Valor Econômico - 24/05/2013
Presidente com alma de prefeita
Raymundo Costa, Mônica Scaramuzzo e Fernando Exman | De Brasília e de São Paulo
Valor Econômico - 24/05/2013 |
Eleita sob uma espécie de predestinação, a de fazer da Presidência um lugar para gerentes rigorosos, Dilma Rousseff viu-se cercada de expectativas de eficiência que seriam abaladas, sobretudo depois do "pibinho" de
2012. Seu estilo centralizador e impositivo está incluído nas críticas
que são feitas, também na Esplanada dos Ministérios, às suas qualidades como gestora - que ela mesma define como a de uma "prefeita", sempre atenta a detalhes e cobrando resultados. Entre empresários ouvidos pelo Valor, a capacidade de administração da presidente é reconhecida, apesar de certa inapetência para a delegação.
Muitos, no entanto, consideram sua equipe fraca.
Um dos principais integrantes do governo chegou animado à segunda reunião do ministério de Dilma Rousseff. Era janeiro de 2012. O primeiro ano de mandato da primeira mulher a ocupar a Presidência da República decididamente
não fora bom. Em maio, Dilma contraiu uma pneumonia e ficou mais
tempo que o esperado em recuperação. A doença a abateu. Dois anos
antes a presidente se submetera a um intensivo tratamento de um câncer linfático. Em junho, demitiu Antonio Palocci, ministro que deveria ser uma espécie de eminência parda na Casa Civil, dando início a uma sequência de outras seis demissões no ministério, no que ficou conhecido como "faxina ética". Para piorar as coisas, em 2011 o país teve um crescimento pífio, de 2,7% do PIB.
O auxiliar de Dilma matutava sobre essas coisas quando a presidente começou a falar. Aquela era a hora de deslanchar - pensou ele, ainda animado. As principais gavetas da República estavam abarrotadas de projetos para a área de infraestrutura, como as concessões de aeroportos, rodovias, portos e ferrovias. Mas, à medida que a "presidenta" falava ele foi "afundando na cadeira". Dilma disse que governaria "como uma prefeita" e anunciou a criação de um sistema de monitoramento de todos os programas do governo federal. Falara a "gerentona" da Casa Civil - a que gosta de mandar. Faltara o líder, aquele que convence e estabelece as grandes metas, como os "50 anos em 5" de Juscelino Kubitschek.
Em vez de deslanchar, como esperava o auxiliar e amigo de Dilma, 2012 foi o ano do "pibinho" - 0,9%. E a presidente começou a ser questionada como "gestora". Até o venerável "Financial Times", em editorial desta semana, chamou a atenção para o estilo centralizador e "mandão" da presidente. Na realidade, segundo apurou o Valor, a formatação celular, ao lado do estilo centralizador da presidente, é um dos motivos que travam governo, deixando-o vagaroso e pesado. Dois ministros ouvidos pelo jornal disseram que o governo é dividido em "células", no modelo da guerrilha, por razões de segurança. As informações são compartimentadas e muitas vezes uma célula não sabe o que a outra está fazendo.
O estilo "mandão" de Dilma era conhecido desde que se tornou ministra das Minas e Energia do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. Outros traços marcantes apareceram ou se
tornaram mais visíveis quando chegou à Presidência. "Eu sou a presidenta, eu posso", passou a ser frase rotineira em conversas com assessores próximos. Alguns pensavam, mas não diziam: "Pode, mas será que deve?".
Nos últimos dias, o Valor procurou 18 importantes empresários e altos executivos de grandes corporações do país. Dez concordaram em avaliar a presidente como gestora, oito sob a condição de anonimato. Administradora eficiente e perfil de liderança são qualidades que a colocariam no radar de "headhunters" para importantes cargos de comando em grandes corporações. Mas esses requisitos não são suficientes para bancá-la como uma grande gestora, como foi alardeado pelo PT. A competência da presidente não é colocada em dúvida, mas a de sua equipe sofreu um verdadeiro bombardeio dos empresários e altos executivos.
"Ela está cercada de pessoas medíocres, que não a questionam. Todo mundo morre de medo dela. Ela não tem humildade para escutar os outros. Não dá para ter 39 ministérios, 39 subordinados. Em uma empresa, esse modelo não funcionaria", disse um alto executivo de um banco de investimento. A imagem de pessoas centralizadoras hoje está muito associada a empresas de donos, fundadores de grandes grupos de primeira geração. "Fui muito centralizador, mas esse modelo não funciona mais. Tem que delegar e ouvir mais", disse um grande empresário do setor de infraestrutura e energia.
"Assim como uma grande empresa, seria interessante terceirizar funções e estabelecer metas para o alto escalão, cobrar resultados", disse Theo Van der Loo, presidente da Bayer no Brasil. Para Luiza Helena Trajano, presidente da Magazine Luiza, a presidente Dilma "possui um perfil técnico de gestão, administrando essa complexa máquina do governo em busca de resultados como uma empresa". Segundo a empresária, Dilma tem desafios como reformas necessárias ao país, organização de alianças, inflação, crise internacional e o de avançar no crescimento continuando com a distribuição de renda. "O modelo da máquina governamental emperra muitas das tentativas de administração mais ágil", disse.
Lula, na visão de um empresário da agroindústria, não era considerado um bom gestor, mas se cercou de pessoas competentes. "Ela não é cria política. Foi colocada pelo PT. É como se um empresário colocasse o filho na presidência. É como se ela tivesse pulado a fila".
"Uma pessoa que não delega, como é o caso dela, não faz os processos andarem. Isso não estimula equipes. Em uma empresa, por exemplo, esse modelo não permite o crescimento de pessoas. Já existe uma preocupação política para 2014. Se ela for reeleita no primeiro turno, vai exacerbar esse lado dela [autoritário]", afirmou um alto executivo de uma grande construtora. Sem a obrigação de buscar a reeleição, Dilma "vai tocar o terror", concorda um ministro.
Dilma parece ter ouvido as queixas dos empresários e abriu mais sua agenda. A bem da verdade, diga-se que Lula, quando os dois se encontraram em Paris, no fim do ano passado, sugeriu que a presidente conversasse mais com o setor privado. No início de 2012, ela havia pedido que investissem no país. Dilma convocara o encontro para "ouvir" os empresários. Falou cerca de 30 minutos, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, outro tanto e depois deu três minutos para cada empresário expor seu ponto de vista. Em um dos encontros, o único empresário a fugir das obviedades foi Joesley Batista, da JBF: "Estão dizendo que o problema todo é aqui em Brasília, que o governo não decide nada".
