Diante da questão de Hamlet, "ser ou não ser, eis a questão", a resposta talvez seja "não ser". Deprimir-se ou resistir?
Dias assim, melhor dormir. Mas, como a vida continua, insistimos. Um tratado de "Crítica da Razão Deprimida" deveria começar pela descrença na democracia.
Como crer na democracia quando sabemos que a popularidade de nossa presidente é alta? Se o pastor Feliciano não tem o perfil para o cargo, tampouco ela o tem. Lembramos então do que dizia o líder inglês durante a Segunda Guerra, Winston Churchill: "Quando falo com os eleitores, duvido da democracia".
Por quê? Como "o povo" pode continuar crendo na economia quando ela já dá sinais de queda há algum tempo?
Claro, quem entre aqueles que vivem graças a bolsas famílias pode entender que uma mentalidade entre o varguismo e o comunismo (como a da nossa presidente e a do restante do PT, que continua na sua marcha para transformar o país num país comunista) não pode fazer nada pela economia do país? E, mais, que, se a economia vai para o saco, as bolsas também vão?
Claro, o problema é que na democracia dependemos da maioria, e esta é quase sempre estúpida. Sei que muitos não concordam com essa ideia e, mais do que isso, entendem que há algo de "sagrado" na sabedoria do povo.
Mas, sei também que quem afirma isso, conhecendo um pouco de história, o faz por má-fé, ou simplesmente, por mais má-fé ainda. Temo que esteja sendo redundante, mas a redundância é uma vantagem evolutiva em meio às obviedades contemporâneas.
Outra coisa que me faz suspeitar de que os deprimidos têm razão me ocorre quando ouvimos gente supostamente inteligente falar coisas como "a comunidade internacional decidiu X". O que vem a ser isso mesmo? Onde ela se encontra? Na ONU? Esta estatal internacional mais corrupta do que a república da banana? A ONU é uma mistura de circo com mensalão. Um cabide de emprego para países de Terceiro Mundo.
Como crer em quem crê numa "comunidade internacional"? A "comunidade internacional" só funciona quando tem interesses comerciais em jogo. E olhe lá.
Qualquer decisão da "comunidade internacional" no âmbito moral (como, por exemplo, a partir de hoje estão proibidas a fome, a tortura, a violência contra os mais fracos) é tão séria quanto a declaração de que Papai Noel deve existir porque, do contrário, estamos indo contra o direito à fantasia infantil.
Imagino que os neandertais que são contrários à publicidade infantil concordariam com uma ideia boba como essa.
Mas, é claro, toda vez que alguém diz acreditar na "comunidade internacional" não o faz por ingenuidade, mas, sim, porque este alguém ganha algo com isso, mesmo que seja apenas fama de bonzinho.
E a decisão britânica de criar um órgão do governo para censurar a mídia? Claro, dirão os mesmos que acreditam na "comunidade internacional" que a mídia deve ser "impedida" de circular ideias preconceituosas e ideologicamente perversas.
O caso britânico -resultado da baixaria de alguns "funcionários excessivos" determinados de um jornal específico- não justifica a criação deste órgão fascista para controlar a mídia.
Deduzir a necessidade de controle da mídia do fato de alguns jornalistas terem colocado escutas na vida de cidadãos é como decidir colocar câmeras em todas as salas de aula porque existe risco de abusos por parte de professores e alunos.
O grande erro histórico foi não perceber que a vocação fascista não era um traço só de Mussolini e Hitler, mas sim de todas as propostas de que a política e a educação sejam irmãs gêmeas, ou, dito de outra forma, de que a "política deva fazer moral".
Esta ideia é típica da tradição política contemporânea baseada na premissa de que a política deve "construir um homem melhor". Neste sentido, a esquerda é absolutamente fascista e, como ela venceu na cultura, na educação e nas ciências humanas como um todo, não há esperanças.
É impressionante como "os bonzinhos" de uns dias para cá foram tomados por um amor meloso pelas suas empregadas domésticas. Seria isso uma forma de atestar pureza racial (desculpe, moral) para a burocracia fascista de nossos dias?
Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".
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