domingo, 2 de junho de 2013

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Conhecer famosos‏


Estado de Minas: 02/06/2013 

Ser famoso. Estar famoso.

A língua portuguesa tem essa maravilha de diferença entre ser e estar.

Outro dia, estava terminando um curso de criação poética lá no Sesc do Recife, e um dos alunos fez uma pergunta engraçada. Como eu, para ilustrar o que dizia, falasse de autores e gente variada que havia conhecido, o André perguntou:

– Tem alguém importante que o senhor não conheceu?

– Tem. Por exemplo, não conheci Maurício de Nassau. Não deu para conversar com Tomé de Sousa… E fui por aí afora, brincando com a ideia e tratando dessa coisa de ver, de conhecer gente “famosa”. Contei até aquela estória de uma criança que perguntou a Marina Colasanti se ela conhecia alguma pessoa famosa. Quer dizer, conhecer alguém famoso é ser famoso.

Já havia feito uma brincadeira dizendo que ia botar no meu currículo o fato de ter visto os Beatles. Ter visto os Beatles, constato, é mais importante que ter escrito muitos livros ou feito conferências até no Irã. Os mais jovens me olham com o maior respeito, como se eu, medalhão, já andasse de perfil: ali vai um homem que viu Os Beatles !...

Vi Stravinsky regendo uma orquestra em Los Angeles. Ele existiu. Eu o vi com esses olhos que a terra há de comer. Isso foi nos anos 60, Stravinsky velhinho e eu novinho.

Em compensação, quando Einstein veio ao Brasil, em 1925, eu não tinha nascido.  Sobre Einstein, contam que ele ficou intrigado com o fato de Alceu Amoroso Lima, que o acompanhava, volta e meia anotar coisas numa caderneta. Einstein acabou indagando ao Alceu o que tanto anotava. Alceu disse: “Tenho muitas ideias, e toda vez que tenho uma ideia a anoto!”. Ao que Einstein comentou: “Engraçado, só tive uma ideia até hoje...”.

Isso tem piada, como dizem os lusos. Mas encontrei a mesma estória envolvendo Paul Valéry, portanto, isso é folclore urbano. O fato é que não conheci Mário de Andrade e isso é indesculpável, insanável, nunca recebi uma carta dele, fiquei órfão dele…

Drummond, Cabral, Clarice, Otto, Fernando, Rubem Braga, Jorge Amado, Vinicius, Tom Jobim e até Dorival Caymmi não valem, pois viviam nas minhas cercanias, encontrá-los não era nada de excepcional. E JK, Geisel, Figueiredo, Collor, FHC atravessaram o meu caminho.

Mas tenho várias falhas. Como não ter conhecido Guimarães Rosa? Não conheci também Graciliano Ramos. Ele e José Lins do Rego tiveram a indelicadeza de morrer cedo. Mas conheci a mulher e filhos de Graciliano e filhas do José Lins. Quando dirigi a Biblioteca Nacional, além de levar lá os familiares do velho Graça, obtive do ministro da Justiça, Célio Borja, todos aqueles documentos secretos sobre a prisão de Graciliano na ditadura Vargas.

Ah, sim. Vou botar no meu currículo. Um dia, conversei com Gregory Peck. Exatamente. Aquele menino que foi baleiro do Cine São Mateus, em Juiz de Fora, bateu papo com o Greg num coquetel em Los Angeles. Desabusado.

 Vi e ouvi o Francis Coppola quando ele não era Francis Coppola, mas um jovem que havia apresentado seu filme/tese de mestrado na Ucla. Era o enfant terrible da mesa, onde, aliás, estava também Gregory Peck. Coppola era aluno na universidade onde eu lecionava.

Vou lhes revelar: estive e não estive com Jorge Luis Borges.  Era uma manhã em Buenos Aires, anos 70. Eu e Marina passávamos por uma galeria e lá havia uma livraria. Borges estava lá dentro. Ia ficar lá naquele aquário todo o dia, dando autógrafos. Pois nós passamos e pensamos: é constrangedor chegar perto dele e dizer que somos dois fãs brasileiros, escritores, leitores, etc. Ficamos olhando de fora, ele no aquário da livraria praticamente sozinho. Um peixe ao deus-dará. Dando autógrafos.

Não entramos. De tarde passamos pelo mesmo local. E ele lá dentro, com seus olhos aquosos e suas guelras nos esperando. Ficamos constrangidos. Não entramos. Resultado: não temos suas obras completas autografadas. Eis uma situação borgeana.

Em compensação, em 1973, Michel Foucault jantou aqui em casa.

Mas isso… já cansei de contar e vocês não aguentam mais.

Um comentário:

  1. As crônicas de A.R.S. fazem parte do meu cotidiano. Graças a este Blog.

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