Exposição reúne fotos feitas por Revert
Henrique Klumb, que registrou parte importante da memória do século 19
no país. Imagens deram origem ao primeiro guia impresso no Brasil
Walter Sebastião
Esatado de Minas: 15/04/2013
Rodovias, hoje paisagem banal, eram
raridade há 150 anos. O mais comum eram caminhos precários, pelos quais,
em muitos casos, só passavam pessoas e mulas. Exatamente há um século e
meio, surgia uma das mais modernas estradas da época: a União e
Indústria. Com 114 quilômetros de extensão, ligava Petrópolis (RJ) a
Juiz de Fora (MG). A rodovia retificou o antigo Caminho Novo, de modo
que pelo local pudessem passar carruagens. Trata-se de obra arrojada
para a engenharia do século 19, construída praticamente à mão, já que
não havia maquinário específico. Era, ainda, a primeira da América
Latina com asfalto menos denso que o atual, ideal para enfrentar o
período de chuvas. Teve significado econômico importante: foi criada
para escoar a produção de café. O imperador dom Pedro II esteve presente
no início das obras e, com toda a corte e estafe, na inauguração da
estrada.
Testemunha de toda a empreitada foi um alemão ilustre: o
fotógrafo Revert Henrique Klumb (183?–1886). Ele não só registrou a
inauguração como, por conta própria, cuidou de fazer ensaio fotográfico
que resultou no pequeno álbum Doze horas em diligência – Guia do
viajante de Petrópolis a Juiz de Fora, versão de litógrafos da época
para as fotografias feitas por ele. Foi o primeiro guia (e livro de
imagens) impresso no Brasil. A exposição União e Indústria: Uma estrada
para o futuro, apresentada até 18 de maio no Espaço Cultural dos
Correios, em Juiz de Fora (MG), reúne 22 fotos de Klumb e algumas
litografias criadas a partir delas, todas realizadas entre 1860 e início
de 1870. São obras, explica Pedro Afonso Vasquez, curador da mostra, de
um dos mais importantes fotógrafos em atividade nos anos 1800 no
Brasil.
“São imagens de muito simbolismo”, afirma Pedro Vasquez.
Emblematizam o início da ligação rodoviária do interior do Brasil com a
capital (na época o Rio de Janeiro). Simbolismo, para ele, mantido
quando a estrada foi incorporada pela BR-040, que chegava até Brasília.
Depois, observa, a obra reuniu grupo (desde dom Pedro II ao empresário
Mariano Procópio Ferreira Lage) entusiasta da ideia de construir um
império nos trópicos. “Todos os visitantes que passaram pelo local
elogiavam o realizado, o que indica o impacto que a empreitada causava”,
acrescenta. Contexto com atmosfera de busca de novos horizontes para o
Brasil, que, na opinião dele, certamente deve ter contagiado Klumb na
decisão de fazer o guia. “As fotos do alemão carregam o olhar de toda a
comunidade envolvida na criação da União e Indústria”, explica o
curador.
Classicas
Pedro Vasquez,
pesquisador, crítico e escritor, é autor de importantes livros sobre
fotografia antiga brasileira. Um novo trabalho já está em andamento: um
dicionário da fotografia clássica, “a não digital”, brinca. “Como houve
mudança tecnológica, precisamos de livros sobre as técnicas usadas antes
da digital. Em pouco tempo, talvez ninguém se lembre delas”, observa. A
dedicação aos fotógrafos do século 19, conta, “é culpa de dom Pedro
II”. Diretor da Funarte na década de 1980, observou que faltava livro
sobre imperador que fomentou, de vários modos, a fotografia no país. Fez
então Dom Pedro II e a fotografia no Brasil (1985). “O projeto era só
esse livro, mas descobri coisas incríveis. Querendo compartilhar, acabei
escrevendo outras obras”, conta.
Avaliando as pesquisas sobre a
fotografia no passado brasileiro, Pedro Vasquez conta que muito
(edições, pesquisas, recuperação de acervos etc.) já foi realizado e com
padrão de excelência inclusive no plano gráfico. “Por sorte, ainda há
muito a fazer”, observa. A carência, aponta, ainda é a pesquisa em
cidades que não são capitais. Sobre o acervo fotográfico do Museu
Mariano Procópio, de onde vêm as imagens que estão na exposição, ele
considera que é coleção de valor nacional e internacional, que merece
ser mais divulgado. Tendo conhecido períodos sem leis de incentivo, e
projetos que levavam até uma década para serem realizados, comemora a
existência delas, creditando ao mecanismo muito do feito na área de
fotografia.
Paisagista respeitado
Pioneiro – Revert
Henrique Klumb, quando fez as fotos, conta Pedro Vasquez, era homem
celebrado pela qualidade dos seus serviços. Era fotógrafo do imperador,
professor de fotografia da imperatriz Teresa Cristina e da princesa
Isabel. Tinha o direito (dado por Pedro II) de usar o título de
fotógrafo da Casa Imperial. “Era fotógrafo completo. Fez fotos de
significado histórico, científico e de grande beleza plástica”, afirma
Vasquez. Klumb era paisagista respeitado, fotografou aves e plantas,
ganhou prêmios em salões de arte do período. “Sob todos os pontos de
vista, era um dos 10 melhores fotógrafos em atividade no Brasil do
século 19”, garante. São de Pedro Vasquez dois livros publicados sobre o
fotógrafo: Revert Henrique Klumb, um alemão na corte brasileira
(Editora Caiçara) e o Brasil na fotografia oitocentista (Editora
Metalivros).
União e Industria – A Estrada de
Rodagem União e Indústria, ligando Petrópolis (RJ) a Juiz de Fora (MG),
foi inaugurada em 23 de junho de 1861, por dom Pedro II. O projeto
começou em 1854, quando o empresário Mariano Procópio Ferreira Lage
recebeu a concessão, por 50 anos, para a construção de uma rota que,
partindo de Petrópolis, se dirigisse à margem do Rio Paraíba. Criou,
então, empresa com o mesmo nome da rodovia, cujo lucro provinha do
pedágio por mercadoria cobrado dos usuários da rota. A criação da
estrada abriu caminho para a expansão comercial de Minas e sinalizou
decisão de avançar rumo à interiorização articulada. A estrada é parte,
desde 1973, da BR-040, que vai até Brasília.
Patrimônio – A
mostra União e Indústria está sendo apresentada no Espaço Cultural
Correios, inaugurado em 2007 em prédio de 1935, tombado pelo patrimônio e
que integra circuito institucional, público, dedicado às artes visuais,
instalado em belos e importantes imóveis históricos. São eles: o Museu
Murilo Mendes, o Museu Mariano Procópio e o Espaço Cultural Bernardo
Mascarenhas. A programação do local prevê, até o fim do ano, mostra
dedicada ao gravador Oswaldo Goeldi (1895–1961) e outra ao escultor
Victor Brecheret (1894–1955), ambos referências históricas do modernismo
brasileiro. A programação é feita a partir de edital e as inscrições
para 2014 serão ser abertas em maio.
União e Indústria: Uma estrada para o futuro
Exposição
de fotos e gravuras. Espaço Cultural dos Correios, Rua Marechal
Deodoro, 470, Centro de Juiz de Fora. Informações: (32) 3690-2027.
Aberta de segunda a sexta, das 10h às 18h; sábados, das 10h às 14h.
Entrada franca. Até 18 de maio.
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