Em pouco mais de cem dias de 2013, Dilma esteve mais com empresários que nos dois primeiros seis meses de seus dois anos de:
Foram 36 audiências públicas e participação em eventos, segundo a sua
agenda pública. Em seis meses do ano passado foram apenas sete. Dilma
abriu mais sua agenda não só a empresários, mas também a políticos e
ministros. Isso foi logo associado à ideia da reeleição. Para o Palácio do Planalto, nada mais natural: o governo ficara virtualmente paralisado, entre julho e dezembro do ano passado, enquanto discutia as concessões de aeroportos, rodovias, energia elétrica, portos e ferrovias. Havia dias em que as reuniões demoravam até oito horas seguidas. Mas auxiliares de Dilma reconhecem que a centralização na Casa Civil não torna "mais ágil" o governo.
A demora para decidir
a que se referiu Joesley Batista é outro aspecto que ministros e
empresários criticam em Dilma. Até hoje, por exemplo, ela não indicou
um ministro para a vaga de Carlos Ayres Britto no STF. Ele se aposentou em novembro do ano passado. Ela já havia demorado quase três meses para indicar a ministra Rosa Weber. Não se pode dizer que a demora é regra para a escolha de ministros do Supremo: em apenas 18 dias ela indicou o ministro Teori Zavascki para a vaga aberta com a aposentadoria, no fim de
agosto - em pleno julgamento do mensalão - do ministro Cezar Peluso. A
mesma coisa ocorre em relação às agências reguladoras - Dilma levou
quase um ano para nomear o substituto do atual governador de Brasília, Agnelo Queiroz, para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Dilma reafirmou sua autoridade presidencial logo no primeiro ano de
governo. Herdara 15 ministros do antecessor, Luiz Inácio Lula da
Silva. No governo anterior, eram todos colegas. Agora, precisava dar
uma demonstração de que os tempos do governo Lula haviam passado, ela era a presidente e os ministros, seus subordinados. Hoje, a escolha parece óbvia: Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, e ministro da Defesa, era o candidato ideal.
Jobim já não era mais o colega que articulava com Guido Mantega, à época ministro do Planejamento, contra o poderoso ministro da Fazenda Antônio Palocci, mas agia como tal. E Dilma precisava deixar claro de uma vez por todas o "agora quem manda sou eu". É verdade que o estilo do ministro - muito parecido com o de Dilma - ajudou bastante a presidente. Em duas entrevistas em sequência, como se estivesse testando a autoridade de Dilma, o ministro declarou que votara em José Serra (PSDB) para presidente, que a ministra Ideli Salvatti era "muito fraquinha" e que a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, sequer conhecia Brasília.
"Você volte a Brasília que eu preciso falar com você", foi o recado curto que ele recebeu de Dilma quando se encontrava em Tabatinga (AM), na fronteira do Brasil com a Colômbia. O vice-presidente Michel Temer, que o acompanhava, completaria a agenda programada e depois deu carona de volta ao pessoal de Jobim que ficara em Tabatinga. O ministro escreveu a carta de demissão a bordo do avião da FAB, enquanto voltava para a cidade que Gleisi mal conhecia.
A demissão do ministro da Defesa não deixou de ser simbólica: demonstrou o gosto da presidente pelo exercício da autoridade. Outros traços de Dilma já eram conhecidos, como o centralismo, o detalhismo - quer saber tudo sobre todos os projetos - e a capacidade de deixar interlocutores ruborizados. Um deles diz que a "presidenta" - Dilma exige ser chamada assim - é bem informada, tem acesso a muita informação de governo e interesse pessoal de "estar por dentro". Lê muito. Dos jornais aos projetos de
governo que leva para o Palácio da Alvorada. A receita para o
ministro agendado para uma audiência, portanto, é saber do que ela já
está informada e falar só o que a presidente precisa saber.
Não é incomum Dilma interromper o interlocutor com frases do tipo "não quero falar disso" ou com perguntas sobre uma minúcia qualquer do funcionamento do ministério que o ministro evidentemente desconhece. Os empresários estão certos quando dizem que Dilma causa pavor aos auxiliares, inclusive ministros. Na realidade, alguns preferem enviar seus secretários-executivos para os despachos. É certo que Dilma às vezes até gosta, pois trata-se de
alguém que ela mesma pôs no posto - oficialmente, para ter uma visão
alternativa da pasta; na prática, um atento vigia dos atos do ministro
e, às vezes, do próprio ministro. Garibaldi Alves (Previdência
Social), de início se queixava de não ter o que fazer - tudo era tocado e formulado pelo secretário Carlos Bargas. Com o tempo, Garibaldi, ex-presidente do Congresso, se acostumou e parou de se queixar ao PMDB.
Prova do prestígio de certos secretários-executivos: com seu relacionamento desgastado com o secretário Alessandro Teixeira, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, amigo de guerrilha da presidente, queixou-se de que a convivência entre os dois tornara-se insustentável e o melhor seria a saída de Teixeira. Dilma concordou, mas parece não ter sido clara o suficiente, para Pimentel, que desejava
encontrar antes um outro lugar para o secretário. Apressado, Pimentel
assinou a exoneração e enviou o documento para a seção que trata de pessoal no Palácio do Planalto. Avisada, Dilma desautorizou publicamente o ministro e mandou devolver o ofício. Alessandro saiu. Mas quando Dilma quis.
O Valor apurou que o ministro José Eduardo Cardozo, por mais de uma vez, levou um projeto de um secretário do Ministério da Justiça para apresentar à presidente. E sempre voltou ao ministério com a mesma resposta a seu auxiliar: não falara do projeto com a presidente porque Dilma não dera abertura na conversa. Então, havia tratado especificamente do assunto pautado na agenda.
Cardozo, ex-deputado e um dos "três porquinhos" do comitê eleitoral de Dilma (os outros dois eram os também gordinhos José Eduardo Dutra e Antonio Palocci), ainda é um dos ministros com mais acesso a Dilma. Nos quase dois anos que passou na Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Moreira Franco esteve com ela apenas uma vez - levado pelo vice-presidente Michel Temer.
Brasília é uma cidade de
muros baixos e os congressistas não são propriamente conhecidos por
guardar segredos dos outros. O próprio Cardozo, conta-se no PT, foi
surpreendido por anúncios de medidas de defesa do consumidor feitos por Dilma no Dia da Mulher. Ele apenas havia comentado, numa audiência anterior, que estava trabalhando "em medidas na área da defesa econômica". Não tinha nada pronto.
No PMDB, Edison Lobão (Minas e Energia) costuma reclamar que não
consegue nomear ninguém para a pasta que dirige. Em conversas com jornalistas, é só amor: "A presidenta é uma pessoa extremamente competente, tem boa memória e não é exatamente centralizadora, como se diz. Apenas quer saber se o argumento do ministro é consistente".
