segunda-feira, 8 de abril de 2013

Chalita pagou R$ 1 mi por biblioteca nunca entregue

folha de são paulo

Inquérito reexamina negócio feito pela Secretaria da Educação em 2004
Ministério Público e governo buscam meio de reaver dinheiro repassado a empresa estabelecida em Miami
DANIELA LIMAMARIO CESAR CARVALHOJOSÉ ERNESTO CREDENDIODE SÃO PAULONa época em que chefiava a Secretaria Estadual da Educação, o deputado federal Gabriel Chalita (PMDB-SP) pagou R$ 1,1 milhão por uma biblioteca digital que jamais foi entregue. Quase uma década mais tarde, as autoridades ainda procuram uma maneira de recuperar o dinheiro.
O negócio foi feito em 2004, quando Chalita era secretário de Geraldo Alckmin (PSDB), chegou a ser alvo de duas investigações paralelas dentro do governo. Uma delas foi enviada ao Ministério Público, que apura os prejuízos.
Chalita também é investigado em 11 inquéritos desde outubro do ano passado, quando um ex-colaborador foi ao Ministério Público para acusá-lo de cobrar propina de empresas que vendem para a Secretaria da Educação. Ele nega as acusações.
Em valores da época, a biblioteca digital custou R$ 690 mil e foi paga de uma vez só, apenas três dias depois da assinatura do contrato. O dinheiro foi repassado a uma empresa de Miami, a E-Libro, numa transação intermediada pela Unesco, o braço da Organização das Nações Unidas para educação e cultura.
A aquisição foi feita com base num acordo de cooperação que Chalita assinara com a Unesco para viabilizar investimentos de R$ 148 milhões no programa Escola da Família, que previa a abertura de algumas escolas estaduais nos fins de semana. A biblioteca, porém, não tem relação com esse programa.
Por ser um braço das Nações Unidas, a Unesco não pode ser processada no Brasil. A E-Libro também não, porque fica em Miami e não tem representação no Brasil.
Chalita diz que a biblioteca não foi para frente por culpa de sua sucessora, Maria Lucia Vasconcelos. A Unesco diz que houve problemas técnicos, solucionados em 2006, e também atribui o fracasso ao desinteresse da secretaria.
A biblioteca permitiria que os professores lessem no computador quase 40 mil obras de ficção e não-ficção em inglês, 4 mil em espanhol e só 400 livros em português.
Técnicos da secretaria que investigaram a compra concluíram que ela era desnecessária, porque o governo já tinha uma biblioteca digital.
A investigação aponta que a E-Libro não conseguiu entregar uma tradução para o português do programa que ensinava a usar o sistema. Técnicos perderam mais de um ano para refazer a tradução.
A compra da biblioteca foi autorizada por dois dos principais assessores de Chalita, segundo a investigação: Paulo Barbosa, seu secretário-adjunto e hoje é prefeito de Santos, e Cristina Cordeiro, chefe do Escola da Família.
A investigação mostrou que havia pressa. Em e-mail enviado no início do processo a um departamento encarregado de examinar a proposta, Barbosa escreveu: "Segue nesta mensagem o site da E-libro para sua análise. Precisamos de uma resposta imediata".
O departamento sugeriu que pedissem uma apresentação "mais detalhada" do produto, mas Barbosa contrapôs: "Já está autorizado, precisamos agilizar isso".
O então diretor da Unesco no Brasil, Jorge Werthein, chegou a ser recebido na secretaria com um dos sócios da E-Libro. Um mês após o início do Escola da Família, Werthein levou Chalita para falar da experiência na sede da Unesco, em Paris. No ano seguinte a organização premiou-o pelo programa.

    OUTRO LADO
    Deputado diz que não há suspeita sobre sua atuação
    DE SÃO PAULOApesar de ser um dos investigados no inquérito, o deputado Gabriel Chalita (PMDB-SP) disse em nota que "nenhuma conduta, ação ou omissão" sua é objeto de apuração no caso da compra da biblioteca digital.
    Segundo Chalita, o projeto não foi para frente por decisão da secretária que o sucedeu, Maria Lúcia Vasconcelos.
    Chalita afirmou que o atraso inicial ocorreu por causa de incompatibilidade tecnológica e por dificuldades na tradução do programa que ensinava a usar o sistema.
    O prefeito de Santos, Paulo Barbosa, então braço direito de Chalita, disse que "a contratação da E-Libro foi feita diretamente pela Unesco" e que "as ações de implementação, execução e acompanhamento do projeto nunca foram atribuições do ex-secretário-adjunto."
    A Unesco afirmou que a biblioteca não foi implantada por decisão da secretaria. A organização reconheceu problemas técnicos no início, mas disse que eles foram solucionados em 2006, segundo carta que a própria secretaria teria enviado. A Folhapediu para ver o documento, mas a Unesco afirmou que não conseguiria encontrá-lo.
    Victor Torrecilla, gerente da E-Libro em Miami, diz que a biblioteca foi entregue. "Entregamos um link, não um produto." Segundo ele, o sistema é usado em mil universidades nos EUA. "Se funciona em todas as universidades dos EUA, por que não em São Paulo?"
    Jorge Werthein afirmou que não se recorda do caso. A Folha não conseguiu falar com Maria Lucia Vasconcelos e Cristina Cordeiro.

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