domingo, 11 de agosto de 2013

MTV reúne velha guarda para dizer adeus - Silvana Arantes, Zeca Camargo e Keila Jimenez

folha de são paulo
Ex-VJs gravam retrospectiva de suas participações no canal, que encerra transmissão com sinal aberto em setembro
Apresentadora do primeiro clipe, em 1990, Astrid pediu para apresentar o último: 'Eu acendi, eu apago'
SILVANA ARANTESDE SÃO PAULO
Não foi preciso perguntar quem iria apagar a luz. "Eu acendi, eu apago. Pode vir para mim essa responsa'."
Assim Astrid Fontenelle, ex-VJ da MTV Brasil, se ofereceu parar apresentar o último clipe a ser exibido pela emissora em sinal aberto, no próximo dia 30 de setembro.
Foi Astrid, hoje no GNT ("Saia Justa", "Chegadas e Partidas"), quem apresentou o clipe de estreia do canal, em 20 de outubro de 1990 --Marina Lima interpretando "Garota de Ipanema" (Tom Jobim e Vinicius de Moraes).
A oferta de Astrid foi feita ao diretor de conteúdo e programação da MTV Brasil, Zico Goes, quando ele a convidou para gravar o "My MTV", série de retrospectivas com ex-VJs que dará "uma cara vintage'" à etapa final das transmissões da emissora, como diz Goes.
A MTV sairá do ar em sinal aberto porque o grupo Abril, que licenciava a marca de sua proprietária, a americana Viacom, optou por não renovar o contrato, já que a operação era deficitária.
A Viacom assumiu o controle da MTV Brasil e planeja relançá-la na TV por assinatura, no dia 1º de outubro.
Para o "My MTV", que deve estrear no próximo dia 19, Goes diz que convidou "ex-VJs literalmente de A, de Astrid, a Z, de Zeca Camargo".
Zeca deixou o posto de editor-assistente da Folha "Ilustrada" em 1990, para comandar o jornalismo da MTV Brasil. "Era uma oferta irrecusável --um canal que só ia falar de música, um assunto que eu adorava", diz ele.
Atual apresentador do "Fantástico" (Globo), Zeca vê o início da MTV Brasil como "a época da inocência", em que "a possibilidade de arriscar era fascinante".
A chance do risco era dada pela combinação "audiência pequena e muito barulho", que marcava a emissora. "O que dava certo a gente repetia. O que não dava, a gente deixava de lado", afirma.
Um território "muito livre" em que "você tem um chefe mais ousado do que você e por isso pode pirar", diz Marina Person, que trabalhou na MTV de 1993 a 2011, definindo sua experiência no canal.
Ao gravar o "My MTV", Marina afirma ter se emocionou em dois momentos, mas acha que conseguiu evitar a pieguice. "Deu aquele marejar nos olhos, mas não chorei. A gente tira sarro da própria emoção, da cafonice."
Embora se emocione nos bastidores das gravações, Goes não quer que as lágrimas deem o tom da despedida da MTV Brasil.
"Não pode ser triste, para baixo. É só um sinal dos tempos", diz ele. "Essa MTV não cabe mais. Os tempos mudaram. Vamos celebrar o fato de a gente ter estado num lugar como esse e produzido tantas coisas legais."
Para Didi Wagner, que ficou de 2000 a 2005 no vídeo na MTV e hoje está no Multishow, evitar o "chororô" não foi difícil. "Não consigo olhar isso como a morte da MTV. Ela vai continuar, só não do jeito que eu conheci", afirma.
Sarah Oliveira, que começou a trabalhar na MTV aos 20 anos, em 1999, e saiu de lá em 2005, diz que foi "muito emocionante" se ver "piveta" nas imagens de arquivo.
"Fiquei feliz que a MTV esteja indo para canal fechado. Sou de canal fechado [GNT]. A gente tinha que fazer um apelo para a Sky e a Net serem mais baratas, para a molecada poder assinar", diz.
A expansão da TV por assinatura no Brasil é um dos sinais do tempo a que Goes se refere. Assim como a crescente importância da internet e a concomitante irrelevância do clipe para a TV.
Nesse cenário, os antigos VJs foram deixando a MTV, em busca de novos caminhos e mais remuneração.
"A política da casa com os artistas não era viável. Eles tratavam a gente que nem lixo, para a gente não ficar metido. Eu fiquei oito anos com o mesmo salário", diz João Gordo, que trabalhou na MTV de 1996 a 2009.
Em tempo: Goes ainda não definiu qual será o último clipe da MTV Brasil. mas Astrid tem uma certeza: "Tem que ser uma coisa festiva!"
OPINIÃO
Boa parte do que foi produzido merece preservação e aplauso
ZECA CAMARGOESPECIAL PARA A FOLHA
A MTV Brasil está morta! Viva a MTV Brasil! O clima não é especialmente de comemoração --especialmente para as pessoas que começaram a ser desligadas agora do canal.
Descontando os poucos que estão lá desde o início (e lá se vão quase 23 anos!), esta já deve ser a quarta ou quinta geração de jovens que entraram lá acreditando no sonho de fazer uma televisão diferente, dedicada exclusivamente a um público: eles mesmos.
