La defensora
Argentina cria cargo público de ombudsman para atender queixas sobre programação de rádio e TV
Foi preciso ir até Los Angeles, ao encontro internacional de ombudsmans, para conhecer uma iniciativa de um país vizinho que pode ser útil ao debate sobre mídia no Brasil.Há seis meses, foi nomeada a primeira "defensora pública dos meios audiovisuais" na Argentina. É uma espécie de ombudsman, escolhida pelo Congresso e encarregada de encaminhar as demandas dos espectadores e ouvintes.
A defensora não tem poder para multar ou punir as emissoras que são alvo das reclamações, ela tenta apenas mediar uma solução. A jornalista Cynthia Ottaviano, a primeira indicada, diz que havia uma demanda reprimida, tanto que já foram registradas 187 representações.
É possível encaminhar denúncias por carta, e-mail ou pessoalmente, em audiências públicas promovidas nas diferentes províncias. O primeiro encontro, realizado em abril em Chaco, reuniu 320 pessoas.
Cynthia, 40, conta o caso de uma reportagem sobre crianças maltratadas em uma escola particular. Suspeitando que houvesse algo errado, um dos pais colocou um iPad na mochila da filha e conseguiu gravar a professora xingando a menina. Virou um grande escândalo.
Um canal de TV noticiou a história, mas ilustrou-a com imagens de arquivo, de um colégio qualquer. Exibiu ainda a foto de uma professora que tinha o mesmo nome da acusada, mas que nada tinha a ver com o caso. Acionada, a defensoria conseguiu que o canal lesse uma nota de correção, repetida tantas vezes quantas tinham sido as aparições da professora no ar.
Quase na fronteira com a Bolívia, um grupo de moradores reclamou à defensoria porque queria a atenção da imprensa para uma denúncia de contaminação ambiental na região. Com a ajuda da ombudsman, o assunto entrou na pauta da rádio pública de Buenos Aires.
A defensoria não trata apenas de queixas relativas ao noticiário. Programas de entretenimento e a publicidade também fazem parte do seu escopo. Uma denúncia dizia que um anúncio de bebida incitava ao suicídio. O filme mostrava, num prédio em chamas, os bombeiros tentando convencer um rapaz a saltar. Ele toma uns goles do refrigerante e pula numa boa, flutuando feliz.
Cynthia ouviu a agência de publicidade responsável pela propaganda e concluiu que não havia nada de errado com ela. Dessa vez, o público não tinha razão.
Outros alvos de reclamações são programas que difundem imagens preconceituosas de mulheres e de gays, o fim de séries educativas em canais públicos e a falta de tradução para a linguagem de surdos.
A figura da defensora do público está prevista na controversa Lei de Meios, aprovada em 2009, mas demorou três anos até que o cargo fosse preenchido. A equipe da defensoria tem 40 pessoas, entre jornalistas, antropólogos e advogados. O dinheiro que sustenta a iniciativa vem de impostos pagos pelas emissoras de rádio e TV. A defensora presta contas de seu trabalho ao Congresso, não ao Executivo.
Cynthia diz que sua nomeação foi praticamente ignorada pelos grandes meios de comunicação argentinos, que estão em pé de guerra com o governo de Cristina Kirchner, mas conta que conseguiu encaminhar, com sucesso, uma demanda referente ao grupo "Clarín".
O fulcro da Lei de Meios argentina, que é o seu caráter antimonopolista, foi bastante discutido no Brasil. A Folha, como boa parte da grande imprensa, criticou duramente a tentativa do governo de calar o principal diário do país. "Seguindo o que, com igual ou maior desplante, vem sendo feito por Hugo Chávez na Venezuela, o governo argentino utiliza-se de meios econômicos e legislativos para um objetivo que, na essência, é o mesmo: sufocar todo tipo de crítica", diz editorial do jornal de novembro passado.
Só que a Lei de Meios não é apenas isso. São 166 artigos e pelo menos um deles, o que cria a defensoria, merece ser observado.
Por aqui, o debate sobre regulação da mídia trava porque as propostas apresentadas costumam embutir um subtexto de censura que provoca, com razão, arrepio nas grandes empresas de comunicação. Estas, no entanto, não conseguem sugerir formas que garantam um grau maior de transparência e de prestação de contas ao público.
No Brasil, só a Folha, o jornal "O Povo", de Fortaleza, e a EBC (TV Brasil) têm ombudsmans. Todos os outros jornais e revistas se contentam com uma seção de cartas dos leitores e outra de correções. Nas televisões e nas rádios, nem isso.
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