Renovar ou repetir?
Depois de "Salve Jorge", há alívio no ar com perspectiva de que "Amor à Vida" seja, ao menos, decente
Não cabe aqui descrever a rica história do gênero no Brasil, onde adquiriu uma especificidade única, nem detalhar as diferentes etapas do seu desenvolvimento, quase sempre em paralelo com o próprio país.
O fato é que a novela, desde o início da década de 1970, tornou-se o principal produto da televisão, e ainda hoje ocupa um espaço notável no cotidiano do brasileiro.
Item mais nobre desta indústria, a chamada "novela das oito" (hoje, "das nove"), da Globo, é uma espécie de instituição nacional há mais de 40 anos. Mesmo com a audiência em queda, sofrendo a concorrência de outras mídias, ela permanece como referência em matéria de entretenimento.
Veja, por exemplo, "Salve Jorge", encerrada há duas semanas, depois de acumular as mais baixas audiências da história neste horário. O último capítulo registrou 46 pontos no Ibope (cada ponto equivale a 62 mil domicílios na Grande São Paulo), sendo responsável por 76% dos aparelhos ligados no horário. Para um fracasso, os números impressionam.
A novela de Gloria Perez foi um ponto fora da curva não apenas em matéria de ibope. "Salve Jorge" destoou, também, de um movimento, que parece em curso, de renovação do gênero. Mesmo que não tenha uma política clara neste sentido, a Globo tem apoiado produções nitidamente destinadas a dar um novo impulso à indústria.
"Cordel Encantado" (2011), "Avenida Brasil" e "Cheias de Charme", ambas em 2012, apresentaram novidades interessantes e, em alguns aspectos, fixaram novos padrões. A primeira mostrou o potencial de uma história mágica filmada com técnicas de cinema. A segunda introduziu padrão de seriado americano em um novelão. E a terceira contou uma história infantil em ritmo de internet.
Não bastasse, os três folhetins chamaram a atenção pela qualidade dos textos, o cuidado com a produção e os elencos bem dirigidos.
"Avenida Brasil" e "Cheias de Charme", cada uma à sua maneira, conseguiram ainda retratar o fenômeno de mobilidade social vivido pelo país nos últimos anos.
Exibida logo depois de "Avenida Brasil", "Salve Jorge" passou a impressão de ser uma novela do século passado. Fiel ao estilo que a notabilizou a partir da década de 1990, Gloria Perez propôs, mais uma vez, o que a crítica Esther Hamburger chama de "novelas de intervenção" ""histórias calcadas em situações reais, destinadas a mobilizar a população e prestar serviços"" sem se dar conta de que isso já não é mais tão necessário nos dias de hoje.
Depois deste "desastre" há um clima de alívio no ar com a perspectiva de que "Amor à Vida" seja, ao menos, uma novela decente.
Walcyr Carrasco está imprimindo ritmo alucinante à trama, o que mostra sensibilidade às demandas do espectador atual. Também tem recorrido a diferentes "golpes baixos" (vilão gay, discurso contra aborto, participação especial de Neymar), mas parece-me não ter nada de novo a dizer. Seu objetivo, dá a entender, é apenas o de recuperar a audiência perdida por "Salve Jorge".
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