Justiça expulsa posseiros de área indígena
Famílias que ocupam desde 1992 a terra, que fica em Mato Grosso, terão de deixar suas casas até 18 de dezembro
Incra diz que cerca de 2.700 pessoas vivem no local; associação de produtores rurais afirma que são 7.000
O Incra, órgão do governo federal responsável pela regularização fundiária no país, identificou 650 famílias de pequenos agricultores vivendo na área, o equivalente a cerca de 2.700 pessoas.
Já a associação local de produtores rurais diz que 7.000 pessoas serão despejadas.
A terra indígena tem 165 mil hectares que abrangem os municípios de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia.
Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), cerca de mil xavantes vivem desde 2004 numa área de 10% da terra indígena, homologada em 1998 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
A saída dos posseiros é uma determinação de agosto da Justiça Federal.
Em setembro, os não índios conseguiram suspender a retirada. No mês seguinte, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, derrubou a liminar que mantinha posseiros na terra indígena.
O caso ainda não foi apreciado pelo plenário do tribunal, mas a procuradora da República Marcia Zollinger diz acreditar que os recursos dos posseiros não deverão ser aceitos pelo STF, pois têm como objetivo rediscutir as provas da ação. "A confiança é plena de que agora os índios voltarão para a terra deles", disse a procuradora.
CLIMA TENSO
A presença de dois oficiais de Justiça entre os dias 7 e 18 provocou tensão no distrito de Posto da Mata, em Alto Boa Vista (a 1.045 km de Cuiabá).
Homens da Polícia Federal, da Força Nacional de Segurança Pública e da Polícia Rodoviária Federal permanecem no local. O efetivo em atuação não foi informado.
Segundo a PF, uma delegacia desativada que serviria de base para os agentes foi incendiada no fim de semana passado, e um carro da Força Nacional foi virado por manifestantes.
O presidente da associação dos produtores rurais, Renato da Silveira Filho, ainda espera reverter a situação. "É muito triste, muito revoltante. O Brasil está querendo acabar com a pobreza, [mas] lá estão querendo jogar o povo na miséria", disse à Folha.
Segundo a associação, serão desativados 600 propriedades rurais, um posto de saúde, dois postos de gasolina, dois hotéis, oito igrejas e três escolas públicas onde estudam 800 alunos.
Pelos cálculos de Silveira Filho, 250 mil cabeças de gado, 10 mil hectares de soja e cinco mil hectares de milho serão perdidos.
Os posseiros não terão direito a indenização pelas benfeitorias porque, em 2010, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região entendeu que eles são "meros invasores da área".
O Incra está cadastrando as famílias da região para ver quantas se encaixam no perfil de público da reforma agrária e poderão ir para assentamentos próximos.
DITADURA
Os xavantes foram expulsos de suas terras na década de 1960 pelo governo militar e lutam na Justiça desde 1995 para voltar para a terra indígena Marãiwatsédé.
Em 2011, o governo de Mato Grosso sancionou lei que permite ao Estado trocar com a União a terra indígena pela área do Parque Estadual do Araguaia. Para a Funai, a lei é inconstitucional.
Número de índios voltou a crescer no fim dos anos 80
DE SÃO PAULOO Brasil tem atualmente 818 mil índios, de 305 etnias, que falam 274 idiomas. Desses, 17,5% não falam português, segundo o perfil mais recente, divulgado neste ano pelo IBGE.Historiadores estimam que em 1500, quando chegaram os colonizadores, houvesse de 5 milhões a 10 milhões de indígenas.
"Muitos estavam na costa. Depois, com a invasão da costa, se avança para o interior", diz o indigenista Saulo Feitosa, secretário-adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Ele diz que no processo de colonização houve genocídio e depois uma tentativa de "integração".
Um levantamento do Cimi aponta que, nos primeiros 500 anos de colonização, 1.500 de 2.000 povos indígenas foram extintos.
Na ditadura militar (1964-1985) houve um processo de aculturação dos índios. "A ideia de nação não comportaria essas nacionalidades. Por isso os povos teriam de se transformar em cidadãos brasileiros, sem outra identificação étnica", diz Feitosa.
O índice de extermínio de índios começou a diminuir nos anos 70, com o trabalho da então recém-criada Funai (Fundação Nacional do Índio), em 1967. A partir do fim dos anos 80, com a Constituição de 1988, o número de indígenas voltou a crescer.
O Censo de 1991 apontava a existência de 294 mil índios. Em 2010, o número chegou a 817,9 mil pessoas que se autodeclararam indígenas, 0,4% da população brasileira. A pesquisa não levou em conta índios isolados.
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