SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Eles nasceram "fora do Olimpo", têm as mãos "mais sujas" e dizem que há muito mais trabalho braçal do que glamour em ser curador. A nova geração desses profissionais que desponta no país já conquistou espaço no circuito, mas ainda tenta decifrar a arte contemporânea.
Decifrar, catalogar, ordenar, exibir, criticar, contextualizar e uma série de outros verbos aplicados à dissecação de um dos campos que mais cresce nas artes visuais brasileiras, projetando a imagem do país lá fora.
Nos últimos dez anos, houve o que esses jovens curadores chamam de "desmistificação" da profissão, com a multiplicação de cursos formadores, a maior inserção da geração nos grandes museus e centros culturais do país e a voracidade de um mercado de arte que catapultou a demanda por novos nomes.
Victor Moriyama/Folhapress | ||
Os curadores Paulo Miyada e Ana Maria Maia |
"Nós somos a última geração autodidata, uma geração de passagem", diz Paulo Miyada, 27, que vem organizando mostras de relevância no Instituto Tomie Ohtake. "Mesmo que haja um 'star system' nas artes visuais, vivemos um cotidiano mais braçal do que glamouroso."
Bernardo Mosqueira, 24, carioca que montou sua primeira exposição há três anos, levando obras de 47 artistas a sua casa no Jardim Botânico, é mais direto e denuncia a "falência da imagem do curador", o fim da ideia exagerada "do cara vestido de Armani, viciado em cocaína e preso à agenda telefônica".
"Essa imagem é uma cilada, é irreal", diz Mosqueira. "A ponta visível do iceberg, que é a abertura da exposição, com todo mundo em volta de você, é só o topo brilhante da montanha. Mas abaixo dela, há um trabalho sinistro e árduo de pesquisa. Não é nada 'rock star'."
"Nossa geração já nasceu fora do Olimpo", diz Ana Maria Maia, 28, que será assistente de Lisette Lagnado no próximo Panorama da Arte Brasileira, uma das mostras mais relevantes deste ano.
"Era quase um desígnio divino exercer esse cargo, mas não somos mais essa figura soberba e cultuada. Artistas e curadores hoje são contemporâneos, travam uma conversa que acontece agora."
Moacir dos Anjos, que escalou Maia para ser sua assistente à frente da Bienal de São Paulo há três anos, vê uma "mudança perceptível de atitude" nesse campo. "Há uma insatisfação dessa geração com os modelos já existentes e uma disposição muito maior para experimentar."
Embora seja cedo, na opinião dele, para apontar novas tendências de curadoria, o sistema amadurece. "Essa geração consegue inserir o artista num campo mais amplo, tirar a arte de seu lugar específico e pôr ideias em conflito", diz Anjos. "Mas vai haver uma seleção natural entre os que têm algo a dizer e os que só têm uma pose a defender."
TESÃO E PODER
Isso porque existem os que trabalham "por tesão" e os que vão atrás de "poder", nas palavras de Mosqueira. Mas os que se firmam, na opinião de Luisa Duarte, 33, são os curadores que conseguem ser "intelectuais de seu tempo".
"É um trabalho de ir formando um olhar mais agudo sobre a produção contemporânea", diz Duarte. "Hoje há uma troca mais horizontal entre curadores e artistas, uma relação mais intensa do que nas gerações anteriores."
Solange Farkas, que costuma escalar jovens curadores para ajudar a organizar o festival Videobrasil, também enxerga relações mais próximas entre curador e artista, mas não atribui isso à geração.
"Vivemos um bom momento com a nova safra de curadores. É um contraponto ao mercado voraz", diz Farkas. "Mas, jovem ou velho, sempre acreditei num diálogo de igual para igual com o artista. Não acredito em grandes nomes da curadoria. Isso tem mais a ver com ego e vontade de projeção no mercado."
Se a arte e seu mercado são indissociáveis, equilibrar esses campos de forma inteligente é o desafio da nova leva de curadores, na opinião de Moacir dos Anjos.
"É um processo de construção e demolição constante", diz o curador. "Mas a ambição deve ser fugir da superfície, da coisa rasa, e fazer algo com significado real."
Curadores são tema de livros, mostra e seminário
Projeto dos artistas Pablo Lobato e Yuri Firmeza interroga profissionais
Série de filmes exposta em Fortaleza vai virar livro; encontro neste mês no Recife reúne os nomes da nova geração
Na ala dos veteranos estão Paulo Herkenhoff, Suely Rolnik, Lisette Lagnado e Moacir dos Anjos, entre outros. Pela nova geração, Luisa Duarte, Clarissa Diniz, Bitu Cassundé, entre outros. Todos foram interrogados pelos artistas Pablo Lobato e Yuri Firmeza para uma obra mostrada uma só vez até hoje.
Invertendo os papéis, Lobato e Firmeza colocaram os curadores na parede, para que explicassem seus métodos e revelassem suas ideias.
"Quem vai para o espaço não é a obra, mas o curador. Sempre teve muita especulação sobre o poder desses caras no Brasil", diz Lobato. "Então, a gente, com um espírito meio punk, queria ver como essa coisa funcionava."
Três anos depois de exibido em forma de instalação em Fortaleza, o projeto "O Que Exatamente Vocês Fazem, Quando Fazem ou Esperam Fazer Curadoria?" vai virar livro, que sai pela Azougue em agosto, enquanto os vídeos devem ser exibidos mais uma vez em mostra em São Paulo.
Esse é só um dos vários projetos que tentam "mapear sensibilidades" entre os curadores do país. Focando a nova geração, Guilherme Bueno e Renato Rezende lançaram há pouco o livro "Conversas com Curadores e Críticos de Arte", em que tentam mapear nomes emergentes.
"Essa é a primeira geração que não passou pelo dilema da transição da arte moderna para a contemporânea", diz Bueno. "A ideia era entender a formação intelectual desses autores, uma tentativa também de gerar história."
E polêmica. Desde que foi lançado, o livro vem provocando debates nas redes sociais, com alguns críticos apontando como falha do livro uma abordagem que põe no mesmo saco as figuras do crítico de arte e do curador.
No fim do mês, essas perguntas também devem ser levantadas no seminário Panorama do Pensamento Emergente. Organizado por Cristiana Tejo, o encontro levará ao Recife dez jovens curadores, entre eles Clarissa Diniz, Ana Maria Maia, Júlia Rebouças e Luiza Proença.
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