domingo, 25 de novembro de 2012

Quando os poderes batem de frente - Marcelo da Fonseca‏

Legislativo e Judiciário devem travar queda de braço sobre a perda de mandato dos deputados condenados no mensalão. Embates como esse têm sido comuns na história recente do país 

Marcelo da Fonseca 
Estado de Minas: 25/11/2012 
Superados os temas envolvendo a participação de nomes fortes do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no esquema do mensalão e a definição de suas penas, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) terão outro ponto controverso pela frente: a perda de mandato dos parlamentares condenados. Nesta semana, a discussão ganhará espaço no plenário, mas do outro lado da Praça dos Três Poderes, deputados e senadores estarão de olho no que será definido pelos ministros, prontos para questionar os limites do STF para decidir sobre a cassação de colegas. No entanto, as disputas entre as Casas que compõem os poderes da República não são novidade no Brasil e têm se intensificado ainda mais nos últimos anos. A interferência de um poder no outro é quase sempre o motivo dos embates, que muitas vezes envolvem o ego de seus representantes e a tentativa de valorizar suas instituições. 

A atenção desta vez se voltará para o debate dos ministros sobre o destino dos deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e José Genoino (PT-SP) – que pode voltar ao Congresso em 2013 no lugar do deputado Carlinhos de Almeida, eleito prefeito de São José dos Campos. Os quatro foram condenados pelo Supremo pelo envolvimento no esquema de compra de votos parlamentares, mas ainda não ficou claro se a perda da vaga no Congresso será incluída como pena ou se será necessário que o futuro dos parlamentares seja deliberado no plenário do Legislativo. Segundo o Código Penal, o efeito da condenação resultaria na perda de função pública ou mandato eletivo, mas a Constituição Federal também prevê que nessa hipótese a decisão será tomada pela Casa à qual o parlamentar pertence. 

Na semana passada, o relator do processo, e agora presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, tentou colocar o assunto em discussão para que o presidente que deixava o cargo, Ayres Britto, se manifestasse. Mas, sem apoio dos colegas para adiantar o tema, o debate não ocorreu. Segundo o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT), os parlamentares condenados continuariam exercendo sua função normalmente e, quando terminasse o processo – inclusive a fase de recursos –, a Casa decidiria se cassa os mandatos. “A Câmara não vai contestar a condenação. Vai tratar e debater sobre a perda do mandato ou não, que é uma decisão, nesse caso específico, da Câmara dos Deputados e do Senado. Não é uma decisão do STF pura e simples”, disse Maia. 

O professor de direito constitucional da PUC Minas José Luiz Quadros considera que a corte ultrapassa sua função ao definir sobre a cassação de políticos e aponta que essas intervenções têm sido cada vez mais comuns nos últimos anos. No entanto, ele ressalta que isso só está ocorrendopela recorrente omissão dos poderes responsáveis para se posicionar em alguns temas polêmicos. “Algumas iniciativas sobre a reforma política, por exemplo, e outras decisões recentes deveriam ser atribuições de outros poderes. Mas é importante entender o motivo dessas atuações do Judiciário. Um Congresso que se temomitido deixa um vazio de poder e a demanda da sociedade faz com que esse buraco seja ocupado”, explica. O especialista aponta a negociação como forma de evitar tensões nas discussões desta semana e reforça que a confusão entre o limite dos poderes só atrapalha o funcionamento da democracia.

CONTRA-AtaQUE Incomodado com o que considerou uma série de “invasões” em temas que deveriam ser decididos pelo Legislativo, o deputado Nazareno Fontelles (PT-PI) apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que autoriza o Congresso a derrubar atos normativos dos tribunais e do Executivo. Em abril, o projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e aguarda a análise de uma comissão especial antes de ser votado em plenário. “Acompanhamos várias situações em que juízes vão além de suas funções e criam regras para o país. Ocorreu nas questões sobre o aborto de anencéfalos, união afetiva, fidelidade partidária, entre outros episódios maiores ou menores”, lembra o petista. 

