Ministro revela que em 10 anos o Brasil
abriu 154 mil vagas, 36% a mais do que os formados. Em 2013, municípios
mineiros inscritos em programa federal só preencheram 26% dos postos
Tiago de Holanda
Estado de Minas: 24/05/2013
O Brasil
criou 147 mil vagas de trabalho para médicos nos últimos 10 anos, 36,7% a
mais do que os 93 mil formados no mesmo período, havendo uma carência
de 54 mil profissionais, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (Caged) divulgados ontem. E a discrepância deve se
acentuar até 2014, já que 26,3 mil postos seriam criados no Sistema
Único de Saúde (SUS), contra 2,4 mil novas vagas em cursos de graduação.
Os dados foram apresentados ontem pelo ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, durante encontro em Belo Horizonte.
Segundo ele, a
carência ajuda a explicar o fato de o governo ter contratado este ano
apenas 26,32% do contingente requisitado pelos municípios mineiros
inscritos no Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab),
destinado a atrair médicos para o interior e periferia de grandes
cidades.
As prefeituras mineiras apresentaram a necessidade de
1.512 médicos, mas conseguiram apenas 398. O índice foi inferior aos 32%
de pedidos liberados pelo governo para todo o Sudeste do Brasil, apesar
de Minas ter apenas 1,81 médico para cada 1 mil habitantes, taxa abaixo
da do Rio de Janeiro (3,44), São Paulo (2,49) e Espírito Santo (1,97),
segundo dados do próprio ministério. Em todo o Brasil, onde há 1,8
médico para cada 1 mil habitantes, 3,8 mil médicos foram admitidos, o
que representa 29,2% dos 13 mil solicitados. No país, 1.291 municípios
foram beneficiados, 182 deles em Minas. Os profissionais contratados
começaram a trabalhar em março.
O Provab oferece uma bolsa mensal
de R$ 8 mil aos participantes, que devem cumprir 32 horas semanais de
atividades práticas nas unidades básicas de saúde e oito horas semanais
de curso de pós-graduação em saúde da família com duração de 12 meses.
Eles são supervisionados por instituições de ensino e os bem avaliados
recebem bonificação de 10% no exame de residência médica. Apesar do
incentivo, houve apenas 9 mil inscritos.
ESTRANGEIRos Alexandre
Padilha reconhece que locais distantes dos grandes centros urbanos têm
dificuldade em atrair e manter médicos. “É preciso investir cada vez
mais na estrutura das unidades de saúde”, disse o ministro.
O
ministro explicou que o Provab incentiva também a melhoria da
infraestrutura dos centros de saúde. “O município que quis médico teve
de pegar recursos do ministério para reformar, ampliar ou construir suas
unidades. Vamos estabelecer esse mesmo critério para os municípios que
queiram participar do programa de atração de médicos estrangeiros”,
afirmou Padilha, fazendo referência à controversa proposta do governo de
estimular a vinda de profissionais de outros países para o Brasil.
CARÊNCIA O
ministro defendeu também que a carência de médicos em algumas regiões
pode ser combatida com a criação de mais cursos de graduação no
interior. “Precisamos dar oportunidade para o jovem do interior poder
fazer uma faculdade de medicina. É essa população que vai se comprometer
cada vez mais a ficar no interior e nas periferias”, argumentou. Ele
quer ainda que esses locais ofereçam planos de carreira mais atraentes:
“O ministério defende que existam carreiras regionais como estímulo para
fixação do médico.”
Presente ao evento, o secretário de Estado
de Saúde de Minas, Antônio Jorge de Souza Marques, elogiou o Provab. “Em
Minas 190 municípios deriram. Fico muito satisfeito com essa resposta”,
disse. Ele considerou a possibilidade de que o estado tenha médicos em
quantidade suficiente, mas que estejam mal distribuídos. “Faltam médicos
ou uma equalização dentro do estado? É uma pergunta mais sofisticada,
que demanda estudos. As regiões mais carentes são o Norte e o Vale do
Jequitinhonha. Muitos prefeitos não conseguem fixar médicos pagando
salário de R$ 25 mil, pois o que importa muito para os profissionais são
as condições de trabalho. Muitos que vão para o interior sofrem com a
precariedade”, comentou.
