Dez anos K, das luzes às sombras
O balanço positivo inicial de Néstor e Cristina enfrenta sérios problemas e divide a Argentina ao meio
Não por acaso, o jogo entre o Newell's Old Boys, líder do campeonato argentino, e o Boca Juniors, o mais popular clube do país, será disputado hoje a partir de 21h30, apesar de o Boca ter solicitado que a partida fosse à tarde.
Mas o governo, que manda no futebol, preferiu fazer o jogo coincidir com o programa de TV do jornalista Jorge Lanata, que vem denunciando seguidamente lavagem de dinheiro --muito dinheiro, aliás-- pelo então presidente Néstor Kirchner, morto em 2010.
Tentar encobrir o ruído de denúncias com o ruído do estádio coincide com aquele que não é exatamente o melhor momento de Cristina Kirchner, justamente agora que a era dos K completa 10 anos (Néstor assumiu dia 25 de maio de 2003).
O último bom momento de Cristina, aliás, foi há dois anos, quando se reelegeu comodamente --justo prêmio para um período em que a economia argentina cresceu à média de 7,2% ao ano, criou 5 milhões de empregos formais e reduziu a pobreza. O quanto reduziu é objeto de polêmica, como, aliás, o são todas as estatísticas argentinas.
Para o governo, os 57% de pobres que havia às vésperas da era K caíram para 26% dez anos depois. Mas o Observatório Social da Universidade Católica Argentina afirma que são 38,8% os menores de 18 anos vivendo em situação de pobreza, bem menos que em 2003, mas um número absurdamente alto para um país que chegou a ter nível de nação desenvolvida no entre-guerras.
Pior: o índice de pobreza aumentou de 2011 para 2012, ao invés de seguir diminuindo (era de 37,2%).
O desemprego também está aumentando: subiu para 7,9% no primeiro trimestre, ou 0,8 ponto percentual a mais do que em idêntico período de 2012, o que significa dizer que, em três meses, foram perdidos 255 mil postos de trabalho.
Tais indicadores, mais uma inflação oficialmente manipulada para parecer menor do que os 20 e tantos por cento reais, explicam por que também a popularidade da presidente segue tendência declinante: em apenas dois meses, a aprovação de Cristina caiu de 57% para 48%, enquanto a desaprovação ia de 40% a 49%, segundo pesquisa de abril da consultoria Ipsos-Mora y Araujo.
De todo modo, o empate técnico entre os que querem a presidente e os que a reprovam mostra claramente que os anos K foram de luzes, mas, mais recentemente, encheram-se de sombras.
A reação da presidente está sendo igual à adotada no futebol: foge para a frente em vez de enfrentar os problemas. Limita a compra de dólares até no exterior, congela preços e acaba de inventar a sua versão dos "fiscais do Sarney", usados no Brasil em 1986. Na Argentina, Cristina determinou à militância kirchnerista "mirar para cuidar", ou seja, olhar os preços para evitar que o congelamento desande.
A experiência do Brasil com esses métodos acabou em desastre. Na Argentina, Cristina tem cinco meses para testá-los: na eleição legislativa de outubro, vai-se saber para que lado se desfará o empate técnico entre o amor e o ódio à K sobrevivente.
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