O Código de Mineração levou nove anos sendo elaborado pelo ministério que, no governo Lula, foi comandado por Dilma Rousseff. Toda semana Lobão responde que "em 15 dias" o projeto será enviado ao Congresso. Isso, já há mais de
ano. Aliás, nesta semana, o ministério informou que o código estará
no Congresso nos próximos 15 dias. Segundo Lobão "as questões de concessões demoram porque têm que ser decididas com segurança".
O ministro exemplifica: quando foi criado o grupo de
trabalho para fazer o marco regulatório do Pré-sal, "pensávamos em
resolver tudo em três meses. Levamos três anos". Sempre que os
projetos ficam prontos, Dilma diz: "Vamos espancar a lei". Isso
significa esmiuçar cada artigo do projeto em busca de erros, contradições com a legislação existente, sua constitucionalidade. "Isso leva tempo", diz Lobão. É o que estaria acontecendo, no momento, com o programa para importar 10 mil médicos - 6 mil cubanos - que tanto aflige o ministério da Saúde. A Casa Civil ainda está "espancando a lei": qual tipo de visto será concedido aos médicos estrangeiros?
A boa memória não é um traço a que as pessoas costumam se referir quando falam de Dilma. Mas Lobão tem um caso. Numa recente reunião no Palácio do Planalto, a presidente lembrou e contou em detalhes um episódio ocorrido durante a discussão do Pré-sal. Lobão defendia a participação de 30% da Petrobras em todos os blocos licitados. O então presidente da estatal, Sérgio Gabrielli, queria uma participação de 5% para a empresa. A certa altura, Lobão interveio, provocando risos: "Poxa, parece que o único comunista aqui sou eu". Dilma foi guerrilheira; Gabrielli, é do PT, um partido de traço intervencionista.
A presidente também sabe recuar, quando isso é importante para atender seus interesses. É o caso da "faxina ética" de 2011, quando seis ministros - além de Jobim - perderam o cargo. Ela reintegrou ao governo até o PR, donatário do Ministério dos Transportes e alvo de muitas suspeitas.
Dilma avalizou a retomada dos aumentos dos juros (taxa Selic) com a mão direita e, com a esquerda, a desoneração de impostos de produtos da cesta básica. "Aparentemente, com a volta do aumento da taxa de juros pelo Copom e a disposição da presidente de ampliar os incentivos monetários e fiscais ao setor produtivo, poderá haver dois movimentos contraditórios: um do governo, acelerando, e outro, do Banco Central, puxando o freio de mão. Isso pode resultar em derrapagem", alerta Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Dilma também misturou a renovação dos contratos das concessionárias de energia elétrica com a redução da conta de luz. Foi criticada pelo empresariado e pelos governadores de Minas Gerais, São Paulo e Paraná, todos sob o comando do PSDB do senador Aécio Neves, seu provável adversário na eleição presidencial de 2014. Pura política.
Os três Estados não aderiram ao plano de Dilma de antecipar a renovação de
suas concessionárias no prazo por ela estabelecido. O Congresso, ao
votar a medida provisória, quis incluir uma prorrogação de 30 dias para a adesão dos Estados. Dilma não deixou. Além da questão política, havia um quê de revanche na atitude da presidente. Auxiliares mais próximos já observaram: Dilma guarda o rancor na geladeira. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) já provou desse veneno.
A CUT não apoiou as mudanças que a presidente fez na caderneta de poupança. Em retaliação, ela segurou até dezembro um projeto sobre a Participação no Lucro e Resultados (PLR) que interessava à entidade. E encarregou a ministra Gleisi de fazer o anúncio. Os sindicalistas estavam acostumados a se reunir com Lula e depois descer até a sala de imprensa para anunciar a medida acertada. Uma demonstração de prestígio que faturavam com seus dirigidos.
O movimento sindical está ressentido por Dilma "primeiro ter recebido o Trabuco e só depois os trabalhadores". Os sindicalistas referem-se ao encontro da presidente com o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, em janeiro último. Dilma não foi às comemorações do Primeiro de Maio deste ano. Em algumas delas apareceram faixas com os dizeres "Volta Lula". Feitos, segundo se diz no meio, por encomenda da Força Sindical.
"O processo de governo é muito ruim", diz um ministro que tem uma pilha de projetos sendo "espancados" na Casa Civil. Os empresários criticam os ministros e os ministros, com
raras exceções, criticam a Casa Civil da ministra Gleisi Hoffmann,
habitada, segundo eles, por técnicos jovens, inexperientes e, às
vezes, arrogantes. Não é raro um deles ligar para um ministro de Estado a fim de tomar satisfações sobre algum projeto. Constrangidos, os ministros respondem. Na época de Dilma, havia Teresa Campelo e Miriam Belchior. Elas faziam esse papel. As duas viraram ministras. Uma do Desenvolvimento Social e a outra, do Planejamento.
O estilo Dilma faz escola no governo. Em uma reunião recente entre
técnicos dos ministérios do Planejamento e da Integração Nacional,
discutia-se a liberação de verbas para municípios e a secretária-executiva do Planejamento, Eva Chiavon, mandou fazer a "transferência fundo a fundo", como se diz no governo. O pessoal da Integração Nacional achou por bem advertir que esse era um dos mais conhecidos focos de corrupção. "Manda para os municípios e os prefeitos que se expliquem depois aos tribunais de contas deles". Alguém advertiu que já não era bem assim hoje, como demonstram decisões do Tribunal de Contas da União, mas principalmente agora que o STF acatou a teoria do "domínio do fato" para condenar José Dirceu como mandante do mensalão. Eva não se deu por vencida e saiu-se com a frase que encerra muitas discussões: "A presidenta mandou".
Recentemente, o secretário-executivo de um ministério teve de largar a reunião do conselho de uma estatal vinculada, sediada no Rio de
Janeiro, para uma reunião em Brasília, chamado por um dos "meninos da
Casa Civil". Ele ainda tentou refugar, mas não teve outra saída
quando o rapaz rebateu: "A presidenta quer".
"A presidenta não se conforma com avaliações genéricas. Ela quer saber dos resultados, dos detalhes", diz a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. "Ela questiona, pede correções, reorienta. Isso é fundamental para o sucesso de um programa e de um projeto", explica. "Às vezes, até pode demorar um pouco mais. Mas ele é bem estruturado e dá resultado consistente. Não podemos ter projetos superficiais e genéricos para lançar e depois não ter sustentabilidade".
Segundo Gleisi, "essa característica da presidenta é fundamental. Ela sempre quer saber como estão os programas, chama os ministros, pergunta os dados, quer as informações de
execução, melhorias, resultados, intervém". Para a ministra da Casa
Civil, isso "é uma coisa muito positiva. Só dá certo porque ela
[Dilma] está cobrando". Para os críticos, é puro centralismo que
atrasa e trava o desenvolvimento do país, que hoje já não é mais "o queridinho" entre os Brics.
Formada politicamente na extrema esquerda, Dilma traz em sua "alma de prefeito" - como já se referiu a si mesma em discursos - muito do que apreendeu nos chamados anos de chumbo. "Ela sai (no governo) do intervencionismo de
esquerda para o mais puro liberalismo", tenta explicar um alto
funcionário próximo a Dilma. Na equipe econômica chama-se as escolhas de Dilma de "estilingadas", decisões que, depois de tomadas, batem num muro e voltam. Só um ano e meio depois de estar no comando do governo ela se convenceu de que o Estado brasileiro não está em condições de
investir e admitiu fazer as concessões. Ainda assim, tabelou por
baixo o lucro das empresas, no caso das rodovias. Voltou atrás, quando
percebeu que não daria certo.
Visto do Palácio do Planalto, o panorama não é tão ruim quanto pintam empresários insatisfeitos com o câmbio, banqueiros sem saber como trabalhar com juros baixos e ministros muitas vezes em busca de afagos. Três exemplos são citados como o início de uma mudança de humor dos investidores em relação ao Brasil: o sucesso das emissões feitas pelo Banco do Brasil Seguridade, da captação externa da Petrobras e a retomada das licitações de lotes para a exploração de petróleo e gás.
Eficiência e política, uma só receita
Fernando Exman | De Brasília
Em reunião convocada para analisar os indicadores do programa SOS Emergência, a presidente Dilma Rousseff interrompeu a apresentação que lhe era feita e pediu para a cúpula do Ministério da Saúde entrar imediatamente em contato com a direção de um dos hospitais que estavam em avaliação para entrar no programa. Dilma queria saber por que uma mulher continuava sentada numa sala de espera desde o início da reunião. Ela era filmada por uma das câmeras instaladas nos principais hospitais e aeroportos do país, e sua imagem era transmitida a um telão instalado no Palácio do Planalto e para os tablets dos gestores com acesso ao sistema de monitoramento criado pelo governo federal.
O retorno logo veio: a mulher já havia sido atendida pelo hospital, mas o familiar que deveria buscá-la estava atrasado. A presidente retomou a reunião, e a história passou a ser contada no Palácio do Planalto como um exemplo da fixação de Dilma por informações gerenciais que levem o Executivo a melhorar a qualidade dos serviços prestados e deem curso efetivo aos programas prioritários do governo.
Dilma prometeu melhorar a qualidade do gasto público em discurso que fez no dia de sua posse. Cerca de cinco meses depois, anunciou a criação de uma Câmara de Gestão, que contaria com a presença de empresários e seria presidida pelo presidente do conselho de administração do grupo Gerdau, Jorge Gerdau Johannpeter. O Movimento Brasil Competitivo (MBC), organização não governamental financiada pelo setor produtivo que já ajudara Estados e municípios a melhorar seus mecanismos de gestão, foi procurado e aderiu à iniciativa com a ajuda de consultorias privadas. O Sistema Informatizado de Monitoramento da Presidência da República (SIM-PR) é resultado desse esforço.
"Estamos construindo, no governo, uma cultura de monitoramento, estabelecimento de prazos, metas e resultados", disse ao Valor a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. "É uma obsessão nossa e os ministérios também estão fazendo isso, porque querem ser avaliados pelos seus desempenhos. Eles estão criando sistemas de monitoramento. Hoje, temos sistemas estruturados nos ministérios do Turismo, Esporte e Cultura. Estamos implementando nos ministérios das Comunicações e Trabalho, para monitorar convênios e contratos e acompanhar resultados."
Os trabalhos da Câmara de Gestão ganharam fôlego depois que o ex-ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, deixou o governo. Palocci, que concentrava a articulação política do governo, foi substituído pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) depois de denúncias sobre irregularidades na evolução de seu patrimônio. Dilma deu a Gleisi a missão de recolocar a Casa Civil no centro da gestão das ações do Executivo.
Desde então, Gleisi e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, procuram implementar no governo federal os principais pilares da boa gestão pública: definição de metas, formação e medição do desempenho de pessoal, meritocracia e monitoramento de resultados. Críticos do governo Dilma e do PT, entretanto, sustentam que o Executivo está longe de alcançar tais objetivos. São alvos preferenciais o que se entende como aparelhamento político da máquina pública, o desempenho do Programa de Aceleração do Crescimento e o ritmo, considerado lento, dos investimentos públicos em geral.
Segundo a organização não governamental Contas Abertas, que acompanha a administração pública, a execução do PAC registra aceleração desde o ano passado e fechou o primeiro quadrimestre de 2013 com a maior execução orçamentária para o período, desde seu lançamento. Nos quatro primeiros meses deste ano, foram executados 20,5% de um total de R$ 75 bilhões, aproximadamente, autorizados do orçamento da União para o PAC. O programa Minha Casa, Minha Vida foi o principal beneficiário. Nos cálculos da ONG, R$ 6,1 bilhões do que foi executado referiam-se a transferências ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), relacionado ao programa habitacional. O montante corresponde a 39,6% do desembolso total do chamado PAC Orçamentário. A maior parte das verbas liberadas decorre de restos a pagar, compromissos assumidos em anos anteriores que não foram quitados pelo governo.
Os críticos rebatem: os recursos do Minha Casa, Minha Vida não deveriam ser contabilizados como PAC, por se tratar de financiamentos e subsídios federais, e não investimentos. Desde 2009, R$ 153,6 bilhões foram desembolsados pelo governo federal no âmbito do programa habitacional, sendo R$ 68,3 bilhões em subsídios e R$ 85,3 bilhões em financiamentos. O Minha Casa, Minha Vida já entregou 1,1 milhão de moradias e contratou a construção de mais 1,3 milhão de unidades.
Para o governo federal, tais críticas se explicam no contexto das disputas políticas, quando não decorrem de falta de informação ou má-fé. "No caso do PAC, não é que a gente mudou o pneu com o carro andando. A gente mudou o motor com o carro andando", afirmou ao Valor a ministra do Planejamento, Miriam Belchior. Em suas anotações, a execução do PAC 1 chega a 94% e a do PAC 2 ultrapassa 50%. Autoridades do governo sustentam que o Programa de Aceleração do Crescimento foi criado para suprir uma carência de planejamento de que o setor de infraestrutura sofria há 30 anos.
Além do PAC, o Ministério do Planejamento é responsável por outras iniciativas em que tem como meta a melhoria de gestão e o aumento da competitividade. Coordena a elaboração, por exemplo, de um projeto que reduzirá a burocracia, para permitir a abertura de alguns tipos de empresas em 48 horas. O piloto será lançado no Distrito Federal. "Vamos começando pelas [iniciativas] mais simples, mas trabalhando em etapas, para conseguir melhorar", disse a ministra.
