segunda-feira, 8 de abril de 2013

Na curva do rio (Marku Ribas) -Sérgio Rodrigo Reis‏

Marku Ribas deixa uma legião de fãs e parceiros que admiravam o artista plural, que escrevia música e poesia, cantava, tocava e ainda demonstrava seu talento no cinema 


Sérgio Rodrigo Reis

Estado de Minas: 08/04/2013 

A última coisa que o cantor e compositor Marku Ribas ouviu das filhas Júlia e Lira pouco antes de morrer, na noite de sábado, aos 65 anos, foi uma versão emocionada da música que fez para elas em 1985, quando ainda participavam do grupo Os Passarinhos Cantores. “Foi uma passagem tranqüila, bonita, ao som dessa canção”, conta Lira Ribas. “Se você o admira como artista, multiplica por um milhão para ter uma noção de como era como pai. Pouco antes de sua partida, fiz questão de dizer isso a ele, que foi também meu grande amigo, daqueles que ouvimos para tomar decisões.” Como ela, o artista deixou uma legião de admiradores, que preparam um ano de homenagens. A começar pelos que ainda estão em Pirapora, sua terra natal. Suas cinzas serão levadas para a cidade para serem jogadas nas águas do Rio São Francisco. Esse foi um dos últimos desejos. Mas não foi só isso.

No início do ano, pouco antes de ver sua saúde piorar, em decorrência de um câncer de pulmão detectado há cerca de um ano, Marku andava animado com a possibilidade de comemorar os 50 anos de palco e 66 anos de idade. Agendou várias atividades que, segundo as filhas, serão realizadas agora pelos amigos e familiares. A primeira será em 19 de maio, na casa de shows Granfino’s, em Belo Horizote, uma apresentação com participação de parceiros como Ed Motta, B. Negão e Alexandre Cardoso. Serão realizados outros dois shows: um agendado para o início do segundo semestre e outro para o fim do ano.


Há alguns anos, Marku Ribas iniciou o projeto de uma autobiografia. O livro foi concluído em janeiro. Ficou faltando o nome da obra, que reunirá uma compilação de seus poemas e outros escritos. Também está sendo produzido um documentário sobre sua vida e obra. Há 12 anos seus shows vinham sendo registrados por Carlos França, que, entre uma apresentação e outra, colhia depoimentos do cantor. O material será a base para o filme, que ainda não tem data de lançamento.

Outra novidade é uma caixa com três discos escolhidos pelo próprio artista. Um deles é o ainda inédito Batuki, gravado nos anos 1970, quando viveu em Paris, e que tem parcerias com Wilson Sá Brito. “O tempo passou e o material permaneceu guardado, até que meu pai decidiu lançá-lo”, conta a outra filha, a também cantora Júlia Ribas. De acordo com ela, já doente, o pai teve uma melhora substancial e resolveu ir este ano para estúdio registrar o inédito CD Mais samba. “É um disco de sambas mesclados a violão de sete cordas, trombone e percussão. Ficou bem bonito e tem parcerias com Luizão Maia e Sinésio Bastos”, adianta. O outro disco que completa o boxe é 4 loas, álbum lançado há dois anos.

DISCOGRAFIA

» Déo e Marco (1967)
» Underground (1973)
» Marku (1976)
» Barrankeiro (1978)
» Cavalo das alegrias (1979)
» Mente e coração (1980)
» Marku (1983)
» Autóctone (1992)
» Cor da pele (1997)
» 4 loas (2010)



Fortes lembranças

Publicação: 08/04/2013 04:00
A lembrança mais forte que Júlia Ribas tem do pai é o amor incondicional, o cuidado e a fraternidade que tinha com todos ao seu redor. Como artista, ela diz que nunca esquecerá sua “ebulição”. “Costumo dizer que sua arte fala por si só, porque é a própria expressão de Deus”, resume. Os amigos vão lembrar outros aspectos da trajetória do compositor, cantor, instrumentista e ator.

Mineiro de Pirapora, Marku sempre caracterizou sua arte pela riqueza rítmica e sonora, influência do que ouviu e viveu. Nasceu às margens do Rio São Francisco, cresceu em meio a tambores, romarias e cantigas populares, enquanto em casa ouvia clássicos do jazz.

Pioneiro a tocar reggae no Brasil, foi também um dos primeiros artistas a adotar o estilo rastafári, com longa cabeleira, e a ir à África para pesquisar ritmos e sonoridades, usados mais tarde em suas onomatopeias. Viveu quatro anos no Caribe, dois anos na Ilha de Martinica e dois anos na Ilha de Santa Lúcia, onde se encontrou pela primeira vez com Bob Marley, ainda conhecido como Robert, cantor do conjunto The Wailers.

Morou ainda um ano na França, sempre tocando, cantando e divulgando a cultura brasileira. Na época, gravou dois discos (lançados no Brasil pela Copacabana, atual EMI). Desde que voltou ao país, morou no Rio de Janeiro, em São Paulo e, depois, em Belo Horizonte.

Marku Ribas deixou vasta obra ainda desconhecida do grande público. É o tipo de artista mais cultuado pelos pares que pelo público. Ao longo da carreira, pontuada por experimentações rítmicas que foram do soul ao funk, passando pelo samba, samba rock, jazz, batuque e ritmos africanos, gravou oficialmente 10 discos e como ator participou de seis filmes.

