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SUZANA SINGER ombudsman@uol.com.br @folha_ombudsmanfacebook.com/folha.ombudsman
As antenas do ministro
Com apuração precária, jornal conclui que critério político guiou a concessão de retransmissoras de TV
Os repórteres obtiveram, com base na Lei de Acesso à Informação, um número que pareceu revelador: de 39 concessões autorizadas por Paulo Bernardo, oito foram para municípios do Paraná.
Uma retransmissora não produz conteúdo nem vende publicidade, apenas garante que o sinal da geradora de TV chegue a determinada cidade. Trata-se de comprar um terreno, instalar uma antena e repassar a programação, em um negócio geralmente muito lucrativo. A distribuição de retransmissoras não passa pelo Congresso. Depende da autorização do ministro das Comunicações, que, segundo a reportagem da Folha, estaria usando esse poder para turbinar os planos políticos de sua mulher -Gleisi Hoffmann, ministra da Casa Civil, é cotada para disputar o governo do Paraná pelo PT no ano que vem.
Trata-se de uma acusação grave, feita com base em um número, que sozinho não diz nada. A reportagem enumera sete municípios no Paraná beneficiados com as retransmissoras, que seriam bases eleitorais de Bernardo e Hoffmann. Só que o texto não traz o desempenho eleitoral dos dois políticos nesses lugares nem conta se o casal tem ido frequentemente a essas cidades.
Além disso, para concluir que Bernardo adotou critérios políticos para autorizar retransmissoras, o jornal deveria ter analisado cada processo. Era preciso uma nova antena em Maringá? Quem é o empresário que fará a retransmissão? Havia outros interessados? O pedido passou na frente de algum mais antigo? Sem essa investigação, a reportagem não se sustenta.
À apuração precária, somaram-se erros de edição, que resultaram num pequeno desastre jornalístico. A Redação modificou o "lide" (primeiro parágrafo), que acabou dizendo que Bernardo concentrou as novas retransmissoras no Paraná, dado que não batia com o que estava no infográfico. A edição também esmagou o "outro lado" do ministro nos dois últimos parágrafos.
Na terça-feira, o "Painel do Leitor" publicou uma carta do Ministério das Comunicações, com uma nota embaixo negando que tenha havido manipulação de dados, além de um "erramos" incompreensível.
Em mensagem para mim, Paulo Bernardo disse que "todos os números na reportagem estão errados" e que "parece de pouca valia recorrer de publicações da Folha".
Não é verdade que os dados estavam incorretos, o problema é que eles não eram suficientes para provar o que pretendia a reportagem. Com o pouco que foi apresentado aos leitores, não dá para concluir se o ministro tem se guiado por razões técnicas e republicanas na concessão de retransmissoras ou se tem agido por motivação eleitoral.
Em reportagens de "denúncias", é fundamental dar mais tempo para a apuração, não adianta se encantar com um dado e correr para publicá-lo. Cabe à edição, por sua vez, derrubar textos que pareçam inconsistentes e devolvê-los aos repórteres para que preencham as lacunas existentes.
O bom jornalismo político é o que traz à tona o que as autoridades tentam manter no escuro. O resto não passa de denúncias descarnadas, destinadas a preencher páginas e a matar de tédio o leitor.
'O' ANUNCIANTE
A Folha publicou, na quarta-feira passada, que uma auditoria constatou supervalorização dos ativos das Casas Bahia, quando da fusão com o Ponto Frio.Dois dias antes, o mesmo caderno "Mercado" informava que as Casas Bahia é o maior anunciante do país, situação que se repete há 11 anos. Depois desse exemplo, os que duvidam que, na Folha, exista uma separação de fato entre editorial e comercial precisarão sair à caça de novos argumentos.
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