O Ministério também trabalha para simplificar os sistemas de recolhimento da Receita Federal, Previdência Social e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Atualmente, uma empresa precisa entrar em vários sites para quitar suas pendências. A ideia do governo é "empacotar tudo" e facilitar a vida do empresário. Trata-se de "reduzir esse custo das empresas, simplificando e tornando menos burocráticas as exigências, como a de que tenha que apresentar uma certidão do que nós [governo] temos. É um absurdo. Não tem que apresentar certidão, se eu já tenho aqui os meus sistemas. Por que o cidadão tem que me apresentar a certidão? Nós é que temos que consultar os sistemas", disse a ministra.
O comércio exterior é outra preocupação do governo. Depois de desenvolver o Porto Sem Papel, que busca reduzir a burocracia nos terminais portuários, o Executivo prepara o lançamento de um portal, na internet, com oferta de instrumentos que permitirão diminuir o tempo de permanência das cargas nos portos.
Em outra frente, a administração tem o propósito de aprimorar o uso do dinheiro público. O Ministério do Planejamento realiza desde 2011 uma "revisão geral" da folha de pagamentos. A medida tem como objetivo evitar fraudes por meio de um melhor cruzamento de dados, para impedir que funcionários tenham vínculos com Estados, mortos recebam salários ou servidores aposentados por invalidez passem em novos concursos públicos. O atual sistema de folha de pagamentos, criado em 1980, será substituído.
Esse trabalho de cruzamento de dados para combate a fraudes e erros na folha de pagamento levou o governo a evitar perdas de R$ 700 milhões por ano. Outros R$ 176 milhões pagos indevidamente (sem que houvesse má-fé por parte dos servidores) foram identificados e estão sendo restituídos aos cofres públicos.
O Planejamento também trabalha para reduzir os gastos de custeio do governo federal, cujo crescimento é frequentemente atacado pela oposição e setores do mercado financeiro. Seguindo o projeto Esplanada Sustentável, cada ministério estabeleceu para 2013 metas de redução de custos administrativos de aproximadamente 9%. Se o objetivo for alcançado, o Executivo poupará R$ 1 bilhão. A ideia é que esses recursos sejam usados pelos ministérios para o investimento em iniciativas que reduzam ainda mais os gastos desnecessários, como já aconteceu com a implantação de sistemas de videoconferência, que possibilitam a redução de despesas com passagens aéreas e diárias.
"Para nós, eficiência da gestão não tem apenas o componente fiscal. O componente fiscal é importante, mas nossa preocupação é muito mais em garantir melhores serviços à população. Os eventuais ganhos de recursos devem ser devolvidos à sociedade - seja com desoneração, como a gente está fazendo, seja com melhoria de outras políticas públicas", comentou Miriam. "Não é simplesmente a economia [de recursos] em si que nos move. A economia é importante, mas tem que estar vinculada [a medidas], para melhorar a vida da sociedade como um todo."
O Planejamento espera muito da criação de uma central de compras. "Hoje, cada ministério faz suas compras de maneira independente. Nossa ideia é [nas compras de bens e serviços de uso comum] usar o poder de compra do governo", disse a ministra. Inicialmente, serão conduzidas dessa forma as aquisições de serviços de telefonia fixa e móvel, redes de computadores, computadores, passagens, material de escritório, além da contratação de serviços de limpeza e conservação. "Vamos instituir essa central de compras em etapas. Já temos todo um cronograma, deste ano até o começo do ano que vem, de produtos que vão ser comprados de maneira compartilhada."
O governo quer que cada órgão ou ministério tenha um planejamento estratégico. Em 2011, esse trabalho começou com áreas consideradas prioritárias, como os ministérios dos Transportes, Saúde e Justiça, além dos órgãos ligados à aviação civil. As demais pastas começaram a fazer o mesmo em 2012, e o governo passou a tentar identificar os processos de trabalho que precisam ser melhorados e simplificados. No Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), por exemplo, a medição de uma obra passava por 47 mesas. Agora, diz Miriam, o processo tramita de forma eletrônica e depende do aval de nove pessoas. "O salto que queremos dar agora é exatamente a vinculação das gratificações por desempenho ao planejamento estratégico e metas de cada órgão."
A ministra rechaça as críticas de que os governos petistas ignoram a meritocracia, por causa da ampliação do número de indicações políticas no Executivo, dando-se prioridade ao aparelhamento da máquina. Ela lembra que foi o ex-presidente Lula quem estabeleceu um piso para nomeação de funcionários de carreira em cargos de confiança de nível médio. "É possível que a meritocracia e a direção política eleita a cada quatro anos convivam de maneira produtiva. O melhor para a democracia e para o setor público é ter um servidor capaz e eficiente. Mas, a cada quatro anos, a população escolhe o que quer do governo e uma linha. E isso também precisa orientar a máquina pública."
A Casa Civil, por sua vez, busca cumprir a missão dada pela presidente Dilma de dar curso aos programas prioritários do governo. Uma equipe coordenada pelo subchefe de Articulação e Monitoramento da Pasta, Luís Antônio Padilha, acompanha o andamento das ações consideradas estratégicas, por meio do sistema de monitoramento instalado no Palácio do Planalto.
O SIM-PR reúne informações de 41 projetos de 11 áreas, como o Minha Casa, Minha Vida, SOS Emergência, obras ligadas à Copa de 2014 e à Olimpíada de 2016, a situação dos principais aeroportos do país, o Plano Nacional de Banda Larga, as ações para combater a seca e o crack, além de obras de infraestrutura logística. Alguns desses projetos já estão em fase de execução. Outros ainda passam pelo processo de análise de consistência, as "sessões de espancamento", frequentemente conduzidas pela própria presidente. É nessa etapa que o governo busca construir sinergias entre os ministérios, avalia riscos de execução, fixa metas e estabelece prazos.
Depois que é lançado, o programa passa a ser tema de reuniões periódicas de monitoramento. Indicadores são analisados pelos gestores, que também vão a campo verificar a situação das obras. Na opinião de Padilha, essa "pressão suave" impede uma queda do "nível de comprometimento" dos executores de cada ação.
Em novembro de 2012, por exemplo, depois que foi detectada uma desaceleração do ritmo de execução do Minha Casa, Minha Vida, por causa de um aumento de custos no setor da construção, o governo fez um reajuste de preços, e levou o gráfico que indica as metas do programa a convergir de novo com o que aponta o andamento das obras.
Em ação semelhante, técnicos perceberam que a construção do estádio de Brasília estava ameaçada pela demora na liberação alfandegária da estrutura da cobertura. O material, importado, estava parado num porto, e agilizou-se seu transporte até a capital federal depois que o Ministério da Fazenda foi acionado.
