Chá, por favor
Rua da União, rua da Aurora, rua da Saudade. "Como eram bonitos os nomes das ruas da minha infância", escreveu o poeta Manuel Bandeira em "Evocação do Recife". Acrescentou temer que a rua do Sol "hoje se chame do dr. Fulano de Tal"."Viaduto do Chá" pode não ser um nome tão inspirador quanto os das velhas ruas recifenses. Diga-se também que Mário Covas não é um "Fulano de Tal" como os desdenhados por Manuel Bandeira. Cassado pelo AI-5 em 1969, quando era líder da oposição ao regime militar na Câmara dos Deputados, retornou à política dez anos depois.
Tornou-se prefeito e governador de São Paulo, sem recorrer às nauseantes reviravoltas ideológicas e ao oportunismo que se tornaram a regra da política brasileira. Merece as muitas homenagens que já recebeu.
Levam seu nome o Rodoanel, obra iniciada sob sua administração; um hospital em Santo André e outro em Marília; uma área verde na avenida Paulista, além de diversas escolas, instituições e logradouros em várias partes do país.
A memória de Mário Covas não depende, portanto, de alteração no nome do viaduto do Chá. O lugar, aliás, continuará a ser chamado como sempre foi.
Eis que os autores da proposta de mudança -que corre na Câmara Municipal, com o apoio da maioria dos vereadores- optaram por uma fórmula híbrida. Haveria, se aprovado o infeliz projeto, um viaduto do Chá Prefeito Mário Covas.
O método resulta em puro congestionamento verbal. Disseminado o estilo, as consequências seriam incontroláveis. Seria o caso de termos uma "rua da Consolação Paulo Maluf"? Ou, para ir mais longe, uma avenida Jacu-Pêssego Ernesto Che Guevara? Uma Brasília Juscelino Kubitschek?
Abandone-se, antes que seja tarde, esse tipo de palimpsesto onomástico, de recapeamento toponímico. A proposta, se cabe o mau trocadilho, deve ser demolida.
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EDITORIAIS@UOL.COM.BR
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Retorno interditado
Licitações de estradas e aeroportos talvez saiam do atoleiro agora que o governo renuncia a tabelar a taxa de rentabilidade do investidor
Perdeu mais tempo ao se aferrar à ideia de que o governo pode controlar preços ou lucros e determinar investimentos das empresas. Tal atitude ficou outra vez evidente na proposta oficial de concessão de rodovias federais.
O governo anunciou em janeiro que limitaria a níveis baixos a rentabilidade oferecida para as concessões de rodovias a serem leiloadas neste ano. As empresas recusaram o negócio.
Para melhorar a proposta, em março o governo prometia reduzir ainda mais o custo dos empréstimos dos bancos oficiais para as futuras concessionárias, aumentar o prazo da concessão e rever estimativas de gastos e receitas. A greve branca das empresas continuou.
Agora o governo recua. Promete rever a taxa de rentabilidade. Desde o anúncio do plano, em agosto, até a publicação das novas regras, terá passado quase um ano.
A teimosia oficial era contraproducente. O governo pode estipular uma taxa razoável de rentabilidade, dadas as condições iniciais e estimadas de preços (pedágio), custos (obras, administração e juros) e faturamento das empresas (tráfego de veículos). Várias dessas definições vão pautar o cumprimento e as eventuais renegociações dos contratos.
No entanto, excetuada a hipótese de conluio, preços e rentabilidade serão, na prática, definidos em leilão: empresas que calculam ser mais eficientes oferecerão tarifas menores de pedágio.
Estipular uma taxa de retorno baixa demais afasta interessados e diminui a concorrência, que é o objetivo básico do leilão: simular, para um caso de monopólio natural (uma rodovia), as condições de um mercado competitivo.
Além do mais, ao oferecer financiamento subsidiado a fim de compensar a baixa rentabilidade, o governo esconde e assume custos que deveriam estar transparentes na tarifa de pedágio.
Caso os benefícios sociais da obra sejam altos, mas o interesse privado na sua execução seja pequeno, cabe o subsídio -que deve ser explicitado no Orçamento. Nem parece ser esse o caso das rodovias. O governo quer criar uma modicidade tarifária artificial.
Desde o início do programa federal de concessões de rodovias, em 1993, melhorou a qualidade dos contratos, da regulação e do ambiente econômico brasileiro (embora o monitoramento de contratos e empresas ainda seja falho).
Tais fatores já permitiram queda nas tarifas de pedágios. Não há como forçar diminuição adicional de preços e rentabilidade sem reduzir a quantidade de investimento. De modo similar, empresas recusam-se a vender a preços baixos por tabela.
Numa hipótese extremada, mesmo que o preço do pedágio fosse tão alto quanto o das concessões paulistas ou o das primeiras concessões federais, uma estrada com pedágios caros ainda é melhor que estrada nenhuma. Melhor, ao menos, que os caminhos de lama por onde escoa a duras penas a riqueza da agricultura nacional.
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