Pesquisadores conseguem pela primeira vez
erradicar o citomegalovírus latente de células humanas infectadas. O
micro-organismo está presente em 80% da população
Bruna Sensêve
Estado de Minas: 12/04/2013
O citomegalovírus
humano (HCMV) pertence à família dos herpesvírus, e, como seus
similares, está de forma latente na grande maioria da população mundial
adulta. Estima-se que esse percentual atinja entre 60% e 90%. Mais
perigosa que doenças como a catapora e o herpes, a citomegalovirose pode
levar à morte em pouco tempo quando se manifesta em indivíduos que
estão com o sistema imunológico comprometido, como recém-transplantados,
pacientes com Aids ou submetidos a sessões de quimioterapia. A
letalidade não é a única preocupação. Os vírus dessa família, uma vez
hospedados no organismo, não são mais removidos. Essa latência foi o
objeto de pesquisadores liderados por Michael Weekes, da Universidade de
Cambridge, no Reino Unido. Ao investigarem como o HCMV se mantinha
presente, mesmo sem manifestação, nas células humanas, eles acreditam
ter descoberto uma maneira de erradicá-lo do corpo.
Os
experimentos foram detalhados na edição de hoje da revista científica
Science. Inicialmente, Weekes e sua equipe usaram células humanas
cultivadas em laboratório para compreender quais seriam as diferenças
moleculares entre as estruturas infectadas pelo HCMV e as que não
tiveram contato com o micro-organismo. Por meio de técnicas modernas que
permitem estudar quantitativamente as proteínas expressas nas células,
os pesquisadores perceberam nas estruturas infectadas uma baixa
quantidade da proteína MRP1.
“Essa proteína fica normalmente na
membrana da célula, é o que chamamos de transportadora. Ou seja, ela é
uma das responsáveis por retirar substâncias tóxicas invasoras,
levando-as para fora do ambiente celular”, esclarece a chefe do
Departamento de Virologia do Instituto de Microbiologia Paulo Goes, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luciana Jesus da Costa.
Nas
células infectadas, os cientistas perceberam também a presença
abundante de uma proteína originária de informações do código genético
viral. Aos ser infectada por um vírus, a célula passa a armazenar
informações genéticas do micro-organismo, que começam a evidenciar as
proteínas, mesmo enquanto em estado de latência do vírus. O papel dessas
proteínas produzidas continuamente pelas células infectadas não é muito
bem conhecido pela comunidade científica, mas imaginava-se que elas
participem do processo de manutenção da latência do vírus.
A
grande surpresa dos cientistas foi descobrir que os dois processos se
relacionavam. “Eles viram que a presença da proteína usada pelo vírus
para ficar latente é o que faz com que a proteína da própria célula
(MRP1) não seja mais produzida. A proteína do vírus leva à destruição de
uma proteína da célula do hospedeiro, mesmo que em latência”, explica
Luciana.
Weekes e sua equipe partiram, então, para uma hipótese.
Se a célula que tem o vírus em latência não tem a proteína
transportadora que a defende do “ataque” de substâncias tóxicas, é
possível que, ao injetar essas substâncias, a célula infectada não
consiga se defender e morra. Para comprovar essa teoria, eles
depositaram uma droga tóxica na células infectadas, que, como imaginado,
morreram. “O grande significado disso é que se você quiser eliminar do
organismo as células que têm esse vírus em latência, é possível fazer um
tratamento com uma droga com esse efeito”, diz Luciana.
Testes clínicos Mesmo
que a pesquisa tenha sido realizada em nível molecular, a professora da
UFRJ acredita que os testes clínicos para esse procedimento podem estar
próximos. “Ainda é um pouco cedo e preliminar, mas, de repente, o
custo/benefício justifica levar isso para um ensaio clínico. Uma
porcentagem até razoável de pacientes morre em consequência da
reativação desse vírus”, diz. Presidente da Sociedade Brasileira de
Infectologia, Marcelo Simão destaca que a busca por técnicas de remoção
do vírus latente é importante justamente devido às complicações sofridas
por pacientes imunossuprimidos – com o sistema imunológico
comprometido. “No caso de doenças graves que necessitem de quimioterapia
ou de um transplante, ele (o vírus latente) reativa, causa a doença e
pode matar o hospedeiro. Na Aids, é devastador, causando lesões no tubo
digestivo, nervoso, nas glândulas suprarrenais, no fígado, no pulmão.”
Simão
alerta que não são só os indivíduos com o sistema imunológico
comprometido que sofrem com a manifestação da doença. Pessoas que não
têm esse problema podem apresentar os sintomas da forma benigna da
citomegalovirose: dor de garganta, aumento do gânglios linfáticos e do
baço, além de uma leve hepatite. “Isso dura cerca de quatro semanas ou
um pouco mais. Para esse caso, não fazemos tratamento porque é uma
doença autolimitada, que vai desaparecer naturalmente sem precisar
tratar.”
O tratamento com drogas específicas para combater a
multiplicação do vírus é indicado apenas para pacientes
imunossuprimidos. A droga é capaz de frear a reativação viral, mas não
chega a erradicar o microorganismo do corpo do indivíduo. “A maioria dos
pacientes responde bem à medicação, pelo menos temporariamente. Claro
que, se a deficiência imunológica do paciente persiste, ele pode voltar a
reativar a doença mais uma vez”, diz o infectologista.
Contágio
A
maior parte da transmissão do citomegalovírus humano (CMV) ocorre por
via sexual. A estimativa é de que 80% da população chegue aos 30 anos de
idade já infectada. O micro-organismo também pode ser transmitido de
forma congênita, isso é, a mãe portadora contamina o filho durante o
parto ou pela placenta. “Quando ele entra no organismo, alguns podem ter
a doença aguda com febre, mas, na maior parte das vezes, não acontece
nada. A pessoa se contamina e nem sabe”, explica Marcelo Simão,
presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Sintomas inexistentes
Segundo a
professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) Marise Oliveira Fonseca, o citomegalovírus humano (HCMV)
não é o único conhecido por sua latência dentro do organismo hospedeiro.
Existem outros micro-organismos que são latentes, como a bactéria
Mycobacterium tuberculosis e o protozoário Toxoplasma gondii, que
causam, respectivamente, a tuberculose e a toxoplasmose.
Esse
período de latência significa que eles estão dentro das células, mas não
causam sintomas ou manifestam a patologia, porque entram em equilíbrio
com o corpo do hospedeiro. “Eles conseguem entrar em contato com o
vírus, o protozoário ou a bactéria e impedir o desenvolvimento de
doenças. Ou então, às vezes, as pessoas até manifestam a doença, mas o
sistema imunológico consegue combater a infecção”, explica Marise.
O
mesmo não ocorre quando o indivíduo tem alguma deficiência no sistema
imune. Nessa situação, o vírus pode reativar. “É o que ocorre em pessoas
portadoras do HIV. Ela teve contato na infância com o citomegalovírus
humano, mas quando a Aids se manifesta, a defesa diminui e a pessoa
perde a força do sistema imunológico. O vírus, então, reativa a doença.”
Durante a latência, agente infeccioso e hospedeiro estão em um certo
equilíbrio. A imunossupressão faz com que o vírus tenha mais força e
espaço que o sistema imunológico do hospedeiro. O HCMV pertence à
família do herpesvírus, assim como a catapora, o herpes simples, genital
e zoster. Uma característica desse grupo é que uma vez no organismo ele
nunca é removido. (BS)
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