Eu, que fiz parte da primeira dessas gerações, sei bem o que significa isso. E consigo talvez entender a decepção e a frustração de ver uma janela de oportunidades criativas como essa se fechar.
Mas às vésperas de o canal se transformar em apenas um grande arquivo musical --na melhor das hipóteses-- é interessante notar que boa parte do que a MTV Brasil criou esses anos todos merece, sim, ser revista e preservada. Até mesmo aplaudida.
Com a "distância histórica" de quem saiu de lá há 19 anos, posso reconhecer essa relevância sem nostalgia nem desdém. Porque mais de uma ideia plantada pela MTV Brasil germina até hoje num programa aqui ou noutro acolá.
A tal ponto que esse encerramento das atividades me faz achar que o canal é, de certa forma, vítima do próprio sucesso: você não precisa hoje ligar na MTV hoje para ver MTV --ela está no meio de nós.
Com a relevância do próprio videoclipe em xeque pela acessibilidade da música hoje em dia --que faz a própria ideia de um programa de estreia de vídeo (um dos carros-chefes da programação inaugural da MTV do meu tempo) parecer não só romântica, como obsoleta--, a saída, tanto aqui quanto em outras MTV pelo mundo, foi apostar em formatos alternativos.
A própria MTV americana hoje é mais conhecida por seus reality shows do que por sua exuberância musical --onde sua premiação anual, o Video Music Awards, ainda é uma feliz exceção.
Sempre inquieta, nossa versão do canal, desde um bom tempo, vinha apostando no humor e, curiosamente, na dramaturgia (o bom seriado "A Menina sem Qualidades" representando o último suspiro dessa vertente). Mas, aparentemente, até mesmo essa fonte se esgotou.
O que fica então é o legado da diferença --este sim, imortal. Pois, por longos e longos anos, cada criador que ousar um pouco mais na concepção de um novo programa vai estar fazendo uma pequena homenagem à MTV Brasil. Mesmo sem se dar conta disso...
Novo canal não terá transgressão, afirma ex-diretor
KEILA JIMENEZCOLUNISTA DA FOLHA
Transição, troca de bastão, novo capítulo de uma história? Para André Mantovani, diretor-geral da MTV Brasil por quase dez anos, o canal que migra em outubro para a TV paga pode vir a ser tudo, menos a continuidade da trajetória que começou em 1990.
Hoje consultor de negócios, Mantovani diz estar de luto porque a MTV Brasil, do jeito que a gente conhece, morrerá de vez em setembro.
"O canal da Viacom será uma MTV americana com uma hora de programação nacional por dia para cumprir as cotas da lei da TV paga", disse à Folha.
"A MTV Brasil chegou a ter seis horas diárias de programação original, com identidade, que apostava em talentos", afirmou. "Vem aí algo só com o mesmo nome. A MTV Brasil acabou."
Segundo ele, que acompanhou as polêmicas e os anos áureos do canal, o novo paciente terminal da TV recebeu o seu diagnóstico há três anos e desde então busca uma cura milagrosa, sem sucesso.
"Em 2010, quando deixei o canal, já havia a sinalização que era necessário mudar, investir. Ali, a Abril [proprietária da concessão, que licenciava a marca da Viacom] deixou claro que não levaria a MTV adiante", conta.
"Esse é um direito legítimo do Grupo Abril, o de não mais investir em TV. Entendo a decisão deles. Mas é triste ver uma história tão bacana acabar assim", diz Mantovani.
Para o ex-diretor, todo esse confete em torno do retorno da marca para a Viacom esconde o fim de uma história de transgressão e inovação na televisão brasileira.
"Fizemos o primeiro beijo gay de língua da TV brasileira, mandamos desligar a TV e ir ler um livro, revelamos muita gente bacana", conta o executivo, que também coleciona alguns atritos no meio televisivo, como a briga com a Globo pelos direitos do acústico de Roberto Carlos, em 2001.
"Quando a Band levou o Marcos Mion, invadimos a emissora com um mandado de segurança para impedir a exibição do programa dele. Ele copiou quadros da MTV", afirma, rindo.
Mas o "pode quase tudo" da MTV também teve o seu freio. Mantovani conta que pediu expressamente para a turma do humorístico "Hermes e Renato" não exibir nenhuma genitália no ar. "Nem as deles, nem de plástico."
Com tantas memórias e lendas do canal musical, como a de que fazia macumba para todos os ex-VJs quebrarem a cara em suas novas empreitadas na TV --ele nega, mas se diverte com a história-- Mantovani quer se despedir da MTV Brasil com estilo.
Ele planeja uma grande festa com ex-funcionários, indústria fonográfica e quem mais fez parte da história do canal.
Vão beber o morto? "Não. Vamos celebrar a trajetória de sucesso, o orgulho que nos dava trabalhar lá."

Nenhum comentário:

Postar um comentário