Zero Hora - 02/06/2013
Estreou semana passada o filme francês A Datilógrafa, que ainda não vi e
possivelmente não verei em função do meu pouco tempo livre. Minha
patroa anda cada vez mais ocupada, e quem segura o rojão sou eu, claro.
Mas seria ótimo assistir a um filme onde, finalmente, sou
protagonista. Pelo que ouvi dizer, a história se passa em 1958, quando
as mulheres estavam começando a colocar as manguinhas de fora. Uma
garota de 21 anos recebe de presente uma máquina de escrever e resolve
aventurar-se no excitante mercado de trabalho, esforçando-se para ser
uma boa secretária, que era a atividade adequada às moças daquela época.
Depois o filme parece que vira uma competição, e daí por diante não
sei mais nada, mas o resumo inicial me fez lembrar de quando ganhei, aos
13 anos, uma Olivetti Lettera 32. Tirei-a do estojo com o maior cuidado
e suspirei: estava ali o passaporte para a profissão que eu sempre
havia sonhado exercer.
Fiz um curso de datilografia e passei a praticar todo dia. Comecei a
escrever poemas só para exercitar os dedos no teclado, eu que até então
me atrevera apenas aos diários escritos à mão. Vinha um verso, vinha
outro, e eu ali, treinando, fazendo de conta que era poeta, até que
tivesse idade suficiente para virar a secretária que eu desejava ser.
Num acesso de loucura, acabei mandando uns poemas para uma editora
e, pra encurtar a história, publicaram um livro meu. Já trabalhava como
redatora publicitária nessa época, porque tinha que ganhar algum
dinheiro, mas lembro que, quando faltava uma secretária na agência, eu
me oferecia para ficar no lugar dela. E tive meu dia de telefonista
também.
O tempo passou e lancei outro livro, e mais outro, e depois da
poesia veio a crônica, abandonei a propaganda, fui apresentada ao
computador, comecei a escrever para vários jornais, meus textos passaram
a ser adaptados para o teatro, iniciei na ficção e aí aconteceu: virei
secretária de mim mesma.
Hoje, realizada, passo 80% do dia atendendo ligações, respondendo
toneladas de e-mails, avaliando contratos, agendando entrevistas,
negociando prazos de entrega, indo ao cartório para reconhecer firma, ao
correio para remeter livros, ao súper para fazer as compras da casa,
negociando cachês com revistas, trocando mensagens com a contadora,
marcando sessões de fotos, providenciando vouchers de hotéis e passagens
aéreas para os compromissos fora do Estado, autorizando publicações de
textos em livros didáticos, avaliando novas propostas de trabalho e me
desculpando em nome da minha patroa por ela não conseguir atender todos
os pedidos de leitura de blogs.
Não sei o que seria dela se não contasse comigo para esse serviço de
secretariado, se bem que hoje a madame abusou: me botou para escrever
sua coluna. Espero que não acostume, só me falta ter que assumir os seus
20% restantes de tempo.
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