Os técnicos da Casa Civil entregam semanalmente a Gleisi Hoffmann um relatório com problemas a resolver. A ministra então telefona ou se reúne com os ministros e técnicos responsáveis pelos projetos em questão. "Não pode cair na burocracia ou ter um tratamento burocrático. O problema tem que ser resolvido em tempo real. Isso garante que as coisas funcionem, e ainda assim temos dificuldades", disse a ministra.
A cultura burocrática da máquina pública federal é justamente uma das maiores preocupações de Gleisi. "Não são poucas as vezes que a gente escuta que algo está no jurídico, no Tribunal de Contas ou tem relatório da CGU [Controladoria-Geral da União]. Aí, você fica olhando para a pessoa, a pessoa fica olhando e você diz: "E daí? Você fez o quê? Alguém passou a mão no telefone e sentou para ver qual era o problema? Discutiu para resolver?""
Na avaliação de Gleisi, o governo e a Câmara de Gestão ainda precisam discutir mudanças legais que permitam a modernização do funcionamento da máquina, a melhora da gestão de pessoal e de compras públicas. Ela também fala em mais empenho para se avançar nos debates sobre parcerias público-privadas (PPPs) na área de saneamento, assunto que está em pauta desde o governo Lula e ainda não teve efeitos práticos.
O resultado dessas discussões e do acompanhamento da execução das ações do governo são alguns dos fatores que determinarão o sucesso da imagem de Dilma Rousseff como gestora, num momento em que a qualidade da administração pública tende a permanecer na agenda nacional, com vistas às eleições de 2014.
Valor: Por que a gestão no setor público é tão engessada em comparação com a iniciativa privada?
Valor: Qual é a situação da gestão pública nos diversos entes da federação?
Valor: Onde o governo federal se encaixa nessa divisão?
Valor: Diz-se que uma boa gestão é baseada em meritocracia, definição de metas, medição de resultados, melhoria de processos. Como está o governo federal em relação a esses aspectos?
Valor: Onde estão as principais carências do governo federal?
Valor: O inchaço da máquina com cargos de confiança não prejudica a criação de uma cultura meritocrática?
Valor: O MBC trabalhou com diversos governos estaduais e municipais. Quais são as principais conquistas obtidas por Estados e prefeituras na área da gestão pública?
Valor: Quais são outras vitrines?
Valor: O senhor citou administrações do PT, PSDB, PMDB, PSB e PDT. A visão sobre a necessidade de melhorar a gestão é algo ideológico?
O retorno logo veio: a mulher já havia sido atendida pelo hospital, mas o familiar que deveria buscá-la estava atrasado. A presidente retomou a reunião, e a história passou a ser contada no Palácio do Planalto como um exemplo da fixação de Dilma por informações gerenciais que levem o Executivo a melhorar a qualidade dos serviços prestados e deem curso efetivo aos programas prioritários do governo.
Dilma prometeu melhorar a qualidade do gasto público em discurso que fez no dia de sua posse. Cerca de cinco meses depois, anunciou a criação de uma Câmara de Gestão, que contaria com a presença de empresários e seria presidida pelo presidente do conselho de administração do grupo Gerdau, Jorge Gerdau Johannpeter. O Movimento Brasil Competitivo (MBC), organização não governamental financiada pelo setor produtivo que já ajudara Estados e municípios a melhorar seus mecanismos de gestão, foi procurado e aderiu à iniciativa com a ajuda de consultorias privadas. O Sistema Informatizado de Monitoramento da Presidência da República (SIM-PR) é resultado desse esforço.
"Estamos construindo, no governo, uma cultura de monitoramento, estabelecimento de prazos, metas e resultados", disse ao Valor a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. "É uma obsessão nossa e os ministérios também estão fazendo isso, porque querem ser avaliados pelos seus desempenhos. Eles estão criando sistemas de monitoramento. Hoje, temos sistemas estruturados nos ministérios do Turismo, Esporte e Cultura. Estamos implementando nos ministérios das Comunicações e Trabalho, para monitorar convênios e contratos e acompanhar resultados."
Os trabalhos da Câmara de Gestão ganharam fôlego depois que o ex-ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, deixou o governo. Palocci, que concentrava a articulação política do governo, foi substituído pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) depois de denúncias sobre irregularidades na evolução de seu patrimônio. Dilma deu a Gleisi a missão de recolocar a Casa Civil no centro da gestão das ações do Executivo.
Desde então, Gleisi e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, procuram implementar no governo federal os principais pilares da boa gestão pública: definição de metas, formação e medição do desempenho de pessoal, meritocracia e monitoramento de resultados. Críticos do governo Dilma e do PT, entretanto, sustentam que o Executivo está longe de alcançar tais objetivos. São alvos preferenciais o que se entende como aparelhamento político da máquina pública, o desempenho do Programa de Aceleração do Crescimento e o ritmo, considerado lento, dos investimentos públicos em geral.
Segundo a organização não governamental Contas Abertas, que acompanha a administração pública, a execução do PAC registra aceleração desde o ano passado e fechou o primeiro quadrimestre de 2013 com a maior execução orçamentária para o período, desde seu lançamento. Nos quatro primeiros meses deste ano, foram executados 20,5% de um total de R$ 75 bilhões, aproximadamente, autorizados do orçamento da União para o PAC. O programa Minha Casa, Minha Vida foi o principal beneficiário. Nos cálculos da ONG, R$ 6,1 bilhões do que foi executado referiam-se a transferências ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), relacionado ao programa habitacional. O montante corresponde a 39,6% do desembolso total do chamado PAC Orçamentário. A maior parte das verbas liberadas decorre de restos a pagar, compromissos assumidos em anos anteriores que não foram quitados pelo governo.
Os críticos rebatem: os recursos do Minha Casa, Minha Vida não deveriam ser contabilizados como PAC, por se tratar de financiamentos e subsídios federais, e não investimentos. Desde 2009, R$ 153,6 bilhões foram desembolsados pelo governo federal no âmbito do programa habitacional, sendo R$ 68,3 bilhões em subsídios e R$ 85,3 bilhões em financiamentos. O Minha Casa, Minha Vida já entregou 1,1 milhão de moradias e contratou a construção de mais 1,3 milhão de unidades.
Para o governo federal, tais críticas se explicam no contexto das disputas políticas, quando não decorrem de falta de informação ou má-fé. "No caso do PAC, não é que a gente mudou o pneu com o carro andando. A gente mudou o motor com o carro andando", afirmou ao Valor a ministra do Planejamento, Miriam Belchior. Em suas anotações, a execução do PAC 1 chega a 94% e a do PAC 2 ultrapassa 50%. Autoridades do governo sustentam que o Programa de Aceleração do Crescimento foi criado para suprir uma carência de planejamento de que o setor de infraestrutura sofria há 30 anos.
