sexta-feira, 12 de abril de 2013

Filme de Alan Resnais dribla de novo espectador

folha de são paulo

CRÍTICA - DRAMA
"Vocês Ainda Não Viram Nada" mostra mudanças pelas quais um texto teatral passa conforme a interpretação
INÁCIO ARAUJOCRÍTICO DA FOLHAEm Alain Resnais, pensamos normalmente como o cineasta do tempo. O que é verdade, mas não toda. Desde o início, o espaço é dimensão privilegiada de seu trabalho.
Em "Hiroshima, Meu Amor" há o espelhamento Japão/França em torno da Segunda Guerra. Em "O Ano Passado em Marienbad", o teatro é o lugar de desdobramento da trama amorosa. Em "Smoking/No Smoking" a repetição (ou alteração) das séries de ações é central. Em "A Vida É um Romance", o confinamento dos personagens num mesmo cenário (um castelo) é decisivo.
Por isso mesmo, de "Vocês Ainda Não Viram Nada" seria possível dizer, de saída, que, sim, já vimos mais ou menos tudo. Resnais, porém, consegue novamente driblar e entortar seu espectador.
Aqui, tudo começa pela voz que convoca vários atores para a leitura do testamento de um famoso dramaturgo, em uma de suas propriedades. Atores que representaram suas peças no passado agora devem opinar (dirá o autor em imagens gravadas) sobre um grupo de jovens que pretende montar novamente uma de suas peças.
A peça é a "Eurydice", de Jean Anouilh, um dramaturgo hoje meio de escanteio, conhecido sobretudo por suas transposições de tragédias clássicas.
A representação em vídeo é a deixa para que os atores convidados repitam as mesmas cenas, para que os espaços se desdobrem, para que o cenário original (a sala da propriedade do dramaturgo) se torne cenário (mental, real?) da representação.
O que não exclui o material gravado pelos jovens atores, esse espelho do tempo que passa e nos traga. O cenário se desdobra. O autor prepara tudo para que sua morte e sua eternidade coincidam.
Se Resnais não consegue todo o tempo manter a atenção do espectador ligada, é menos pelas repetições (ao contrário, é uma delícia observar as transformações por que passa um texto conforme a interpretação que lhe é dada) e mais pelos diálogos da peça de Anouilh.
Talvez seja o lado "qualité française" de Resnais (do qual ele nunca esteve de todo isento) que presida este reencontro com o também roteirista dos anos 1940 e 50 (escreveu o notável "Pattes Blanches", de Jean Grémillon).
Pois, assim como Antoine d'Anthac, (o dramaturgo que convida os atores para seu funeral), talvez se eternize na imagem que deixa gravada.
Será essa uma maneira de se projetar para a eternidade, de sobreviver à própria morte? (E nessa hipótese, podemos nos remeter, outra vez, a Alain Resnais, cineasta do tempo...)

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário