Zero Hora - 15/04/2013
Quando nasceu minha filha Julia, eu estava despreparado para ser pai.
Despreparado no pior sentido em que um músico-cantor-compositor pode
estar: eu não conhecia canções de ninar.
Na falta de um repertório específico, comecei a cantar mantras
indianos para fazer a pequena dormir. Em especial, os Cantos de
Yogananda, que são pérolas preciosas. Fui improvisando com aquilo que eu
considerava ser o mais adequado para uma alma pura, recém-chegada a
esse mundo.
A verdade é que não funcionava. Muitas vezes virei noites
sacolejando aquela coisinha linda nos meus braços e nada. Ela lá, com os
olhinhos arregalados, à espera daquilo que amava e era o que
efetivamente a fazia adormecer: o seio materno.
Meu repertório, na época, não apresentou o resultado esperado. Ela
se acalmava, mas não dormia. Por outro lado, acredito que alguma coisa
boa deve ter ficado no subconsciente de minha filha. Hoje, olho pra ela
já crescida, uma entusiasmada praticante de yoga e meditação, e fico
imaginado que talvez aqueles mantras sagrados tenham deixado algumas
sementes espalhadas.
É impressionante como, das formas mais inusitadas, a gente vai
marcando a vida dos filhos. Eu, por exemplo, sou um sujeito friorento
até hoje por culpa do “sapo-cururu”.
Voltando ao começo, às minhas tentativas de botar a guria pra
dormir. No embalo de muitas noites acordado com Julia no colo, comecei a
compor uma valsinha, aproveitando o ritmo em ¾ que minha mão reproduzia
naquele bumbum protegido por uma fralda descartável.
Agora, mais recentemente, quando a canção foi gravada no CD Par ou
Ímpar, o som dessa percussão insólita, mais afetiva do que efetiva, foi
registrado com o nome de Bundolone. É claro, Julia já está crescidinha e
não usa mais fraldas, completou 25 anos. Mesmo assim, fizemos em
estúdio uma simulação do som das palmadinhas do papai acompanhando a
melodia e, por pouco, ela não pegou no sono. O que só confirma o que eu
já sabia, a música funciona bem para os seus objetivos, ou seja,
realmente faz dormir.
Lindinha surgiu assim, espontânea. É uma canção de ninar carregada
de carinho e de pureza. É a manifestação de amor de um artista
aprendendo a ser pai.
Nenhum comentário:
Postar um comentário