Nova versão de Bonitinha, mas ordinária chega às telas com direção de Moacyr Góes
Mariana Peixoto
Estado de Minas: 24/05/2013
“O
mineiro só é solidário no câncer.” Frasista de mão cheia, Otto Lara
Resende (1922-1992) tem nessa sua frase mais famosa. A ironia é que
nunca foi comprovado realmente ter sido o escritor de São João del-Rei o
autor. Foi Nelson Rodrigues (1912-1980) quem a atribuiu a Otto em um de
seus textos mais conhecidos, Bonitinha, mas ordinária, ou Otto Lara
Resende. Levada para a posteridade, a afirmativa “do Otto” é proferida
incontáveis vezes por Edgard, anti-herói de Bonitinha, mas ordinária,
que ganhou sua terceira versão para o cinema.
Agora dirigida por
Moacyr Góes, a história, que estreia hoje em todo o país, gira em torno
do triângulo amoroso formado por um rapaz humilde (Edgard, vivido por
João Miguel) que recebe a proposta de se casar com a filha do patrão
(Maria Cecília, interpretada por Letícia Colin), jovem de 17 anos que
foi estuprada por cinco homens. Ele aceita pelo dinheiro, apesar de
gostar de sua vizinha (Ritinha, Leandra Leal), tão pobre quanto ele. As
hesitações do personagem, bem como o que está por trás da proposta de
casamento e da vida das figuras femininas, movem a narrativa.
Góes,
que tem trabalhado constantemente no universo rodriguiano (já encenou,
no teatro, montagens de Bonitinha..., Toda nudez será castigada, Os sete
gatinhos e estreia, em julho, A falecida), transpôs para os dias de
hoje a história. A primeira cena mostra o estupro de Maria Cecília, que,
ao som de Marcelo D2, é violada numa favela carioca. Mesmo atualizando o
contexto, pouco mexeu no texto original. “Suprimi umas cenas, inventei
outras que não contêm texto, fragmentei algumas para que não houvesse
sequências longas demais”, afirma.
O filme foi rodado em 2009 e
está pronto desde 2011. A estreia, dois anos depois, de acordo com Góes,
deveu-se a “questões de produção e de mercado de lançamento”. Para o
diretor, mais importante do que a sexualidade, o que vem à tona no texto
é mais profundo. “A essência de Bonitinha... é a crítica de valores,
coisa que a gente vive muito hoje. A obra do Nelson é muito cercada por
preconceito e há uma grande caricatura dele por conta do erotismo. Mas
de uma maneira geral sua obra gira em torno da questão ética. Ele era um
cara conservador, e não há neste termo nenhuma crítica, mas ele estava
pensando mais na preservação dos valores, da honestidade. Isso me
encanta muito mais do que a sexualidade.”
Aura estranha
Do elenco, dois nomes já haviam encenado Bonitinha... no teatro sob a
direção de Góes: Leon Góes, que no palco fez Edgard e, no cinema, Dr.
Peixoto, homem que propõe o casamento armado a Edgard; e André Valli,
morto em 2008, aqui em pequena participação em seu último filme. “Sempre
tive muito claro que tinha que trabalhar com um elenco que soubesse o
que é a construção de um personagem, que pudesse estudar o universo de
Nelson”, continua Góes.
Para o papel de Maria Cecília, Letícia
Colin participou de audições ao lado de 50 garotas. A atriz, conhecida
do público infantojuvenil por meio das novelas teen Malhação e
Floribella, tinha somente 18 anos quando fez o filme. “A personagem é
muito polar, quase que médico e o monstro, o sonho de todo ator.” Para
ela, a grande dificuldade foi “falar o texto do Nelson, que tem uma
prosódia própria, num filme contemporâneo. Tive que fazer uma menina
crível, mas que não é muito convencional, pois carrega uma aura
estranha”, finaliza a atriz.
VERSÕES NA TELA
A
versão mais conhecida de Bonitinha, mas ordinária é de 1981. Dirigida
por Braz Chediak, a história é protagonizada por José Wilker, Vera
Fischer e Lucélia Santos, que vive Maria Cecília em uma de suas
interpretações mais conhecidas. Antes desta, a peça foi filmada em 1963
por Billy Davis, com Jece Valadão, Odete Lara e Lia Rossi nos papéis
principais.
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