Além do PAC, o Ministério do Planejamento é responsável por outras iniciativas em que tem como meta a melhoria de gestão e o aumento da competitividade. Coordena a elaboração, por exemplo, de um projeto que reduzirá a burocracia, para permitir a abertura de alguns tipos de empresas em 48 horas. O piloto será lançado no Distrito Federal. "Vamos começando pelas [iniciativas] mais simples, mas trabalhando em etapas, para conseguir melhorar", disse a ministra.
O Ministério também trabalha para simplificar os sistemas de recolhimento da Receita Federal, Previdência Social e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Atualmente, uma empresa precisa entrar em vários sites para quitar suas pendências. A ideia do governo é "empacotar tudo" e facilitar a vida do empresário. Trata-se de "reduzir esse custo das empresas, simplificando e tornando menos burocráticas as exigências, como a de que tenha que apresentar uma certidão do que nós [governo] temos. É um absurdo. Não tem que apresentar certidão, se eu já tenho aqui os meus sistemas. Por que o cidadão tem que me apresentar a certidão? Nós é que temos que consultar os sistemas", disse a ministra.
O comércio exterior é outra preocupação do governo. Depois de desenvolver o Porto Sem Papel, que busca reduzir a burocracia nos terminais portuários, o Executivo prepara o lançamento de um portal, na internet, com oferta de instrumentos que permitirão diminuir o tempo de permanência das cargas nos portos.
Em outra frente, a administração tem o propósito de aprimorar o uso do dinheiro público. O Ministério do Planejamento realiza desde 2011 uma "revisão geral" da folha de pagamentos. A medida tem como objetivo evitar fraudes por meio de um melhor cruzamento de dados, para impedir que funcionários tenham vínculos com Estados, mortos recebam salários ou servidores aposentados por invalidez passem em novos concursos públicos. O atual sistema de folha de pagamentos, criado em 1980, será substituído.
Esse trabalho de cruzamento de dados para combate a fraudes e erros na folha de pagamento levou o governo a evitar perdas de R$ 700 milhões por ano. Outros R$ 176 milhões pagos indevidamente (sem que houvesse má-fé por parte dos servidores) foram identificados e estão sendo restituídos aos cofres públicos.
O Planejamento também trabalha para reduzir os gastos de custeio do governo federal, cujo crescimento é frequentemente atacado pela oposição e setores do mercado financeiro. Seguindo o projeto Esplanada Sustentável, cada ministério estabeleceu para 2013 metas de redução de custos administrativos de aproximadamente 9%. Se o objetivo for alcançado, o Executivo poupará R$ 1 bilhão. A ideia é que esses recursos sejam usados pelos ministérios para o investimento em iniciativas que reduzam ainda mais os gastos desnecessários, como já aconteceu com a implantação de sistemas de videoconferência, que possibilitam a redução de despesas com passagens aéreas e diárias.
"Para nós, eficiência da gestão não tem apenas o componente fiscal. O componente fiscal é importante, mas nossa preocupação é muito mais em garantir melhores serviços à população. Os eventuais ganhos de recursos devem ser devolvidos à sociedade - seja com desoneração, como a gente está fazendo, seja com melhoria de outras políticas públicas", comentou Miriam. "Não é simplesmente a economia [de recursos] em si que nos move. A economia é importante, mas tem que estar vinculada [a medidas], para melhorar a vida da sociedade como um todo."
O Planejamento espera muito da criação de uma central de compras. "Hoje, cada ministério faz suas compras de maneira independente. Nossa ideia é [nas compras de bens e serviços de uso comum] usar o poder de compra do governo", disse a ministra. Inicialmente, serão conduzidas dessa forma as aquisições de serviços de telefonia fixa e móvel, redes de computadores, computadores, passagens, material de escritório, além da contratação de serviços de limpeza e conservação. "Vamos instituir essa central de compras em etapas. Já temos todo um cronograma, deste ano até o começo do ano que vem, de produtos que vão ser comprados de maneira compartilhada."
O governo quer que cada órgão ou ministério tenha um planejamento estratégico. Em 2011, esse trabalho começou com áreas consideradas prioritárias, como os ministérios dos Transportes, Saúde e Justiça, além dos órgãos ligados à aviação civil. As demais pastas começaram a fazer o mesmo em 2012, e o governo passou a tentar identificar os processos de trabalho que precisam ser melhorados e simplificados. No Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), por exemplo, a medição de uma obra passava por 47 mesas. Agora, diz Miriam, o processo tramita de forma eletrônica e depende do aval de nove pessoas. "O salto que queremos dar agora é exatamente a vinculação das gratificações por desempenho ao planejamento estratégico e metas de cada órgão."
A ministra rechaça as críticas de que os governos petistas ignoram a meritocracia, por causa da ampliação do número de indicações políticas no Executivo, dando-se prioridade ao aparelhamento da máquina. Ela lembra que foi o ex-presidente Lula quem estabeleceu um piso para nomeação de funcionários de carreira em cargos de confiança de nível médio. "É possível que a meritocracia e a direção política eleita a cada quatro anos convivam de maneira produtiva. O melhor para a democracia e para o setor público é ter um servidor capaz e eficiente. Mas, a cada quatro anos, a população escolhe o que quer do governo e uma linha. E isso também precisa orientar a máquina pública."
A Casa Civil, por sua vez, busca cumprir a missão dada pela presidente Dilma de dar curso aos programas prioritários do governo. Uma equipe coordenada pelo subchefe de Articulação e Monitoramento da Pasta, Luís Antônio Padilha, acompanha o andamento das ações consideradas estratégicas, por meio do sistema de monitoramento instalado no Palácio do Planalto.
O SIM-PR reúne informações de 41 projetos de 11 áreas, como o Minha Casa, Minha Vida, SOS Emergência, obras ligadas à Copa de 2014 e à Olimpíada de 2016, a situação dos principais aeroportos do país, o Plano Nacional de Banda Larga, as ações para combater a seca e o crack, além de obras de infraestrutura logística. Alguns desses projetos já estão em fase de execução. Outros ainda passam pelo processo de análise de consistência, as "sessões de espancamento", frequentemente conduzidas pela própria presidente. É nessa etapa que o governo busca construir sinergias entre os ministérios, avalia riscos de execução, fixa metas e estabelece prazos.
Depois que é lançado, o programa passa a ser tema de reuniões periódicas de monitoramento. Indicadores são analisados pelos gestores, que também vão a campo verificar a situação das obras. Na opinião de Padilha, essa "pressão suave" impede uma queda do "nível de comprometimento" dos executores de cada ação.
Em novembro de 2012, por exemplo, depois que foi detectada uma desaceleração do ritmo de execução do Minha Casa, Minha Vida, por causa de um aumento de custos no setor da construção, o governo fez um reajuste de preços, e levou o gráfico que indica as metas do programa a convergir de novo com o que aponta o andamento das obras.
