Ah, as mulheres
Meu amigo não entendeu que o homem com quem se sonha não tem nada a ver com o homem que se ama
Eu conheço um homem que, como não leu o livro de Nelson Rodrigues --"Não se Pode Amar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo"--, queria ser amado e ser feliz. De tanto ouvir as reclamações das mulheres sobre os homens, procurou aprender --e aprendeu-- a não ter nenhum dos defeitos dos quais elas se queixavam tanto e que eram sempre mais ou menos os mesmos. Não funcionou com a primeira, nem com a segunda, nem com a terceira, aliás, com nenhuma; ele achou estranho e veio conversar comigo.
E me contou que trata todas, sempre, superbem, valoriza a mulher amada, cuida e zela, mostra que ela é a prioridade da vida dele; é atencioso, prestativo, ótimo pai, procura dar os presentes certos, aqueles que são seus sonhos de consumo, se empenha em fazê-la feliz, apoia o quanto pode sua carreira, leva-a às Europas que ela não conhece, puxa conversa para assuntos de que ela gosta, repara em sua aparência, seu corte de cabelo, e a elogia sempre. Além disso, não se esquece dos aniversários: de casamento, do primeiro dia de namoro, do dia da primeira transa, lembrando sempre com flores, um presente, até mesmo uma viagem; reúne, enfim, todas as condições para ser um ótimo amigo, um pai adorável, e é totalmente desprezado como objeto de desejo e paixão.
Meu amigo não compreende as mulheres, e não entendeu que o homem com quem se sonha não tem nada a ver com o homem que se ama. Nenhuma mulher vai se apaixonar por um homem que esteja de quatro por ela, adivinhando seus pensamentos, realizando seus desejos, antes mesmo de ela saber que desejos são esses. Ela pode gostar, sim, mas durante 24 horas, 48, enquanto existir aquela dúvida fundamental: que talvez não seja para sempre. É insuportável ser amada acima de todas as coisas o tempo todo, e pior ainda ter uma pessoa ao lado que nos tem como sua prioridade.
Para que o amor dure, é preciso que exista a dúvida se ele vai sobreviver, até mesmo àquela noite; não saber se ele vai ligar, não saber em que está pensando quando está calado, e sobretudo --sobretudo-- saber que ele jamais vai lembrar de nenhuma das datas fatídicas, de quando se conheceram etc. etc., e jantar num restaurante especial e tomar um vinho no Dia dos Namorados. Para um homem ser amado é preciso que ele tenha um mundo particular --ou vários-- só dele, e no qual ela não consiga, jamais, penetrar. Que seja o futebol, o surfe, a astronomia, a corrida de cavalos, a guerra da Síria, tudo vale, contanto que ela não seja a única a ocupar seus pensamentos.
As coisas muito certas não têm graça; pense nos cassinos, onde uma multidão arrisca seu dinheiro na incerteza, sem saber se vai dar o preto ou o vermelho, o par ou o ímpar, o 4 ou o 17. Se soubessem, ia ter graça?
Esse meu amigo não fez tudo errado, não. Ele fez tudo certo, quando mandava flores, quando surpreendia suas amadas com a perspectiva de uma viagem, quando lembrava de seu aniversário na véspera, à meia-noite, sem imaginar que ela, chegando aos 42, queria saber de tudo, menos dessa data, razão de sobra pra odiá-lo.
Ele não pensava no prazer dela, e sim no dele; o prazer de se sentir generoso, magnânimo, o amante perfeito, o que para ele era certamente mais importante do que ser amado. Conseguiu, e não tem do que se queixar.
PS "" quem diria que a canção "Ne me Quitte Pas", hino da dor de cotovelo, poderia ser cantada por alguém além de Jacques Brel; pois Maria Gadú ousou, e ainda ousou mais, junto com seu arranjador, botando um ritmo. Deu certo, e viva a dor de cotovelo em versão moderna.
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