segunda-feira, 29 de abril de 2013

Gays de Cristo - Laura Capriglione

folha de são paulo

Cerca de 500 fiéis, entre homossexuais, travestis, transgêneros e até héteros, assistem ao culto de estreia do primeiro templo da Igreja Cristã Contemporânea em São Paulo, na zona leste
LAURA CAPRIGLIONEDE SÃO PAULOA igreja lotou no sábado à noite de gays, lésbicas, travestis, transgêneros. Eram uns 500, em trajes que iam do terno e gravata até as plumas e paetês dos travestis que deram o ar da graça no templo, localizado no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo.
Culto de estreia da Igreja Contemporânea em São Paulo, viam-se aqui e ali, também, uns gatos pingados heterossexuais (em geral familiares de gays convertidos).
Fundada há seis anos pelos pastores Fabio Inacio de Souza e Marcos Gladstone, casados desde 2009 e há dois anos pais adotivos dos meninos Felipe, 7, e Davidson, 9, a Contemporânea entra no disputado mercado da fé oferecendo mercadoria rara entre religiosos em geral: a aceitação total da homossexualidade.
"Somos contra a demonização do público gay, patrocinada por evangélicos como o deputado-pastor Marco Feliciano [PSC-SP] e por Silas Malafaia", diz Fabio Inacio, 33, que descobriu ser homossexual ainda criança e viveu "dentro do armário" até os 24, quando se assumiu.
Ainda enrustido, ele conseguiu durante quatro anos manter-se como pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. Nunca se sentiu discriminado, diz. "A maior discriminação contra mim era eu mesmo que fazia, por não corresponder àquilo que minha família e minha religião esperavam de mim. Eu sofri isso durante toda a minha infância e adolescência."
BOATE DA FÉ
Nos embalos de sábado à noite na igreja, viam-se casais homossexuais masculinos e femininos enroscados, trocando carinhos --respeitosos, diga-se. Em várias músicas religiosas, a iluminação era rebaixada e o templo transformava-se em boate, meninos dançando abraçados. Alguns, emocionados, chegavam a chorar.
Crianças, como Andressa, 9, também assistiam ao culto. Aplicada, a menina lia a Bíblia, seguindo as indicações do pastor. Estava com a mãe, de 48 anos, que não quis se identificar. Vestido até a canela, decote zero, nenhuma maquiagem, a mulher parecia estar no culto errado.
Por que a senhora está aqui? E ela apresentou a "amiga", de 52, vestida com o mesmo rigor que ela.
As duas ficaram sabendo pela internet que haveria a inauguração da igreja e quiseram ver como era. Prometeram voltar no dia seguinte, dia de culto também. Mas ainda não decidiram quando e nem se sairão do armário.
Os planos dos pastores Fabio Inacio e Marcos Gladstone são ambiciosos. Incluem abrir dez novos templos em São Paulo, nos próximos dois anos, além dos que já possuem no Rio (onde estão implantados principalmente na Baixada Fluminense) e em Belo Horizonte.
Segundo a igreja, já se contabilizam 1.800 fiéis dizimistas, 95% dos quais são homossexuais. Os pastores rejeitam a interpretação antigay da maioria das denominações evangélicas. Dizem que as passagens bíblicas que condenam a sodomia não passam de traduções mal feitas, "maliciosas, com a exclusiva finalidade de fomentar preconceito e exclusão".
A designer de joias Valeska Castelane, 43, de tailleur em tecido perolado, elegante, entende de exclusão. Nascida em uma família evangélica, ela assumiu sua transexualidade aos 20, quando foi arremessada diretamente para a prostituição. "Sou ex-tudo de pior que você possa imaginar", afirma. "Hoje, pela primeira vez, estou vivendo esse sonho de ser quem eu sou e ao mesmo tempo poder louvar esse Deus que me ama e me fez assim: transexual."
O culto durou quase três horas, ao final das quais, como sempre acontece, distribuíram-se os envelopes para recolhimento dos dízimos.

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