AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA
Estadode Minas: 25/11/2012
Em seu programa de auditório, Silvio Santos reparou que várias moças tinham joias reproduzindo caveiras. No dia seguinte, vi umas moças passarem por mim na rua com camiseta de caveira. Olhei mais atentamente as vitrines e vi vários manequins usando roupas em que a caveira aparecia. E comecei a reparar que na academia de ginástica, nos bares, em toda parte, enfim, havia moças usando pulseiras com caveira, tatuagem de caveira, brincos de caveira, camiseta de caveira.
Será que estou num cemitério e não sabia?
Isso me lembrou aquele poema de Cruz e Sousa no qual ele repetia a palavra: “Caveira, caveira, caveira”, só que, à maneira dos poetas de sua época, aquilo era uma coisa meio mórbida, macabra. Ele descrevia a mulher amada apodrecendo, se decompondo.
Mas essa proliferação de caveiras em torno de nós não parece triste. Há um deboche nisso tudo. As moças que ostentam caveiras, com aqueles cabelos loiros alisados pela técnica da chapinha, estão rindo, parecem felizes. Nenhuma delas tem cara de bruxa. Não são desgrenhadas, desdentadas. Em vez do terror, estão do lado daquilo que outros chamam de “terrir”.
Brincar com a morte. Jogar com a morte. Dançar com a morte.
Primeiro foram os Hell’s Angels, que botaram as caveiras na ordem do dia ou na garupa das suas tenebrosas motos. Passavam zunindo perto da gente com aqueles blusões com ostensivas caveiras desenhadas nas costas. E usavam os anéis de caveira, os colares de caveira, tinham até o olhar mefistofélico de caveiras motorizadas.
Depois foram os grupos de rock, trazendo a morte para o palco da vida. Misturavam tanto a realidade e a fantasia que alguns deles pareciam zumbis, eram autênticas caveiras vivas. Alguns, pelas drogas, viraram caveiras mortas.
No México, a morte é uma coisa vivida. Ou melhor, a morte é comida: as crianças comem doces de caveira como se estivessem comendo o mais inocente chocolate. As famílias fazem até piquenique nas sepulturas das pessoas amadas. Comem, celebram e riem.
E, se vocês olharem no Google (ninguém mais consulta enciclopédias, até a Britannica é digital ) e botarem lá “dança macabra”, vão ler: “Acredita-se que representações artísticas de Danças macabras surgiram no século 14, mas os detalhes sobre o lugar e forma em que se desenvolveram inicialmente são muito discutidos”.
Se quiserem, podem ver as gravuras e desenhos em torno do tema.
Toda vez que vejo uma multidão de braços e pernas requebrando, chacoalhando o esqueleto na semiluz de um clube, penso que aquilo é também uma alegre dança de caveiras. Algumas, deslumbrantes.
Sigo, no entanto, tentando entender por que as garotas do programa do Silvio Santos, que não vivem na Idade Média, nem tiveram que enfrentar a peste negra, por que elas, tão contemporâneas, usam tão alegremente adereços mortais.
Alguém me sussurra:
– É que vivemos numa sociedade decadente e isso mostra como andam nossos costumes.
– Será?
Outra pessoa me explica:
– É que a morte se tornou uma coisa tão banal em nossa cultura, um fato tão cotidiano (olha os crimes em São Paulo, olha a guerra no Oriente Médio), que as pessoas para se livrarem desse pesadelo brincam com o que é sério, fazem troça com o macabro.
– Será?
Será que estou num cemitério e não sabia?
Isso me lembrou aquele poema de Cruz e Sousa no qual ele repetia a palavra: “Caveira, caveira, caveira”, só que, à maneira dos poetas de sua época, aquilo era uma coisa meio mórbida, macabra. Ele descrevia a mulher amada apodrecendo, se decompondo.
Mas essa proliferação de caveiras em torno de nós não parece triste. Há um deboche nisso tudo. As moças que ostentam caveiras, com aqueles cabelos loiros alisados pela técnica da chapinha, estão rindo, parecem felizes. Nenhuma delas tem cara de bruxa. Não são desgrenhadas, desdentadas. Em vez do terror, estão do lado daquilo que outros chamam de “terrir”.
Brincar com a morte. Jogar com a morte. Dançar com a morte.
Primeiro foram os Hell’s Angels, que botaram as caveiras na ordem do dia ou na garupa das suas tenebrosas motos. Passavam zunindo perto da gente com aqueles blusões com ostensivas caveiras desenhadas nas costas. E usavam os anéis de caveira, os colares de caveira, tinham até o olhar mefistofélico de caveiras motorizadas.
Depois foram os grupos de rock, trazendo a morte para o palco da vida. Misturavam tanto a realidade e a fantasia que alguns deles pareciam zumbis, eram autênticas caveiras vivas. Alguns, pelas drogas, viraram caveiras mortas.
No México, a morte é uma coisa vivida. Ou melhor, a morte é comida: as crianças comem doces de caveira como se estivessem comendo o mais inocente chocolate. As famílias fazem até piquenique nas sepulturas das pessoas amadas. Comem, celebram e riem.
E, se vocês olharem no Google (ninguém mais consulta enciclopédias, até a Britannica é digital ) e botarem lá “dança macabra”, vão ler: “Acredita-se que representações artísticas de Danças macabras surgiram no século 14, mas os detalhes sobre o lugar e forma em que se desenvolveram inicialmente são muito discutidos”.
Se quiserem, podem ver as gravuras e desenhos em torno do tema.
Toda vez que vejo uma multidão de braços e pernas requebrando, chacoalhando o esqueleto na semiluz de um clube, penso que aquilo é também uma alegre dança de caveiras. Algumas, deslumbrantes.
Sigo, no entanto, tentando entender por que as garotas do programa do Silvio Santos, que não vivem na Idade Média, nem tiveram que enfrentar a peste negra, por que elas, tão contemporâneas, usam tão alegremente adereços mortais.
Alguém me sussurra:
– É que vivemos numa sociedade decadente e isso mostra como andam nossos costumes.
– Será?
Outra pessoa me explica:
– É que a morte se tornou uma coisa tão banal em nossa cultura, um fato tão cotidiano (olha os crimes em São Paulo, olha a guerra no Oriente Médio), que as pessoas para se livrarem desse pesadelo brincam com o que é sério, fazem troça com o macabro.
– Será?
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