domingo, 11 de agosto de 2013

Marcelo Tas - O Facebook e a máquina de escrever - Tendências/Debates

folha de são paulo
MARCELO TAS
O Facebook e a máquina de escrever
A mídia antiga foi empurrada para a revolução digital. É hora de nos desapegarmos de falsos dilemas e reinventarmos o jornalismo
Minha primeira vez na Redação da Folha coincidiu com a chegada dos computadores.
Até então, o ambiente era dominado pelas máquinas de escrever e pela fumaça dos cigarros.
Fui testemunha ocular da rejeição instantânea de alguns colegas à novidade tecnológica.
Uns profetizavam que a chegada das "máquinas silenciosas com monitores parecidos com os de TV" era um sinal do fim do jornalismo. Outros se agarravam nostálgicos às suas Olivettis como náufragos diante de uma boia no convés do Titanic.
Temo que o atual debate "jornalismo convencional x redes sociais", da forma como tem sido conduzido nesta Folha, repete o falso dilema "computador x máquina de escrever". A comparação entre ferramentas diferentes, somada à confusão entre ferramenta e usuário, conduz a conclusões distorcidas.
A mudança central que computadores trouxeram ao jornalismo foi conectar os profissionais na Redação e, depois, fora delas. As informações passaram a ser compartilhadas em tempo real, flexibilizando as decisões editoriais e os prazos de fechamento.
Era o início tímido da aceleração espantosa que experimentamos hoje na publicação das notícias na era das redes sociais.
Já as redes sociais não representam uma mudança de hardware, mas de software. Na história da comunicação, a transmissão da informação sempre foi unidirecional.
Na revolução digital, as redes sociais subverteram esse fluxo. Leitores não querem mais ser só leitores. Querem também publicar, criticar, influenciar. Substitua leitores por telespectadores, ouvintes, empresas, consumidores, alunos, professores, chefes, funcionários, pais, filhos, torcedores, clubes de futebol e sinta o tamanho da encrenca.
Depois das manifestações de junho, a Folha passou a ser enfática em criticar as redes sociais. Em um editorial, chegou a alertar: "É honesto reconhecer um aspecto corporativo nessas críticas".
Não questiono a legitimidade das críticas, mesmo corporativas, e até concordo com algumas delas. O equívoco é como se fundamentam: na tentativa inglória de separação asséptica entre "jornalismo convencional" e redes sociais.
Sérgio Dávila, em "Cidadão Face", coloca de um lado a "imprensa profissional" e do outro, a geração Movimento Passe Livre, que ele condena pelo uso do Facebook.
Na mesma coluna em que critica a Folha por "comer poeira" por não levar a sério denúncias surgidas na rede, a ombudsman pisa no mesmo tomate. Suzana Singer decreta que "no momento, blogs e redes sociais não têm capacidade para tomar o lugar da mídia convencional."
Ora, blogs e redes sociais são apenas ferramentas, sem vida própria. Podem ser usadas bem ou mal, por profissionais ou amadores. Ao que me consta, esta Folha tem blogs e está nas redes sociais. Resta a pergunta: qual o significado, em 2013, da expressão "mídia convencional"?
Não é mera questão semântica. Quem pensa fazer parte da "mídia convencional" parece ainda acreditar na existência de um "leitor convencional". Mesmo contra a vontade, a mídia antiga já foi empurrada para a revolução digital pelos seus próprios usuários. É hora de nos desapegarmos dos falsos dilemas e reinventarmos o jornalismo.

GLENDA MEZAROBBA
Futuro do pretérito
A história não ensina? Ou somos péssimos alunos? Como ainda é possível conviver com a tortura e os desaparecimentos forçados?
Não poderia ser mais oportuno o lançamento da versão digital das mais de 900 mil páginas que compõem o conjunto de 710 processos tramitados no Superior Tribunal Militar durante a ditadura.
Pouco sensato será desperdiçar o convite à reflexão que esse encontro do passado com o presente faz à sociedade brasileira.
Resultado da coragem de um pequeno grupo de defensores dos direitos humanos que atuou sob constante risco e produzido à revelia do Estado, o projeto Brasil: Nunca Mais (BNM) não teria existido sem a disposição do reverendo Jaime Wright e o empenho de dom Paulo Evaristo Arns --desde o início, foi o cardeal quem arcou com a responsabilidade de eventuais desdobramentos não desejados da iniciativa, sem sequer pedir permissão ao Vaticano para desenvolvê-la.
Graças ao suporte financeiro do World Council of Churches, o irmão de Paulo Stuart Wright, deputado cassado logo após o golpe e que desapareceu em 1973, e o arcebispo que acolhia os familiares de presos e perseguidos políticos conseguiram tornar público, poucos meses depois do fim da ditadura, o mais alentado estudo sobre a tortura no Brasil.
Editada sob a forma de livro e lançada sem alarde, a obra que sintetiza o projeto --e rapidamente entraria para a lista das mais vendidas-- trata do sistema repressivo, da subversão do direito e das diferentes formas de suplício a que os presos políticos eram submetidos.
Suas tabulações indicam que as denúncias de tortura ocorriam em cerca de 25% dos processos, número impressionante se levarmos em conta os riscos que ofereciam a quem estava sob custódia policial.
Retrato do horror vivido por determinado grupo de indivíduos, durante um regime de exceção e em um contexto histórico específico, a versão completa que a era digital agora dissemina segue contemporânea. O tempo decorrido desde então não foi suficiente para alterar a realidade.
A questão permanece atual porque a sociedade brasileira ainda convive com a violência e a tortura. Se é verdade que o Estado rapidamente ouviu o apelo do cardeal Arns, registrado no prefácio do livro, para que o país assinasse a Convenção contra a Tortura, também é fato que os desaparecimentos forçados continuam ocorrendo.
Desde maio de 1973 ignoramos o paradeiro da estudante Maria Augusta Thomaz, por exemplo. Há quase um mês desconhecemos o destino do pedreiro Amarildo, desaparecido após ter sido abordado por policiais militares, no Rio.
E embora nesta semana a presidenta Dilma tenha sancionado a lei nº 12.847, que cria o sistema nacional de prevenção e combate à tortura, parece evidente não ser possível esquecer os crimes cometidos por agentes do Estado. Tenham eles ocorrido há décadas, meses ou dias.
Da mesma forma, também não é mais possível ignorar o "direito inalienável" que as sociedades têm de conhecer a verdade sobre crimes do passado e o dever de recordar que os Estados precisam cumprir.
Conjunto de princípios publicado pela ONU em 2005 indica que a história de determinado período de opressão constitui patrimônio público, cabendo ao Estado preservar do esquecimento a memória coletiva.
Se não há dúvidas de que o projeto BNM conseguiu criar um registro duradouro da tirania do Estado, também parece incontestável que ainda não conseguimos lidar com o legado deixado por ele.
Construímos nossa democracia, regime que pode ser definido também pelo apreço à transparência, ao mesmo tempo em que abarrotamos os presídios. Vivemos em um país com a quarta maior população carcerária do mundo. São 548 mil pessoas atrás das grades.
A história não ensina? Ou somos péssimos alunos? Como ainda é possível conviver com a tortura e os desaparecimentos forçados?
Escolher o que devemos lembrar e de que forma vamos fazê-lo será decisivo para o futuro que construímos no tempo presente.

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