sexta-feira, 24 de maio de 2013

Eduardo Almeida Reis-Motel II‏

Como é possível produzir, engarrafar, arrolhar, rotular, transportar e vender uma garrafa de vinho tinto por R$ 4? 


Eduardo Almeida Reis

Estado de Minas: 24/05/2013 

Como prometi ontem, voltei para contar que cinco dos meus colegas de trabalho mantinham no Leme, bairro carioca, pequena garçonnière num quarto andar. O aviso de que estava ocupada era dado aos sócios por uma toalha pendurada na janela. Um deles, imensamente gordo, chamava-se Gutenberg e se esqueceu de pendurar a toalha. Outro sócio, que me contou a cena, meteu a chave na porta e sua namorada foi entrando, cheia de amor para dar, quando trombou com o gordo, inteiramente nu, aos berros: “Não pode! Não pode!”.

Na Avenida Niemeyer, que também fazia parte do Circuito da Gávea de Fórmula 1, o Hotel Cardoso aceitava pares amorosos. Você deixava o carro na garagem dos fundos do prédio, passava pela portaria iluminada, recebia as chaves do apartamento e tomava o elevador. Nessas andanças, diversos casais se encontravam pelos corredores, no elevador, na garagem, na portaria. O senhor Cardoso, dono do estabelecimento, tinha conta no banco gerenciado por amigo meu, que encontrei às gargalhadas com o cartão recebido pelo Natal: “Por motivo de obras, não podendo receber seus amigos e clientes pela data máxima da cristandade, o senhor Cardoso vem por meio deste desejar-lhes Feliz Natal e Próspero Ano-novo”. E isso enviado pelo correio para as residências dos “amigos e clientes”, quase todos casados. Foi por esse tempo que a construção de motéis explodiu no Rio e noutras cidades deste querido país. No princípio, afastados do Centro e dos bairros familiares. Os donos desses estabelecimentos eram acusados de lenocínio, ação de explorar, estimular ou favorecer o comércio carnal ilícito, ou induzir ou constranger alguém à sua prática.

Saudoso amigo, advogado brilhante, defendeu-os na Justiça provando que não tinham o menor interesse na exploração do lenocínio. Acho que o negócio foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) e me lembro de que, com o dinheiro que recebeu dos donos dos motéis, o advogado comprou gleba de 20 alqueires na Barra da Tijuca, 1 milhão de metros quadrados, hoje um dos metros mais caros do Brasil. Visitei a gleba a convite e em companhia do advogado. Os 20 alqueires geométricos ficavam no areal pertinho do atual Barra Shopping.

Cidade-polo da Zona da Mata, Juiz de Fora exceleu no ramo, a começar pelo nome de um dos motéis: Cequissabe. Se Romeu pergunta a Julieta qual é o projeto daquela noite e ela responde “cê qui sabe”, é mais que meio caminho andado. Havia, também, um motel tão longe de JF que parecia ter sido feito para os moradores de Santos Dumont. Bairro de nome sugestivo: Barreira do Triunfo. Realmente, depois de saltar milhões de quebra-molas, hoje promovidos a traffic calming, quando o galã chegava à barreira era realmente era um triunfo. Motel curioso, porque o garçom entrava no quarto com a bandeja de comida e bebidas, para depositar a janta na mesa vizinha ao leito. Curioso, também, pelos dois chuveiros paralelos na melhor suíte, impedindo que o casal tomasse o indispensável banho junto, complemento de uma tarde de muito amor aos berros.


Vinho tinto
Faz tempo que a comadre pede um ou dois copos de vinho tinto para fazer um prato de carne. Não me passa pela cabeça a ideia de abrir um dos tintos que exornam pequena adega, todos presenteados por leitores, todos da melhor supimpitude. Ocorre que fui ao supermercado comprar uma garrafa de licor fino, depois de passar pela vergonha de não ter licor quando um amigo me pediu. Casal amigo, que revi depois de oito anos e fiquei feliz de saber que está muitíssimo bem de vida. Vibro com as vitórias das pessoas que me são caras. No supermercado, logo na entrada, encontrei um tinto à venda por       R$ 7,35. Isso mesmo que você entendeu: sete reais e trinta e cinco centavos cada garrafa, com rótulo de bom aspecto, rolha, essas coisas. Se o mercado está vendendo por R$ 7,35, deve ter comprado por R$ 4, no máximo. Daí a pergunta que faço ao leitor: como é possível produzir, engarrafar, arrolhar, rotular, transportar e vender uma garrafa de tinto por R$ 4? No dia da carne refogada no vinho, deve sobrar uma taça que pretendo provar. Sobrevivendo, dou notícia ao leitor.


O mundo é uma bola
24 de maio de 1337: início da Guerra dos Cem Anos, que, por sinal, durou 116. Em 1940, Igor Ivanovich Sokorsky realiza o primeiro voo bem-sucedido com um helicóptero monomotor. Em 1993, a Eritreia se torna independente. Considerando que ninguém sabe onde fica a Eritreia, informo que fica no Chifre da África e faz fronteira com o Sudão a oeste, a Etiópia ao sul e Djibouti a sudeste; tem cerca de 118 mil quilômetros quadrados e população estimada em cerca de 5 milhões de habitantes. A capital é Asmara. Hoje é o Dia da Infantaria, do Vestibulando, do Digitador, do Telegrafista e do Barista.


Ruminanças
“O povo é um débil mental. Digo isso sem nenhuma crueldade. Foi sempre assim e assim será eternamente” (Nelson Rodrigues, 1912–1980).

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