Concentração na capital e desigualdade no interior
Minas tem
hoje 40.425 médicos e Belo Horizonte concentra 38,9% do total, ou
15.762, segundo pesquisa do Conselho Federal de Medicina. Dirigentes de
entidades da categoria descartam a hipótese de que a desigualdade seja
motivada pela falta de profissionais. A razão seria a precária
infraestrutura em cidades do interior. Eles não consideram o Programa de
Valorização da Atenção Básica (Provab) uma ferramenta eficaz contra o
problema.
“Vistoriamos todos os postos em Minas. Muitas unidades
de assistência básica não oferecem a mínima condição. Aqui em BH também
há muitos problemas, em bairros. No Norte de Minas, o índice de médicos
por habitante é baixo mesmo, mas não tem nada lá. O cidadão não vai
conseguir exercer o que aprendeu”, diz o presidente do Conselho Regional
de Medicina de Minas (CRM-MG), João Batista Gomes Soares.
Ele
critica a ideia de que a carência de profissionais em algumas regiões
possa ser combatida com a criação de cursos de graduação no interior,
defendida pelo ministro. “Em cidades do interior onde há escola de
medicina, a grande maioria dos estudantes vem de fora. Além disso, quem é
da cidade sabe que os hospitais são ruins e o médico vai procurar um
centro maior onde possa exercer medicina com qualidade”, alega Soares. O
presidente do CRM-MG desaprova o Provab. “Esse programa é um absurdo. O
médico vai para o interior recém-formado, sem a formação necessária.
Isso é dar ao pobre um profissional mal preparado. A população precisa
ter acesso a pessoal competente, étrico e correto.”
O presidente
da Associação Médica de Minas Gerais, Lincoln Lopes, reclama do programa
financiado pelo governo federal. “Os médicos vão e ficam o menor tempo
possível. Como são jovens e atuam em locais de pouca condição, ficam
expostos ao risco de serem processados por má conduta e erro médico.
Isso para depois conseguirem pontuação melhor na residência”, constata.
Ele questiona a ideia de que uma das possíveis soluções seria a criação
de mais cursos no interior. “A grande maioria das pessoas que vão
estudar lá não é da região e todo mundo sai para onde tem condições de
trabalho”, acrescenta.
Lopes não acredita que haja menos
profissionais que o suficiente. “O Brasil tem muitas escolas, a
quantidade de médicos que se forma é muito grande. Como estaria faltando
médico? O que acontece é que são extremamente mal distribuídos. Médico
precisa de estrutura de trabalho. Sem isso, é espectador privilegiado do
sofrimento humano. Ninguém aguenta isso”, observa.
MEMóRIA »
Altos salários em leilão
Em agosto de 2010, o
Estado de Minas mostrou como o desafio de fixar médicos tornava o dever
de garantir o direto universal à saúde cada vez mais difícil no estado.
Na tentativa de ter um profissional, as prefeituras da Grande BH abriram
um verdadeiro leilão, com oferta de salários de até R$ 17,5 mil.
Pesquisa do EM nas 34 cidades da região metropolitana revelou que, na
disputa, valia o “quem dá mais”, levando o médico a migrar de um local
para outro de acordo com a melhor oferta de salários e de condições de
trabalho. Mas, mesmo assim, havia unidades de saúde da família sem um
profissional havia vários meses. Fatores como distância, acesso e
pagamento em dia influenciavam na decisão de aceitar ou permanecer no
cargo. Na época, muitas especialidades estavam com o quadro incompleto
ou nem sequer existiam nos municípios. A campeã desse problema era a
ortopedia, seguida pela oftalmologia, pediatria, neurologia,
hematologia, endocrinologia, ginecologia e urologia.
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