Chega ao Brasil livro do primeiro homem que deixou o corredor da morte em Arkansas,
EUA. Luta pela libertação de Damien Echols contou com a ajuda de artistas consagrados
Mariana Peixoto
Estado de Minas: 26/05/2013
Um
pesadelo. Não há outra palavra que melhor defina uma pessoa passar
quase 20 anos no corredor da morte por um crime que não cometeu. Pois
pode ser bem pior, pode ter certeza. Lançado em 2012 nos Estados Unidos e
agora no Brasil, Vida após a morte (Editora Intrínseca), de Damien
Echols, não poupa nenhum detalhe. O autor, hoje com 38 anos, foi preso
em junho de 1993 com os amigos Jessie Misskelley Jr. e Jason Baldwin em
West Memphis, Arkansas, pela morte de três escoteiros.
Um ano
depois, após julgamento em que foi alegado que o trio havia praticado
ritual satânico, eles foram condenados. Somente Echols foi condenado à
morte. Em agosto de 2011, sem nunca terem sido ouvidos pelo Estado,
foram soltos (Echols se tornou o primeiro homem a deixar o corredor da
morte no Arkansas). O caso acabou sendo revisto graças à extrema pressão
da opinião pública. O caso de West Memphis teve como porta-vozes nomes
como o do ator Johnny Depp, o músico Eddie Vedder e o cineasta Peter
Jackson.
Eles só tomaram conhecimento dos abusos sofridos por
Echols e seus companheiros graças a um documentário. Executiva da HBO,
Sheila Nevins, ao saber do julgamento mais longo da história do sistema
penal do estado sulista, resolveu fazer um filme sobre o ocorrido.
Chegando ao local, sua equipe deparou-se com indícios de que havia muita
coisa errada na história. Dessa maneira, surgiu Paradise lost, dirigido
por Joe Berlinger e Bruce Sinofsky. Não um, mas três documentários
(lançados em 1996, 2000 e 2011, este último indicado ao Oscar e ao
Emmy).
Ou seja, boa parte da luta de Echols para provar sua
inocência foi feita, de certa forma, sob os holofotes. Mas o que ele
retrata nas 400 páginas do livro é de uma solidão sem fim. E Vida após a
morte vai muito além de detalhes sórdidos do que a não vida (a ironia é
obrigatória após ler o relato do autor) dele pode trazer. Echols deixou
a escola aos 17 anos. Na prisão, leu centenas de livros de toda
natureza. E escreveu seus diários (boa parte “perdidos” pelo sistema
carcerário), numa escrita crua, doída e extremamente bem contada. Seus
méritos como escritor são inegáveis e, apesar de ser bastante incômoda, a
leitura flui facilmente.
A verdade é que o pesadelo de Echols
não começou na prisão. Vindo de um ambiente miserável (sim, miserável,
mesmo sendo nos EUA, é tão miserável quanto em qualquer outro lugar do
mundo), sofreu com família disfuncional (sua única irmã era abusada
constantemente pelo padrasto, um fanático religioso, casado com uma mãe
ausente e imprestável), viveu de maneira sórdida (barracos fétidos
empestados de ratos e baratas), passou fome e um monte de etcéteras,
todos negativos.
Daí para a acusação injusta e os anos de
privação de liberdade convivendo com os piores tipos possíveis (durante o
período em que esteve preso, houve quase três dezenas de execuções) foi
um pulo. A narrativa é cronológica, porém entremeada por flashbacks. Em
meio à descrição de seus primeiros companheiros de cela, por exemplo,
Nichols fala de seu interesse pelo budismo, e de como a prática
obsessiva de meditação se tornou companheira nos tempos de privação.
Há
algum respiro na narrativa, como nos escritos sobre a vida comum de um
adolescente que descobre a música e o sexo, até o relacionamento com sua
mulher (uma arquiteta de Nova York que começou a se corresponder com
ele, ainda nos anos 1990). Afora tudo isso, ainda há o lado denúncia do
livro, em que o autor expõe todas as irregularidades do sistema
judiciário. Em Vida após a morte Nichols consegue emocionar – indignação
ou choque são os sentimentos mais comuns que ele desperta. Mas pena,
definitivamente, não. Não há como não admirar um homem que conseguiu
voltar do mundo dos mortos.
TRECHO
“A
lei diz que o Estado não pode executar os dementes nem os retardados
mentais, mas é o que ainda acontece com certa frequência. Os promotores
arrumam um ‘especialista’ que testemunha que o sujeito está bem. Matam
sujeitos que nem faziam ideia de que iam morrer.
A execução mais
moralmente repugnante já realizada no Arkansas até o momento envolveu um
homem que dera um tiro na própria cabeça. Ele só conseguiu se
autolobotomizar com a bala. Quando perguntaram o que ele queria como
última refeição, ele disse: ‘Torta’. Depois, comeu metade da torta e
guardou a outra metade para depois da execução. Ele nem sequer entendia
que não teria como terminar a torta depois de morto.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário