Presidentes de agências federais de pesquisa trocam acusações de inflar números do Ciência sem Fronteiras
Correspondência entre dirigentes da Capes e do CNPq mostra ameaça de 'jogo de empurra' entre os dois órgãos
TAI NALONDE BRASÍLIA
Uma troca de e-mails entre os presidentes das duas principais entidades de fomento à pesquisa do governo federal em abril passado revela troca de acusações sobre fragilidades no Ciência sem Fronteiras, programa de bolsas de estudo no exterior.A Folha teve acesso a correspondências entre o presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Glaucius Oliva, e o da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Jorge Guimarães, mostrando divergências na condução do programa, acusações de inflar números e ameaças de sabotagem.
A reportagem apurou que o clima beligerante entre os órgãos continua. Os dirigentes negam haver crise no programa.
A veracidade dos e-mails, que chegaram à reportagem por meio de correspondência apócrifa, foi atestada pelos dois dirigentes. Eles, porém, não quiseram se manifestar sobre a troca de acusações.
Lançado em 2011, o Ciência sem Fronteiras tem como objetivo enviar 101 mil bolsistas para o exterior até 2015. A meta é considerada irrealista, reservadamente, por envolvidos em sua execução.
A Folha apurou que foi aventada, em reunião com o ministro Aloizio Mercadante (Educação), a possibilidade de fundir as agências para cuidar do problema. A opção foi descartada por ora.
OS E-MAILS
A correspondência começou em 6 de abril com a discussão sobre mandados de segurança contra o CNPq, impetrados por pelo menos 60 estudantes que pediam acesso às bolsas no exterior.Segundo Oliva, os candidatos são de áreas de humanas, consideradas como "baixa prioridade" para o Ciência sem Fronteiras --o programa se concentra nas áreas de exatas e tecnologia.
A informação foi levada à cúpula do programa, que trocou acusações.
Jorge Guimarães, presidente da Capes, escreve que está "preocupado" com a falta de de uniformidade nos procedimentos das duas agências quanto à concessão das bolsas e que "está pensando" em sugerir que o ministro Aloizio Mercadante deixe o Ciência sem Fronteiras só nas mãos do CNPq. "Tem sido muito difícil esse dia a dia."
Segundo Guimarães, uma das grandes diferenças entre as agências é o conceito de bolsa concedida. "Só consideramos concedida a bolsa quando o bolsista recebe a passagem e confirma o voo."
Oliva discorda. "Você acha que deveríamos contabilizar os estudantes somente quando eles emitirem a passagem? Neste caso jamais teríamos chegado ao final de 2012 com as 22 mil bolsas concedidas."
Oliva também considera "inaceitável" centralizar o Ciência sem Fronteiras no CNPq, agência que ele dirige.
"Espero que esse assunto (...) seja encerrado aqui. Aliás, levá-lo ao ministro Mercadante seria um golpe inaceitável e injusto, comigo e com o CNPq, pois é evidente que o ministro não aceitará e vai simplesmente vir para cima de mim, pessoalmente, me responsabilizando por não cuidar do Ciência sem Fronteiras como deveria."
No fim de abril, a Folha revelou que o programa incluía em sua contabilidade bolsistas regulares da Capes, mas o governo negou tratar-se de uma maquiagem.
OUTRO LADO
Dirigentes negam atritos na gestão do Ciência sem Fronteiras
DE BRASÍLIAApesar de atestar o conteúdo dos e-mails, tanto Glaucius Oliva, do CNPq, quanto Jorge Guimarães, da Capes, afirmam que não há crise no gerenciamento do Ciência sem Fronteiras."O sucesso nacional e internacional do programa, como atestado pela esmagadora maioria dos bolsistas contemplados e pelos parceiros universitários no exterior, demonstra que estamos no caminho certo na gestão do programa", diz Oliva, que recebeu o apoio de Guimarães.
Eles dizem que "são amigos próximos há 20 anos" e que se tratam com "total franqueza e transparência". Os dois se recusaram a comentar o que chamaram de "ilações" expostas pelos e-mails.
"Não há qualquer chance de haver jogo de empurra entre as agências", disse Oliva.
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