No entanto, o parlamentar garante que a medida não tem como objetivo  violar a autonomia dos três poderes prevista na lei brasileira e considerada por ele essencial para a democracia. As decisões de natureza estritamente jurisdicional – sentenças e acórdãos dos tribunais – continuam sendo definitivas. Para o petista, se a perda de mandato for incluída entre as penas determinadas aos réus do mensalão, o Supremo estará ultrapassando sua função. “Esperamos que o Legislativo acorde para se legitimar e garanta que se cumpra a divisão prevista em lei. A cassação dos parlamentares tem que ser avaliada pelos parlamentares, que vão se inteirar das decisões e apontar se concordam ou não com o tribunal”, afirma Fontelles.

Enquanto isso...
...O 'choro' de Dirceu
Condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha a 10 anos e 10 meses de prisão, o ex-ministro José Dirceu convocou a militância petista a fazer o "julgamento do julgamento" do mensalão, durante discurso em evento do PT, em Osasco (SP), na sexta-feira à noite. Aos companheiros de partido, afirmou: "Temos que fazer o julgamento do julgamento agora. Não temos medo da verdade dos autos, porque nos autos está a prova da nossa inocência. (…) Temos que fazer na sociedade, como este ato aqui hoje, que é uma demonstração da nossa força. Temos que reproduzi-lo em todo o país, não só no estado". No discurso, que durou cerca de 11 minutos, Dirceu disse ainda que o julgamento da ação foi politizado e feito sob intensa pressão da imprensa.

No ringue da República 

EXECUTIVO X JUDICIÁRIO 

» O discurso de Lula – abril de 2003 

Uma declaração do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou um tremendo mal-estar entre os dois poderes. Durante um debate sobre o crime organizado, em Vitória (ES), o petista defendeu o controle externo do Judiciário e criticou a existência de uma Justiça “classista” no Brasil. "É por isso que nós defendemos há tanto tempo o controle externo do Poder Judiciário. Não é meter a mão na decisão do juiz. É pelo menos saber como funciona a caixa-preta de um Judiciário que muitas vezes se sente intocável", afirmou o presidente. A fala causou indignação em ministros da mais alta corte do país e magistrados de vários estados. O ministro Gilmar Mendes afirmou que, em resposta a uma ação no STF de magistrados do Paraná que se sentiram ofendidos com a declaração, Lula seria notificado pessoalmente para prestar esclarecimentos sobre as afirmações. O presidente respondeu por meio de documento enviado ao Supremo que os juízes adotaram “interpretação exagerada” e que ele teria “não apenas o direito constitucional de se expressar como cidadão, mas também o dever, inerente ao cargo, de identificar problemas e propor soluções”.

» Cortes no orçamento – julho até setembro de 2011 

Equipe econômica do governo federal informa ao presidente do STF, ministro Cezar Peluso, que os pedidos do tribunal não seriam totalmente atendidos no orçamento para 2012, deixando de fora dos gastos previstos o plano de cargos e reajustes salariais do Judiciário. A decisão foi rebatida de forma dura pelos ministros do Supremo e Peluso foi a público cobrar uma correção do Planalto: “Parece que houve um pequeno equívoco que o Executivo vai retificar, sem dúvida”, disse. Seu colega, o ministro Marco Aurélio Mello, também deixou clara a sua insatisfação com o corte determinado pelo Executivo e citou que a medida desrespeitava a Constituição. “O que está em jogo não é pecúnia, não é dinheiro, não é gasto. O que está em jogo é o princípio que implica equilíbrio, que não haja supremacia de poderes que estão no mesmo patamar”, criticou. A presidente Dilma Rousseff firmou o pé na disputa e argumentou que para enfrentar a crise econômica e preservar empregos, não há margem fiscal para conceder reajustes. 

