O Globo - 02/06/2013
Professora, pesquisadora e assessora da Comissão Nacional da Verdade refuta a tese de que a tortura foi uma resposta à luta armada no país.
EVANDRO ÉBOLI
eboli@bsb.oglobo.com.br
Por que recusa o termo
“golpe dentro do golpe"?
Porque estamos conseguindo
elementos empíricos de
pesquisa que nos permitem
pensar que a estrutura de repressão
da ditadura já está
contida em 64. E a partir de
68 se dá a expansão disso, a
continuidade. Ou seja, a matriz
da repressão foi montada
bem antes, em 64 e 65. E a
tortura virou uma prática de
interrogatório. Aliás, essa hipótese,
de a tortura começar
cedo, foi levantada pela Rosa
Cardoso (coordenadora da
Comissão da Verdade).
Ou seja, nada acontecia por
acaso. Tinha uma organização
desde sempre.
O AI-5 pesou sim, assim como
existiu a linha dura. Isso tudo
está certo. Mas o que nós estamos
descobrindo é a matriz
anterior à luta armada. Não se
dá de forma pontual e desorganizada.
O raciocínio militar
de que se estava numa guerra
sempre existiu, não foi só a
partir de 68 ou 69. O AI-5, diria,
foi importante sim, mas
não foi determinante.
lO seu trabalho revelou que
os ministros militares da época
tinham conhecimento do
que ocorria nos porões dos
DOI-Codi. Era imaginável,
mas ainda não comprovado.
Não havia documento revelando
com tanta clareza que a cadeia
de comando chegava aos
ministros. Acho que estamos
conseguindo comprovar, de
maneira irrefutável, alguns fatos
importantes para a História.
A Comissão da Verdade já
conclui também que o Rio
era o foco principal dos militares
no início do golpe.
É impressionante o quadro do
Rio. Eram muitos centros de
tortura ali, as prisões ocorriam
em massa. E é interessante
pensar que as denúncias no
Rio eram todas ligadas a
operários, sindicalistas e ao
movimento estudantil.
A comissão identificou
até universidades e navios
como locais de tortura.
E os estádios de futebol?
É simbólica a utilização do
estádio como espaço para as
ações do governo de exceção.
Logo vem a cabeça o
Estádio Nacional do Chile.
Mas aqui estamos rastreando
e temos informações do
uso do Caio Martins e até do
Maracanã. Talvez tenhamos
notícia logo sobre isso.
Há uma queixa da Comissão
da Verdade sobre o
pouco empenho dos comandos
militares em colaborar
com informações. A
senhora constata esse fato?
Acho que os documentos
existem e me cabe estudar e
pesquisar os que estão disponíveis.
Mas recorro ao
Chico Buarque, que diz numa
letra (”Hino da Repressão”)
que “se no seu distrito
tem farta sessão de afogamento,
chicote, garrote e
punção; a lei tem caprichos,
e o que hoje é banal um dia
vai dar no jornal”.
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