Em ação semelhante, técnicos perceberam que a construção do estádio de Brasília estava ameaçada pela demora na liberação alfandegária da estrutura da cobertura. O material, importado, estava parado num porto, e agilizou-se seu transporte até a capital federal depois que o Ministério da Fazenda foi acionado.
Os técnicos da Casa Civil entregam semanalmente a Gleisi Hoffmann um relatório com problemas a resolver. A ministra então telefona ou se reúne com os ministros e técnicos responsáveis pelos projetos em questão. "Não pode cair na burocracia ou ter um tratamento burocrático. O problema tem que ser resolvido em tempo real. Isso garante que as coisas funcionem, e ainda assim temos dificuldades", disse a ministra.
A cultura burocrática da máquina pública federal é justamente uma das maiores preocupações de Gleisi. "Não são poucas as vezes que a gente escuta que algo está no jurídico, no Tribunal de Contas ou tem relatório da CGU [Controladoria-Geral da União]. Aí, você fica olhando para a pessoa, a pessoa fica olhando e você diz: "E daí? Você fez o quê? Alguém passou a mão no telefone e sentou para ver qual era o problema? Discutiu para resolver?""
Na avaliação de Gleisi, o governo e a Câmara de Gestão ainda precisam discutir mudanças legais que permitam a modernização do funcionamento da máquina, a melhora da gestão de pessoal e de compras públicas. Ela também fala em mais empenho para se avançar nos debates sobre parcerias público-privadas (PPPs) na área de saneamento, assunto que está em pauta desde o governo Lula e ainda não teve efeitos práticos.
O resultado dessas discussões e do acompanhamento da execução das ações do governo são alguns dos fatores que determinarão o sucesso da imagem de Dilma Rousseff como gestora, num momento em que a qualidade da administração pública tende a permanecer na agenda nacional, com vistas às eleições de 2014.
"Gestão dá resultados e votos"
O diretor-presidente do Movimento Brasil Competitivo (MBC), Erik Camarano, diz acreditar que há uma "revolução silenciosa" em curso no país. Para o economista, executivo da instituição financiada pelo setor produtivo que ajuda o governo federal, Estados e municípios a melhorar a gestão de suas máquinas administrativas, existe uma nova geração de políticos que percebeu que gestão dá resultados e votos. "É parte da democracia, não tem nada de errado nisso. A gente tem que usar essa motivação para fazer uma transformação estrutural", disse Camarano ao Valor.
Leia os principais trechos da entrevista:
Erik Camarano: Enquanto o setor privado pode fazer tudo que não é proibido por lei, o setor público só faz o que está previsto em lei. Outro fator importante é que há mecanismos de incentivos diferentes. No setor privado, você demite por insuficiência de desempenho. No setor público, você não faz isso, embora tenha previsão legal. Ao mesmo tempo, no setor privado você tem como remunerar diferentemente os diferentes. No setor público, com poucas exceções ainda no Brasil, a tendência é remunerar igual os diferentes. Essa é uma das maiores injustiças que existem do ponto de vista estrutural na máquina pública. As pessoas têm excelente formação, mas entram num sistema em que não há incentivo à alta produtividade.
Camarano: Em nível de maturidade, são três grandes grupos. Um está fazendo a lição de casa, que é arrumação, planejamento estratégico e equilíbrio de orçamento. O segundo grupo já está melhorando processos, ganhando eficiência, olhando unidades de PPPs [parcerias público-privadas] e desenho de políticas públicas. Uma terceira geração, de poucos ainda, como o Estado de Minas Gerais, a Prefeitura de Porto Alegre, Pernambuco e a Prefeitura e o governo do Rio, está começando a olhar mecanismos de remuneração variável e a gestão de pessoas.
Camarano: A heterogeneidade também se reproduz no nível federal. O grande desafio é que existe uma distância muito grande entre aquilo que se decide em nível ministerial ou dos departamentos do governo federal e o que chega à ponta, ao usuário final. Não é porque tem corrupção. Tem uma defasagem.
Camarano: O governo vem fazendo um esforço grande de modernização em diversas áreas e identificou a questão da infraestrutura como crítica. [O setor de] transportes avançou na área de planejamento e esse processo deu tão certo que a própria presidente [Dilma Rousseff] decidiu levar isso para os outros ministérios. Isso claramente vai dar um efeito de alinhamento de equipes e identificar sinergias ou sobreposições. Terá um grande impacto do ponto de vista da produtividade do setor público federal.
Camarano: Hoje há quadros muitos qualificados e subaproveitados. Em segundo lugar, vem a questão de tecnologia da informação. É uma máquina muito complexa, então tem sistemas diferentes em setores diferentes. O sonho de consumo é colocar um sistema só, mas isso nunca vai acontecer. É possível ter um avanço do ponto de vista de criar uma camada que leia sistemas diferentes e comece a produzir informação de forma mais centralizada e com uma orientação de gestão para todos os ministérios.
Camarano: O número de cargos de confiança é muito alto. Há claramente um desincentivo se você só vê progredir na carreira pessoas que têm ligações políticas. Você não vai eliminar isso. Mas, se puder minimizar esse processo, o ganho é muito grande.
Camarano: Um bom exemplo é a cidade de Porto Alegre. Uma secretaria que coordena a gestão de 13 programas e responde direto ao prefeito. Cada programa tem um gerente e cada ação tem um dono. Eles têm reuniões semestrais com o prefeito e mecanismos de avaliação. A gente está trabalhando agora com eles um mapeamento de competências. Olhamos o perfil que precisa para cada cargo e se montou um plano de desenvolvimento individual para cada um desses gestores. A progressão na carreira vai estar condicionada a ele fazer cursos. Isso é legal, porque a produtividade e a inovação no setor público estão diretamente ligadas às pessoas.
Camarano: A parte de gestão de pessoas é Minas quem melhor resolveu. Vários Estados têm escolas de governo, mas a que funciona de fato é em Minas Gerais. No Rio de Janeiro, tem a questão de segurança pública. Agora, no segundo mandato do [governador] Sergio Cabral, está sendo feita uma transformação na educação muito visível. A Prefeitura do Rio tem feito um avanço importante em várias áreas, como educação, saúde e a parte de gestão de mobilidade. A segurança pública em Pernambuco também é um destaque, pela absoluta disciplina na manutenção do método de gestão. Até hoje, tem toda quinta-feira uma reunião do Pacto Pela Vida. É o único Estado que eu conheço que tem indicadores semanais de segurança. Funciona, porque está na agenda do governador, que vai uma vez por mês e acompanha a reunião.
Camarano: Nossa experiência mostra que não, felizmente. Não há uma correlação, pelo menos que a gente possa perceber e mensurar, entre partido e eficiência na gestão. É muito da pessoa mesmo, da dedicação individual [do governante]. Ou o tema ocupa oficialmente a agenda do gestor ou não avança.
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