domingo, 26 de maio de 2013

O que está por trás da inércia e Reforma aquária já! [tendências/debates]

folha de sãopaulo
PAULA JOHNS
TENDÊNCIAS/DEBATES
O que está por trás da inércia
Parece que o poder da indústria do tabaco é maior que os R$ 21 bilhões gastos anualmente para tratar as doenças causadas pelo fumo
A preocupação da indústria do tabaco em garantir um mercado capaz de repor os fumantes que interrompem o vício ou morrem aumenta conforme as medidas de controle do tabagismo avançam pelo mundo. Afinal, como garantir novos consumidores se a prevenção à iniciação for efetiva?
Nós, que acompanhamos o dia a dia do controle do tabagismo, infelizmente, deparamo-nos com a falta de vontade política de autoridades brasileiras de alto escalão em saúde. A questão do momento é a adição de sabores. Menta, cacau, baunilha e morango são usados para camuflar o gosto ruim e tornar o ato de fumar mais agradável, especialmente para quem experimenta o cigarro pela primeira vez.
Pesquisas mostram que a idade média de iniciação é de 15 anos e que 90% dos tabagistas começam a fumar antes dos 19.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) trabalhou durante todo o ano de 2011 para discutir o uso dessas substâncias. Em março de 2012, depois de ouvir os envolvidos e ceder em alguns pontos, editou medida proibitiva aos aditivos, a entrar em vigor em 2013.
Claro que a indústria do tabaco apela como pode para reverter a situação, com ações judiciais país afora. Deputados da bancada do fumo chegam a questionar o poder da agência de regular esses produtos.
Está em trâmite na Câmara o projeto de decreto legislativo nº 3.034/2010, cujo objetivo declarado é suspender a resolução da Anvisa (RDC 14/2012). Um dos pareceres pela aprovação do projeto se vale de omissões e inverdades. Omite, por exemplo, que à agência compete, além de controlar e fiscalizar, regulamentar produtos nocivos à saúde. E é isso que confere a ela poder e legitimidade para editar a resolução.
A omissão até parece proposital, para levar a erro outros deputados. A RDC é medida cujo mérito não se questiona, já que não há quem discorde da necessidade de se inibir a iniciação ao tabagismo.
Em abril, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) sua manifestação pela constitucionalidade do poder de regulamentação da Anvisa. Esperamos que a posição da AGU seja forte o suficiente para convencer o Parlamento. No entanto, vemos que o governo não se coloca à frente da questão como deveria.
O governo australiano, por exemplo, comprou briga com a indústria ao proibir que os maços tenham marcas, cores e logotipos, evitando propaganda na embalagem. Na Inglaterra, os cigarros passarão a ser vendidos sem exposição dos maços, embaixo do balcão, como remédios controlados. A Escócia também proibiu a exibição de maços nos pontos de venda. O Uruguai e o Chile proibiram os fumódromos.
Há, ainda, falsa alegação circulando no Congresso de que a proibição dos aditivos inviabilizaria a produção de 99% dos cigarros fabricados no país e de que a medida prejudicaria os fumicultores.
Ora, a resolução da Anvisa permite os aditivos essenciais à fabricação e a adição de açúcares perdidos no processo de cura. O que está em jogo, de fato, é o poder da indústria de captar novos consumidores. Não podemos esquecer que 75% da população aprova a proibição de sabores e que o Congresso deveria representar a vontade do povo e não interesses comerciais.
No Brasil, parece que as autoridades têm medo de tomar decisões que contrariam a indústria do tabaco. Há mais de 15 meses, a presidente da República sancionou lei para tornar o país livre de fumo em ambientes fechados, mas até agora não houve qualquer regulamentação, apesar de Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná terem experiência excelente na aplicação e fiscalização das leis locais antifumo.
Parece que o poder da indústria é maior que os R$ 21 bilhões gastos anualmente para tratar as inúmeras doenças causadas pelo consumo do tabaco. O que será que está por trás de tanta leniência?
    MARCELO CRIVELLA
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    Reforma aquária já!
    Se meio por cento das águas da União ficarem isentas de licenciamento ambiental, produziremos 20 milhões de toneladas de pescado por ano
    Não nos anima nenhum sentimento de xenofobia, mas é inaceitável que, com a imensidão de águas do nosso território, sejamos um crescente importador de pescado. Só no ano passado, foi mais de US$ 1 bilhão, ainda que o consumo per capita nacional seja metade da média mundial.
    É que a produção no Brasil não deixa de estar em crise. Não a crise da estagnação que tem levado muitos povos ao desalento, mas a crise fecunda e redentora que, de um lado, nos desafia com o imenso potencial da nação e, do outro, nos intimida com o cipoal de normas e a deficiência na infraestrutura.
    Um paradoxo da nossa conjuntura, a exigir de nós planejar com lucidez, decidir com inteligência e realizar com bravura. E sem, obviamente, demoras desnecessárias.
    A consciência crítica e o inconformismo com o atraso e a miséria, marcas do governo da presidenta Dilma, garantem ao povo brasileiro o direito de ser otimista. O que queremos ser e seremos é um país cuja indústria pesqueira alcance o mesmo desenvolvimento que a avícola ou a bovina.
    O processo começou: o Plano Safra da Pesca e Aquicultura e a desoneração tributária, ao se incluir o pescado na cesta básica, foram os primeiros passos. Agora, a presidenta determinou que o Ministério da Pesca e Aquicultura e o Ministério do Meio Ambiente apresentem proposta para simplificação de licenciamento ambiental para a aquicultura nas águas da União.
    A ideia é o desenvolvimento da aquicultura de zero impacto ambiental. Consiste, basicamente, na dispensa do licenciamento ambiental nos parques e áreas aquícolas em águas da União, em até meio por cento do reservatório, barragem, açude etc., a ser instalada de maneira gradual e com monitoramento ambiental. Ao primeiro sinal de comprometimento dos parâmetros do uso múltiplo da água, interrompe-se a instalação.
    Meio por cento é um índice extremamente conservador, mas, diante do volume de águas que possuímos em domínio da União, no mar e territorial, seria suficiente para produzir algo em torno de 20 milhões de toneladas de pescado anualmente e de maneira sustentável. Repito, meio por cento.
    Estamos determinados e confiantes de que, com trabalho e pesquisa, iremos nos redimir das amarras que ancoram o nosso progresso e promover o desenvolvimento sustentável da indústria pesqueira.
    Com o plano, a Embrapa Pesca e Aquicultura ganha nova força para desenvolver pacotes tecnológicos. O seu presidente lembra que, em um hectare de terra, o melhor pecuarista brasileiro consegue produzir uma tonelada de carne bovina por ano, enquanto, no mesmo tempo, em um hectare de água, pode-se produzir 200 toneladas de peixe.
    Assim, o governo oferece alternativa produtiva melhor para os vultosos investimentos economicamente estéreis na especulação financeira. Nossos empresários são chamados a investir na produção de pescado para fazer do Brasil um dos maiores produtores do mundo. São chamados para suas empresas crescerem com um trabalho rentável e fascinante, mas também sublime, por ajudar no combate à fome.
    Mas o mais importante é que centenas de milhares de famílias de pescadores e ribeirinhos poderão obter um lote aquícola e acrescentar ao patrimônio da nossa geração uma riqueza em proteína animal cujo potencial o BNDES comparou a um novo pré-sal.

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