Cientista mineira revela que papel
cardioprotetor do estrógeno antes da fase final do ciclo menstrual é
alterado em mulheres com diabetes. Estudo pode indicar novos tratamentos
Bruno Freitas
Estado de Minas: 08/04/2013
Mulheres
diabéticas na pós-menopausa que sofrem de alterações cardíacas poderão,
num futuro não muito distante, desfrutar de novos métodos de tratamento.
Tese de doutorado desenvolvida por pesquisadora mineira revela que o
papel cardioprotetor que o hormônio estrógeno exerce antes da menopausa –
período fisiológico dos 45 aos 55 anos que encerra os ciclos menstruais
e ovulatórios – é afetado em pessoas do sexo feminino portadoras da
doença crônica marcada por altas taxas de açúcar no sangue. O estudo,
desenvolvido em duas fases, na Wake Forest University, na Carolina do
Norte (Estados Unidos), e na Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), ajuda a explicar quais são os mecanismos envolvidos com as
chamadas injúrias cardíacas produzidas pelo diabetes, como hipertensão
arterial e a maior chance de infarto do miocárdio.
“Diversos
efeitos colaterais surgem na mulher durante a pós-menopausa. Mesmo
quando é feita a reposição hormonal, ainda não há garantia de efeitos
benéficos, tanto no sistema cardiovascular, como nas chances de
desenvolvimento de câncer de mama e de útero. A partir da pesquisa,
conseguimos observar que podemos atenuar e reverter alguma dessas
alterações. Obesidade e hipertensão estão diretamente ligadas ao
diabetes”, aponta a pesquisadora Nívia Santiago, que se debruçou sobre o
projeto por três anos, no Programa de Pós-Graduação em Ciências
Biológicas – áreas de fisiologia e farmacologia – da UFMG, tendo sido
orientada pela professora Maria José Campagnole-Santos.
Valendo-se
da observação de dois modelos de ratas de laboratório distribuídos em
quatro grupos, Nívia focalizou o GPR30 – um dos três receptores de
estrógeno catalogados – e um de seus ligantes, o G1, como aquelas que
podem ser consideradas as principais fontes na criação de medicamentos
que reduziriam os efeitos colaterais provocados por terapias de
reposição hormonal. “O G1 pode nos ajudar a entender melhor os
mecanismos envolvidos com as ações do estrógeno no sistema
cardiovascular.”
A oportunidade de abordar o impacto do diabetes
nas alterações cardíacas em mulheres, tema ainda pouco explorado, surgiu
quando a pesquisadora iniciou seu doutorado sanduíche na universidade
norte-americana, em 2010. Na época, o papel cardioprotetor do estrógeno
já vinha sendo avaliado por cientistas da Wake Forest University, mas
eles ainda não abordavam a questão da doença. Nívia considera o tema
complexo, e os dados existentes na literatura conflitantes, uma vez que
há posicionamentos distintos sobre a validade da reposição hormonal. “O
interesse também veio de um modelo de rato que já apresentava uma maior
sensibilidade ao estrógeno e o fato de a literatura científica ser
conflitante”. Enquanto alguns estudos consideram positiva a reposição
hormonal, outros questionam seus efeitos, particularmente os associados
ao sistema cardiovascular. “Não se sabe exatamente se o estrógeno tem de
fato um efeito protetor”, destaca. Ao ressaltar a importância de
pesquisas sobre o tema, a pesquisadora sustenta que 75% dos diabéticos
morrem devido a incidentes cardiovasculares e 30% dos portadores de
diabetes tipo 1 têm cardiomiopatia diabética.
Em laboratório, a
cientista mineira trabalhou com modelos de animais modificados
geneticamente ou não, distribuídos em grupos: ratas controle (com
ovários intactos, sem intervenção); ratas diabéticas; ratas submetidas à
remoção cirúrgica dos dois ovários (ovariectomia); e ratas diabéticas e
submetidas à remoção cirúrgica dos dois ovários. “A partir da questão
da diabetes e o papel protetor do estrógeno na doença, primeiro fiz a
ovariectomia das ratas. Ao compará-las com os animais que não passaram
pelo procedimento cirúrgico, consegui enxergar a participação do
estrógeno no diabetes. A outra intervenção foi a indução do diabetes,
por meio de injeção intraperitoneal de um composto chamado
estreptozotossima que tem afinidade com as células produtoras de
insulina, destruindo-as e criando um quadro de diabetes tipo 1”, explica
Nívia. Ao todo, foram usadas 50 cobaias nos Estados Unidos e outras 50
no Brasil.
Os dados obtidos pela pesquisa apontaram que o
diabetes simula uma situação de ovariectomia, como se o diabetes
alterasse a produção e a ação do estrógeno no organismo da mulher. “O
aumento da pressão arterial, de fibrose e de hipertrofia cardíaca num
dos quatro grupos de animais revela que eles estão desenvolvendo um
quadro de cardiomiopatia diabética, ou seja, um coração doente. Acredito
que minha pesquisa, ao introduzir o ligante G1, possa contribuir com a
medicina ao atenuar e reverter alguma dessas alterações. Com isso, vejo
uma nova possibilidade de tratamento para mulheres diabéticas na
pós-menopausa que tenham alterações cardíacas.”
Apenas em
2012, o diabetes afetou 370 milhões de pessoas no mundo, somando mais de
13 milhões no Brasil, um dos 10 países com maior prevalência da
enfermidade, segundo o Diabetes Altas’2012. Parte da tese de
doutoramento de Nívia Santiago foi apresentada em congressos nos Estados
Unidos. O próximo passo, afirma ela, é publicá-la. “O G1 é bem
preliminar, mas está envolvido com esse processo. Para o medicamento ser
desenvolvido, porém, ainda falta ir para a parte clínica, o que demanda
tempo", finaliza.
O que é o estrógeno?
Hormônio
feminino produzido a partir da adolescência que age sobre a anatomia,
células e o comportamento. É produzido pelo folículo ovariano em
maturação e está relacionado ao desenvolvimento do corpo feminino, a
textura da pele e o equilíbrio entre as gorduras no sangue o colesterol.
Durante a gestação, a quantidade de estrógeno aumenta, estimulando o
crescimento do útero e glândulas mamárias, além de promover um
relaxamento dos ligamentos pélvicos, ossos pélvicos e sínfise púbica.
Palavra de especialista
Achado é muito interessante
Orlando Otávio de Medeiros
presidente do Departamento de Cardiologia da Mulher
da Sociedade Brasileira de Cardiologia
“Eu
diria que este é um achado muito interessante, porque a mulher tem a
proteção do hormônio feminino na pré-menopausa. A medicina sabe que o
diabetes envolve hoje uma questão muito importante, que é o risco
cardiovascular. O perfil lipídico que o diabético induz é um fator
heterogêneo que contribui para o risco de doenças cardíacas. Se toda a
tese estiver adequada do ponto de vista metodológico, é um dado
importante para o desenvolvimento de medicações. Não me lembro de nada
confrontando a proteção do hormônio e o diabetes na literatura. O
trabalho tem a virtude de abordar o assunto e o mérito de ter feito a
avaliação, o que por si só é um dado muito interessante. Resta agora
saber os fatores prós e contras desse confronto.”
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