domingo, 11 de agosto de 2013

Sexos masculino e feminino apareceram ao mesmo tempo, segundo pesquisadores

Pesquisadores fazem mapa genético de sociedades antigas e encontram fortes indícios de que os sexos masculino e feminino apareceram ao mesmo tempo 


Vilhena Soares

Estado de Minas: 11/08/2013 



Na Bíblia, a história que explica o aparecimento dos primeiros seres humanos conta que o homem foi o primeiro a ser criado. A mulher, Eva, teria surgido depois, a partir de uma das costelas de Adão. No campo científico, teorias apontam que o gênero feminino e seu DNA mitocondrial teriam aparecido bem antes que os homens. Porém, uma terceira hipótese acaba de impactar a ciência. Estudos publicados pela revista americana Science defendem que os dois sexos tiveram origem praticamente ao mesmo tempo. 

A pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford mostra que os dois gêneros teriam surgido em um curto intervalo de tempo, o que difere de outros estudos na mesma área. “Pesquisas anteriores indicavam que os ancestrais comuns mais recentes (MRCAs, pela sigla em inglês) do homem viveram em um período muito mais recente do que o MRCA das fêmeas. Mas agora nossa pesquisa mostra que não há discrepância”, explica Carlos Bustamante, Ph.D. professor de genética na Universidade de Stanford e um dos autores do estudo.


A teoria do criacionismo relata que os filhos de Adão e de Eva povoaram o mundo, formando uma única linhagem. No entanto, os cientistas explicam que o processo pode ter sido bem mais complexo. Outros homens e mulheres teriam vivido no mesmo período e também tiveram seus descendentes. O foco de estudo dos cientistas foi a herança herdada dos primeiros povos, preservando a originalidade genética. Os genes analisados foram o cromossomo Y, por ser passado do pai para o filho, e o genoma mitocondrial, transferido da mãe para a filha.


Para analisar as mudanças, a equipe de Stanford comparou sequências do cromossomo Y entre 69 homens de regiões distintas, como Namíbia, República Democrática do Congo, Gabão, Argélia, Paquistão, Camboja, Sibéria e México. Com uma tecnologia de sequenciamento de alta qualidade, eles identificaram 11 mil diferenças entre as sequências genéticas, formando uma grande árvore. “É como um relógio que mostra ‘horas’ e ‘milissegundos’. Podemos, agora, obter estimativas muito precisas de parciais de linhagens, por causa do número grande de mutações na árvore”, destaca Bustamante.


Ao analisarem os cromossomos Y, os pesquisadores apontaram um sincronismo, durante a comparação com o DNA mitocondrial. “Quando comparamos os resultados do chamado ancestral comum dos homens, recebemos uma idade que era pouco mais antiga do que pensávamos. Em seguida, ao compará-la com dados mitocondriais, para estimar o MRCA das fêmeas, percebemos que estávamos encontrando datas muito semelhantes”, explica Bustamante.


De acordo com o cientista, a pesquisa não mostra uma origem apenas para os dois gêneros. “Os dados não sugerem uma origem única das linhagens homem e mulher. Tudo o que podemos dizer é que o MRCA das linhagens femininas (aqueles que só passam o DNA mitocondrial de mães para as filhas) e as linhagens masculinas (os cromossomos Y, transferidos pelo pai) viveram aproximadamente no mesmo momento. Isso pode ser explicado como um acaso histórico”, explica.

DNA conservado  Para Mariano Zalis, biólogo molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pesquisa muda conceitos. “Antes, o DNA mitocondrial era considerado mais antigo. Agora, com o mapeamento desses povos ancestrais, temos evidências de de que ambos possam ter surgido em épocas semelhantes”, explica. Zalis conta que a análise em povos antigos é essencial, pois permite uma precisão maior do mapeamento. “Essas populações possuem pouca mistura, diferentemente dos brasileiros, que têm influência de diversas etnias. Quanto mais antigo (o povo), mais mistérios são revelados e teorias como essa surgem”, explica.


De acordo com Bustamante, o próximo foco é decifrar o DNA de indígenas. “Estamos muito interessados na história das Américas. Nós gostaríamos de sequenciar os cromossomos Y de grupos indígenas dessa região e obter uma compreensão mais clara da história não escrita do continente”, declara. “Também me interesso muito pelo comércio transatlântico de escravos e pelo rastreamento de linhagens de ancestrais africanos. Elas perderam muito de sua história, mas podemos recuperá-las.”


Mudança de gêneros


Em um estudo publicado pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Case Western Reserve (em Cleveland, Ohio) usaram o cromossomo Y para explicar a determinação dos gêneros em roedores. A equipe de cientistas analisou o gene Sry, que integra o cromossomo Y. O gene, típico de mamíferos, orienta a diferenciação da gônada embrionária —é o responsável por definir o sexo masculino dos animais. Os pesquisadores notaram que, em algumas populações de roedores, o cromossomo Y desapareceu. O que levantaria a questão de que alguns ratos, para serem diferenciados como masculinos, sofreram outra alteração.

Para João Ricardo Mendes, geneticista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o que chamamos na natureza de “sexo masculino” parece muitas vezes supérfluo. “Várias espécies podem reproduzir parcial ou completamente, sem a presença do macho. As abelhas geram os zangões por um processo chamado partenogênese, sem participação dos machos”, detalha.


Mendes explica que a determinação de sexo passa por muitos processos. “É como se todo homem tivesse uma ‘fase feminina’ antes de atingir a maturidade sexual embriológica. Estudos que abordam o tema são revolucionários e colocam em xeque crenças anteriores.” (VS)


Nenhum comentário:

Postar um comentário