REINALDO JOSÉ LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
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Musicalmente, Paulo Vanzolini não parece ter sido um grande apreciador do samba de breque, mas a hipótese que ele ajudou a desenvolver para explicar a imensa biodiversidade do Brasil lembra uma versão evolutiva das idas e vindas do ritmo.
Trata-se da chamada teoria dos refúgios, que o herpetólogo (especialista em répteis e anfíbios) desenvolveu em parceria com o geógrafo Aziz Ab'Sáber (1924-2012). A tese, formulada a partir do fim dos anos 1960, afirma que o vaivém climático dos últimos milênios da Era do Gelo teria funcionado como um gerador de espécies.
A ideia é que, entre 18 mil e 14 mil anos atrás, conforme períodos mais frios e secos se alternavam com outros momentos mais quentes e úmidos, as áreas de floresta na Amazônia e na mata atlântica, por exemplo, passavam por fases de contração e expansão, já que "preferiam" mais calor e umidade.
Nos períodos frios e secos, as espécies da mata teriam ficado isoladas em arquipélagos de floresta, em meio a um mar de vegetação mais aberta, parecida com o cerrado atual. Seriam os chamados refúgios.
Acredita-se que esse tipo de isolamento é um dos fatores mais importantes para que as espécies se diversifiquem, já que cada população de animal, separada das demais, poderia cruzar apenas entre si, desenvolvendo características únicas que, mais tarde, impediriam que seus membros voltassem a gerar filhotes com os de outras populações.
Quando a Era do Gelo acabou e estabeleceu-se o clima relativamente quente e úmido que conhecemos, os refúgios foram reconectados, formando áreas contínuas de floresta, mas cada um deles reteve suas espécies únicas, ou endêmicas, como dizem os biólogos.
Paulo Vanzolini
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Paulo Vanzolini se apresenta no 'El Grande Conserto' no Teatro Oficina
Nas últimas décadas, a teoria dos refúgios andou sob ataque, já que o ritmo da diversificação de espécies parecia não bater com o proposto por Vanzolini e Ab'Sáber, mas ninguém deixou de reverenciar a importância científica do zoólogo-sambista. Ele ajudou a zoologia brasileira a deixar de ser a mera busca pela descrição ("batismo" científico) de novas espécies e a pensar em hipóteses evolutivas, enxergando padrões históricos numa diversidade antes confusa.
O trabalho de Vanzolini também foi importante numa escala mais prosaica, mas nem por isso menos importante: ele ajudou a estruturar o gigantesco acervo de exemplares hoje abrigados no Museu de Zoologia da USP - eram mil quando ele assumiu, hoje chegam a 300 mil. Essa biblioteca de animais é crucial quando um pesquisador está tentando saber se tem em mãos uma nova espécie, porque o cientista sempre compara o exemplar que coletou com os exemplares de referência dos grandes museus.
Colegas o recompensaram por essa dedicação ao batizar dezenas de espécies com seu nome, de cobras-de-duas-cabeças a um macaco.
Sua trajetória científica está resumida no livro "Evolução ao nível de espécie - Répteis da América do Sul", de 700 páginas, lançado em 2010 pela editora Beca, contendo 47 artigos publicados entre 1945 e 2004. A obra também vem com um CD-ROM no qual se pode ver a obra completa de Vanzolini no formato PDF.
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