativeram ao tema proposto. Nada tenho contra os textos humorísticos, muito antes pelo contrário, aliás. Só acho que certas coisas têm hora e outras não têm cabimento. O Exame Nacional do Ensino Médio é sério, pode ser útil e não combina com o chiste e a chalaça.
Dentro da “filosofia” que pautou a mídia, deixem-me contar do e-mail que recebi de um colega de faculdade, amigo que não vejo há 40 anos. Mandou-me fac-símile da resposta de um aluno à pergunta “04) Qual a função do apóstrofo?”
Na rubrica ortografia, sabemos todos, apóstrofo é sinal diacrítico frequentemente em forma de vírgula voltada para a esquerda, mas também reto, que, alceado a um nível superior ao das letras minúsculas, serve para indicar a supressão de letra(s) e som(ns) (como, por exemplo, mãe-d'água, vozes d'África etc.).
Na rubrica lexicologia/linguística, é o mesmo sinal usado no início e no final de uma palavra, grupo de palavras ou de frase, para indicar que se trata de significado ou acepção da palavra citada anteriormente (por exemplo, o português lancha 'barco').
Novidade, para mim, foi aprender que apóstrofo é sinônimo de viracento, que entrou no português em 1789, aglutinação de virar + acento, di-lo Aurélio. Mas vamos à resposta na letrinha do aluno em reprodução fac-similar: “Apóstrofos são os amigos de Jesus, que se juntaram naquela jantinha que Michelangelo fotografou”. De acordo com os critérios do Enem, o menino passaria em primeiro lugar.
Arte e fatos
Com o petróleo, o gás, as florestas, os diamantes, os quilômetros quadrados que têm; com a música, a literatura, a arquitetura, o balé que têm, os russos perderam 70 anos do século passado com o comunismo, que até hoje tem adeptos num país grande e bobo. Sem os recursos naturais da Rússia, mas com literatura, música, empreendedorismo, trabalho e um monte de qualidades, a Alemanha perdeu 25 anos do mesmo século com o nazismo, que também tem um monte de fãs no Piscinão de Ramos.
Limitemo-nos às artes naqueles dois países e no resto do mundo, para constatar que há algo de podre no reino da Dinamarca. Um Armário lacrado, simples armário que nada tem de bonito e perde de dez a zero para o armário que comprei em Tiradentes, quando lá estive pelo casamento de um amigo, virou “obra de arte” de Doris Salcedo. Um Caixão de Lego, vermelho, azul e amarelo, imitando ataúde, virou “obra de arte” de Fernando Arias.
José Alejandro Restrepo pendurou 25 cachos de bananas numa instalação chamada Musa paradisíaca, nome científico da bananeira, erva de grande porte, instalação elogiadíssima pela crítica, fotografada em cores, exposta nos jornais.
Essa, ao menos, faz sentido, considerando que a moita de musas paradisíacas, com ou sem cachos, continua sendo a instalação (sanitária) mais frequente e ecológica do interior do Brasil. O brasileiro se agacha, faz o que tem que fazer, fertiliza a bananeira orgânica e vai-se embora feliz da vida.
Pó de mico
Nos anos mais fechados do governo militar, civis que prestavam serviços nos quartéis passavam apertado. Amigo meu, engenheiro brilhante, foi resolver problemas de sua especialidade na Base Aérea de Santa Cruz, no Rio, e andou tendo problemas de relacionamento com alguns oficiais. Anos de caserna e disciplina fazem que o sujeito pense “diferente” do resto da humanidade. Não é que pense pior, mas pensa de outro jeito. A convite do general-comandante de uma região-militar, que morreu outro dia, lá estive engravatado para assistir a uma troca de comando. Mesmo com muitos anos de casa, os generais ficam emocionados, levam aquilo tudo muito a sério, cantam, ficam em posição de sentido – coisas ridículas para os que não frequentam aquele meio.
O engenheiro, depois de vários atritos com os oficiais da FAB, vingou-se como bom malandro. Apurou que haveria solenidade na base aérea dali a três dias e sabia onde a oficialidade guardava os quepes. Na manhã da solenidade, como tinha trânsito livre por toda a base, polvilhou pó de mico nos quepes e foi assistir à cerimônia.
Mucunã é trepadeira (M. pruriens) nativa de regiões tropicais, de flores avermelhadas, vagens com pelos urticantes, dos quais se faz o pó de mico, e sementes pretas e luzidias, usadas como sucedâneas do café; café-beirão, café-de-mato-grosso, café-do-pará, fava-café, fava-coceira, feijão-café, feijão-inglês, olhos-de-burrico, olhos-de-burro, pó-de-mico, quicuta. Dizem que o pó de mico é danado para coçar e a cena da Base Aérea muito divertiu o engenheiro, moleque como ele só.
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