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Gangorra emocional
ADRIANA FARIASCOLABORAÇÃO PARA A FOLHABrigas, gritos e objetos arremessados. No meio do tiroteio emocional, uma adolescente de 16 anos busca o amor da mãe bipolar.São cenas do musical da Broadway "Quase Normal", em cartaz em São Paulo. Ao final da peça, a atriz carioca Carol Futuro, 33, que interpreta a adolescente Natalie, é surpreendida por uma menina de 15 anos, que a abraça forte.
A garota diz, chorando: "Eu entendo você! Dói quando a gente está buscando o amor dos pais e eles nem veem que a gente está aqui. Eles estão mais preocupados com os problemas deles".
Outra menina, também com a voz embargada, emenda: "Eu não queria levar meu namorado para casa porque é uma maluquice lá. Nunca sei como minha mãe vai estar". A personagem Natalie é muito real para as adolescentes.
O transtorno bipolar é caracterizado pela alternância entre depressão e euforia. Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, atinge cerca de 4,2 milhões de brasileiros.
A mãe de Jennypher Ramos, 19, e Stéphany Ramos, 20, sofre do mal há 20 anos, mas começou o tratamento em 2010. Separada do marido há um ano, ela e as filhas lutam por uma boa convivência.
"Foi muito difícil para minhas filhas. Às vezes, não conseguia levantar para ir ao banheiro, vivia chorando e batia nelas", conta Liz Lílian Ramos, 37. "Quando o namorado da mais velha vinha à nossa casa, me trancava no quarto. Tudo me incomodava."
REFÚGIO NA ESCOLA
Nada do que acontecia na escola ou com amigos era contado à mãe. "A escola era o momento de me desligar. Era como se tivesse liberdade, respiro. A gente deixava de pedir para sair porque, às vezes, ela dizia sim, mas mudava de opinião e vinha com gritaria. Se eu podia ir ao shopping das 15h às 18h, já era a maior felicidade", conta Stéphany.
Hoje, as filhas comemoraram o tratamento da mãe, que já conseguiu retomar o emprego como recepcionista. As crises de humor têm sido menos intensas.
Quem também está otimista com o tratamento da mãe bipolar é o estudante João (nome fictício), 16, que confessa nunca ter contado aos amigos ou à namorada sobre a doença. A mãe, 35, sofre do transtorno há 15 anos, mas foi diagnosticada há apenas seis meses e começou a tomar a medicação correta.
Ela conta que, durante as oscilações de humor, já protagonizou brigas muito feias. Em uma delas, João, que tem 1,94 m, partiu uma cômoda ao meio com um chute. Em outra, ele fugiu, aos 14 anos, para a casa da namorada a pé. Percorreu quase 15 km da rodovia Raposo Tavares até Carapicuíba.
"Fiquei deitado na cama [da namorada] durante dois dias, sem comer, triste", relembra, cabisbaixo.
Eles tiveram que se reinventar em nome do equilíbrio familiar. "Antes, eu gostava de ficar andando de moto com os colegas. Vi que estava errado e sabia que minha mãe ia ficar estressada. Aí eu parei. Passei a ficar mais em casa. Agora, é da escola para o trabalho e do trabalho para casa. Todos os dias", diz João.
ENTENDA A DOENÇA TRANSTORNO BIPOLAR
Com crises recorrentes e cada vez mais frequentes. Se não for tratada, o paciente pode perder neurônios, com crises mais intensas. Ele perde a memória e a concentração. Não consegue fazer tarefas simples e conviver em família.
Como ela é controlada?
Com medicação contínua para impedir crises. Elas podem desaparecer, mas, se a medicação for interrompida, voltam em 90% dos casos. Não tem cura, mas tem tratamento. O paciente em tratamento contínuo pode levar uma vida normal.
Adulta em papel de adolescente, Carol Futuro se preparou com uma bipolar
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Carol Futuro, 33, já interpretou muitos adolescentes nos últimos quatro anos em que trabalhou no projeto
"Teatro Jovem", criado em 1996 pelo diretor Tadeu Aguiar e pelo produtor Eduardo Bakr. Isso facilitou na hora de viver Natalie em "Quase Normal", também dirigida e produzida por eles.
"Minha mãe diz que eu nunca larguei a adolescência. As minhas birras, as minhas manias, são todas de adolescente. Meu marido concorda com ela plenamente", brinca a atriz durante entrevista em um hotel em São Paulo.
Carol conta que a personagem Natalie é uma adolescente que amadureceu precocemente quando se viu sem o apoio da mãe bipolar [Diana, interpretada pela atriz Vanessa Gerbelli Ceroni].
"Ela foi criada sobrevivendo aos vários baques que a mãe teve, às várias quedas e crises. Às vezes, tem essa facilidade de eu ser uma pessoa mais velha fazendo essa personagem, porque ela tem uma maturidade, um amargo da vida que uma adolescente acha que tem porque tudo é muito difícil."
Com o papel de Natalie em mãos, a atriz recebeu a consultoria do psiquiatra Fábio Barbirato e foi em busca de experiências reais para entender a bipolaridade. Ela não precisou ir muito longe.
"A preparadora vocal da peça, Mirna, é bipolar, medicada, e, como aluna, eu convivi com sua bipolaridade. Um mês a gente estava tendo uma aula maravilhosa e, no mês seguinte, ela estava enlouquecida, dando aula em alta velocidade."
Mirna Rubim, 51, foi diagnosticada com transtorno bipolar em 2004, entrou em tratamento, mas achou que estava bem e desistiu de tomar os remédios. Durante os ensaios da peça, ela viu os sintomas da doença voltarem, sobretudo a euforia.
"Eu fui a um shopping e em dois finais de semana gastei R$ 5.000. Você não consegue se controlar, é desesperador", conta Mirna.
"O musical me ajudou a tomar mais consciência da minha doença." Ela retomou o tratamento.
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