JUDICIÁRIO X LEGISLATIVO 

» Fidelidade partidária – março de 2007 

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ratificada pelo STF, em defesa da fidelidade partidária criou desgaste entre parlamentares e juizes. Apesar de receber apoio de muitos parlamentares, a mudança foi considerada uma interferência direta do Judiciário nas questões do Legislativo e levou a um bate-boca entre os então presidentes da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e do TSE, Carlos Ayres Britto. Por causa da demora em cumprir a decisão dos tribunais em um caso de um deputado que mudou de partido e deveria ter perdido o mandato, Britto cobrou maior agilidade da Câmara e foi rebatido de forma dura por Chinaglia. “Quero dizer ao ministro Ayres Britto que Sua Excelência não preside um poder, Sua Excelência preside o TSE. Aqui, presidimos um Poder. Se eu quiser cobrar publicamente do ministro processos em que Sua Excelência ficou determinado tempo sem deliberar, posso fazê-lo publicamente também", ameaçou o parlamentar. 

» Validade da Ficha Limpa – março até julho de 2010 

Com a aprovação no Congresso depois de grande mobilização popular, a proposta que barraria a candidatura de políticos condenados por decisões colegiadas poderia ter entrado em vigor nas eleições de 2010, mas o STF considerou inconstitucional a validade da regra no mesmo ano em que foi criada – a norma entrou em vigor em 7 de junho, quatro meses antes do primeiro turno eleitoral. Por seis votos a cinco, o tribunal contrariou a decisão do Legislativo e a estreia da lei ficou para as eleições municipais de 2012. No Congresso, sobraram críticas à interpretação dos ministros. “Ficou clara a divisão do tribunal. O que prevaleceu foi a leitura do texto constitucional e não a vontade da população”, observou a deputada Carmen Zanotto (PPS). Os desencontros com a Suprema Corte já se vinham tornando repetitivos em relação à inelegibilidade de políticos desde 2008, quando o STF decidiu que os políticos que respondem a processos – chamados “fichas-sujas” – não poderiam ser impedidos de disputar a eleição. Para explicar o momento de protagonismo do tribunal, Gilmar Mendes colocou mais lenha na fogueira ao explicar: “É preciso se ter em mente que o STF ocupa, e ocupará cada vez mais, a condição de uma verdadeira terceira Câmara no Brasil, ao lado da Câmara e do Senado”. 

LEGISLATIVO X EXECUTIVO

» Fim da CPMF – dezembro de 2007 

Considerada a maior derrota do governo Lula no Congresso, a rejeição à prorrogação da cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) deixou dias de tensão entre o Palácio do Planalto e o Legislativo. Mesmo com grande mobilização da base aliada e horas de negociação com a oposição o “imposto do cheque” foi derrubado no Senado e representou um redução estimada de R$ 40 bilhões para os cofres da União. Lamentando a decisão, Lula considerou a escolha um ato político irresponsável e colocou na conta dos parlamentares a falta de recursos para a saúde. “Vi uma guerra pela CPMF. Tiraram R$ 40 bilhões do orçamento do governo. E quem mais perdeu com isso? Foi o PAC da Saúde, que já estava pronto", afirmou o presidente. O então ministro da Fazenda, Guido Mantega, também adotou um tom duro em relação à decisão do Senado e destacou que quem mais saiu perdendo com o fim do imposto foi a própria sociedade.

» Vetos ao Código Florestal – setembro de 2011 até outubro de 2012
 
Em uma briga de vários rounds, a mais recente disputa entre o Palácio do Planalto e o Congresso durou mais de um ano para apresentar resultados e ainda podem surgir novos embates. Os debates para renovar a legislação que trata da preservação ambiental colocaram em lados opostos a numerosa bancada ruralista do Legislativo e o governo, que já tinha compromissos assumidos com a causa ambientalista. Durante a tramitação do projeto, manifestantes defenderam uma posição da presidente em defesa da natureza. Por meio de decreto, o Planalto reforçou sua posição contrária às mudanças feitas pelos parlamentares e retomou medidas defendidas anteriormente para a preservação em margens de rios. A posição firme gerou duras críticas à relação entre os dois poderes. “A prerrogativa da presidente em vetar existe, é constitucional. O que é totalmente inconstitucional é querer suprimir o Congresso Nacional e querer legislar por decreto”, argumentou Ronaldo Caiado (DEM).

Nenhum comentário:

Postar um comentário