Seu talento teve reconhecimento em meados dos anos 1980, quando o líder dos Rollings Stones, Mick Jagger, o convidou para participar do clipe da música Just another night e a tocar com o grupo, no ano seguinte, no álbum Dirty work. Foi parceiro de artistas como João Donato e Erasmo Carlos e teve músicas gravadas, entre outros, por Alcione, Emílio Santiago, Jair Rodrigues e, mais recentemente, Marcelo D2.
(Colaborou Ana Clara Brant)

FILMES
» Revolution, de Jean-Marc Tibeau (1970)
»Quatre nuit d’une revêur, de Robert Bresson (1970)
»u-Piá, coração mágico de Macunaíma, de Paulo Veríssimo (1980)
»Uma onda no ar, de Helvécio Raton (2001)
»Batismo de sangue (2006)
»Chega de saudade (2007)



Adeus a Marku Ribas

Parentes, amigos e artistas prestaram homenagem ao cantor, compositor e instrumentista, cremado em Contagem

Márcia Maria Cruz


Júlia e Lira Ribas cantaram para se despedir do pai, o cantor, compositor e instrumentista Marku Ribas, que foi cremado na tarde de ontem no cemitério Renascer, em Contagem, na Grande Belo Horizonte. Músicos, atletas, militantes do movimento negro, fãs e familiares deram adeus ao músico, considerado um dos “arquitetos da música popular” pela inovação à composição. “Conhecemo-nos quando eu tinha 22 anos. Ele me contou que, quando me olhou pela primeira vez, sabia que iria se casar comigo. Foram 35 anos de união e duas filhas maravilhosas. Tivemos uma vida de muito amor e respeito. Marku era um homem digno, honesto, que sempre lutou pela dignidade humana”, disse a viúva do músico, a ex-jogadora de vôlei Maria de Fátima Ribas, a Fatão, como era chamada pelo marido. Ele morreu de insuficiência respiratória, aos 65 anos.

Músicos de diferentes gerações, que dividiram palco com Ribas, e tantos outros que buscaram em seu trabalho inspiração foram prestar homenagem. “Era uma figura maravilhosa, de espírito grandioso. Além de ser um artista excepcional, era um ser humano surpreendente. Vai deixar muita saudade”, pontuou Toninho Horta. Expoente da nova geração da música mineira, Flávio Renegado lamentou a perda de Marku. “Ele foi um grande professor. Tive a felicidade de poder tocar com ele algumas vezes. A música chora a perda de uma pessoa tão maravilhosa.” Para Santonne Lobato, do grupo Tambolelê, Marku foi um grande difusor da cultura popular. “Deixou uma obra vastíssima para estudarmos nos próximos 100 anos. Ele nos dizia para valorizarmos a cultura da gente sem medo, que não perderíamos em ser originais. Dizia que os modismos vêm e passam, mas que a cultura popular permanece.” Também manifestou o seu pesar o governador Antonio Anastasia. Em nota, ele disse que Marku era um artista versátil e com impressionante verve criativa. “Ele contribuiu para divulgar a cultura típica das barrancas do Rio São Francisco para além das fronteiras do estado e deixa uma importante obra que, certamente, inspirará várias gerações. Neste momento de dor, levo a minha solidariedade e a de todos os mineiros aos seus familiares, amigos e fãs.”


Santonne e o companheiro de grupo Geovane Sassa executaram o hino nacional a partir de sons feitos com o próprio corpo, uma vez que Marku valorizava o uso da corporalidade na composição musical. O produtor executivo de Marku, Rodrigo Brasil, lembrou que o músico completaria em 2013 50 anos de carreira. A data será lembrada com o lançamento de CDs com canções inéditas, gravadas em Paris, em 1970, e em Lavras Novas, em 1998. “Pouquíssimas vezes conheci alguém com tanta vontade de trabalhar. Era invejável e emanava uma energia que contagiava.”

SUSTO Para a compositora e instrumentista Mara do Nascimento, ficará a saudade de um músico dedicado, que propunha composições inusitadas. “Tomei um susto danado quando soube da morte dele. Era um sessentão com muita energia. Desenvolvia um trabalho que ninguém fazia igual.” Amigos de Pirapora, cidade onde o músico nasceu, vieram para prestar homenagem com a camisa do bloco Pira Pirô, fundado há 30 anos por um grupo de amigos do qual Marku fazia parte. “Deixa as melhores lembranças de canções, para rir e chorar de alegria”, afirmou o pecuarista Sérgio Salum Cabral, co-fundador do bloco.


Visto como um músico genial, Marku também teve atuação social de destaque, segundo lembra um dos dirigentes do Movimento Negro Unificado (MNU), Marcos Cardoso. “Conheço Marku desde 1970. Além da genialidade, fazia uma crítica social muito fecunda. Esteve conosco na criação do primeiro festival de arte negra e participou de atos de denúncia contra o racismo. Sempre foi muito solidário à nossa causa”, lembrou Cardoso. As cinzas do cantor serão jogadas no Rio São Francisco, como ele desejava.



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