Longe dos tempos em que a solução foi o
extermínio, cães e gatos recolhidos no câmpus da UFMG e tratados por
voluntários serão oferecidos em feira para adoção responsável
Jefferson da Fonseca Coutinho
Estado de Minas: 15/04/2013
Exemplo que
vem de compromisso. Primeira feira de adoção de bichos. Comitê de ética
para o controle de experimentos e diálogo alinhado com a recém-criada
delegacia de defesa dos animais no estado são indícios de novos tempos
na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bem além dos limites do
espaço físico, mais responsabilidade com a propagação de valores para a
vida. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) e Escola de
Veterinária – longe dos trotes que envergonham a instituição – se
destacam pela prática em respeito à causa animal.
Idealizada pela
organização não governamental BastAdotar e pela Comissão de Controle de
Zoonoses da Fafich, 15 gatos e cinco cães, resgatados no câmpus da
Pampulha, serão apresentados à adoção responsável pela UFMG, amanhã, das
10h às 15h, na Praça de Serviços. Além de encontrar um novo lar para os
bichos abandonados – recolhidos e tratados pela boa gente voluntária –,
o objetivo da ação é dar visibilidade a projeto maior de controle ético
da população animal nos câmpus.
Pelos descampados e corredores,
os gatos negros, mansos e em paz, sob controle, são atração para os
visitantes. No câmpus, “questão de equilíbrio” para Jorge Alexandre
Barbosa Neves, de 45 anos, diretor da Fafich. Sobre a presença dos
bichanos, o professor de sociologia fala em combinação de respeito ao
bem-estar dos animais e às restrições por parte de algumas pessoas. “Na
medida do possível, procuramos atender os dois lados, com iniciativas de
adoção, parcerias e política de esterilização”, diz.
Na Escola
de Veterinária, o assunto em pauta é “responsabilidade cidadã”. José
Aurélio Garcia Bergmann, diretor da unidade, apresenta caderno técnico
de 2012, voltado para a comunidade veterinária mineira, com 160 páginas
que abordam o bem-estar animal. O livro toca, especialmente, em
discussões éticas, estudos e soluções quanto à produção animal e o
manejo de espécies. Quanto aos bichos de companhia, professor José
Aurélio lamenta o grande número de casos de abandono.
O
médico-veterinário cobra maior conscientização por parte da população e
aprova as iniciativas de adoção. “Falta responsabilidade. É bastante
comum o aumento do número de bichos abandonados próximo ao período de
férias e feriados prolongados”, critica. De acordo com o professor, há o
problema do impulso: “A pessoa compra porque a filha acha bonitinho, e
depois, a família não dá conta”. O resultado, segundo estimativa da
Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), são 30 mil cães largados nas ruas da
cidade.
CUIDADOS
Pelas dependências da Escola de Veterinária, chama a atenção a entrega
dos residentes aos animais em tratamento no hospital da unidade. Ali,
são cerca três mil atendimentos por mês. Numa ala, a equipe faz de tudo
para conter a cólica intestinal do potro, acompanhado pela mãe. No
pátio, a residente Mayara Emília cuida do miúdo yorkshire em
recuperação. Eli Costa, de 57, técnico em radiologia, há quase três
décadas na UFMG, elogia os estudantes de veterinária: “Dinheiro, não dá.
Quem está aqui é porque gosta mesmo. Dá gosto ver tanto carinho”.
Não
muito longe dali, Miriam Chrystus, da ONG BastAdotar, entre gatos,
comemora a primeira feira de adoção promovida pela UFMG. “A
universidade, que tanto ensina, de conhecimentos preciosos, da Grécia
antiga às mais modernas teorias da física, mostra que está aprendendo a
lidar com os animais de forma ética”, considera. Para a professora e
ativista, desse modo a instituição participa da reflexão e criação de um
sujeito mais comprometido com o mundo em que vive.
Funcionária
da Fafich desde 1985, Mailce Maria Mendonça Mendes, de 50, viu a
Comissão de Controle de Zoonose crescer e fazer brotar ONG. Tudo por
mais respeito, ética e boa convivência do homem com os animais. A
protetora, presidente da BastAdotar, tornou-se maior defensora depois de
testemunhar com indignação dois massacres históricos de gatos no câmpus
(veja Memória). Hoje, ela lidera grupo de destaque no Movimento Mineiro pelos Direitos Animais (MMDA).
MEMÓRIA
O massacre dos gatos
Em
1999, no feriado de 12 de outubro, nos jardins em flor da Fafich, cerca
de 50 gatos foram sedados, recolhidos e exterminados nas câmeras de gás
da Zoonose da Prefeitura de Belo Horizonte. No retorno do recesso,
muitos alunos, funcionários e professores da UFMG se revoltaram com o
que ganhou repercussão além dos limites do campus como “massacre dos
gatos”. Doze anos depois, nova crueldade despertou a revolta de
ativistas de várias partes do mundo. Durante as férias do início do ano,
14 gatos foram assassinados friamente. Alguns, filhotes, decapitados e
escalpelados. Outros, os maiores, tiveram o crânio esmagado. Nos dois
tristes casos, manchas na linha do tempo da universidade, ninguém foi
responsabilizado.
Lado a lado com a polícia
Jefferson da Fonseca Coutinho
No
mês passado, dois representantes da Escola de Veterinária participaram
de reunião com o comando da Delegacia Especializada de Investigação de
Crimes contra o Meio Ambiente e Conflitos Agrários, responsável pela
recém-criada unidade policial de defesa dos animais no estado. O
objetivo do encontro foi agregar forças e elaborar estratégias para o
funcionamento mais eficiente da delegacia. Presentes, autoridades das
esferas municipal, estadual e federal do poder público. A professora
Adriane Pimenta da Costa Val, defensora dos animais, diz-se bastante
satisfeita com a reunião.
Ela observa que as pessoas estão mais
conscientes e exemplo disso é a busca de parcerias e conhecimento. Para a
professora valores antigos, finalmente, começam vir à tona. Em 1967, o
Conselho de Bem-Estar de Animais de Produção (Farm Animal Welfare
Council – Fawac), na Inglaterra, estabeleceu um conjunto de “estados”
ideais chamados de as “cinco liberdades” dos animais. De acordo com o
documento, todo animal deve estar livre de fome e sede; de desconforto;
de dor, de lesões e doenças; livre para expressar seu comportamento
normal e livre de medo e estresse. Ideais que ganham força nos últimos
tempos.
Carinho que cura
Jefferson da Fonseca Coutinho
Na sala
pequena do prédio da Fafich, os protetores Érika, Andressa, Rafael e
Camila tomam conta de alguns dos gatos que vão à feira de adoção. Dos
bichanos no colo, apenas Duqueza, de três meses, doente, abandonada na
semana passada, vai ter que esperar por outra oportunidade para
encontrar novo lar. Anêmica e com o baço aumentado, a gatinha branca
está em tratamento. Érika Lemos, de 26, estudante de letras, lamenta que
pessoas tenham coragem de abandonar um animal doente.
Andressa
Silveira, de 23, critica os estudantes do campus que desrespeitam os
bichos. “O mau trato mais comum aqui é o abandono”. A aluna do curso de
farmácia sugere a instalação de câmeras e monitoramento, permanente em
todo o campus, além de campanhas de conscientização. O estudante de
engenharia, Rafael Miranda, de 26, elogia a atuação dos “amigos
anônimos”, professores, estudantes e funcionários, que, espalhados pela
universidade, fazem de tudo pelos animais.
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